*Fábio Rogério Carvalho
A chamada Era do Consensualismo não pode ser apenas uma moda, nem tampouco uma carta de intenções. Precisa ser uma etapa definitiva no caminho da relação público-privada na história das concessões no Brasil.
O que há de mais certo durante um contrato de concessão é que ele vai mudar… em 20, 30 anos, tudo muda. Os contratos de telefonia, por exemplo, originalmente estabeleciam como metas de universalização a instalação de orelhões públicos; contratos de rodovias, a disponibilização de call boxes… São muitos os exemplos de metas e indicadores que, com o passar da concessão, se mostraram obsoletos.
Isso porque a tecnologia – para bem da sociedade – ultrapassa rapidamente as previsões feitas nos longínquos editais. Mas além disso, as conjunturas mudam.
A infraestrutura é dinâmica. Seus equipamentos são organismos em constante interação com transformações econômicas, culturais, geográficas, sociais. A vida é imprevisível, nem tudo é precificável ex-ante.
É preciso aprender com o passado, cuidar do presente e sempre olhar para o futuro.
E nesse contexto, penso que a maturação institucional e relacional nos contratos de concessão no Brasil pode ser entendida como um processo em que se pode identificar fases no tratamento das questões que sugeriam mutabilidades contratuais.
Destaco, brevemente, três momentos muito claros:
A Era do Formalismo: “Cumpra-se o contrato e pereça o mundo”
Esse momento defendia a “vinculação ao ato convocatório” como verdade absoluta e imutável sob pena de “burla ao procedimento licitatório”.
Havia uma preocupação maior com “de quem é a culpa?” do que com o “como resolvemos isso?”.
É certo que “efeitos pedagógicos” e “risco reputacional” são variáveis importantes e devem sempre ser consideradas, especialmente para evitar a seleção adversa ou manutenção de parceiro inapropriado, mas é preciso separar a purgação da condenação eterna.
A tese formalista obstava modernizações e alterações e dogmatizava a realidade, empurrando muitas questões para discussões judiciais longas e caras.
Brigar cansa e custa caro; brigar por muito tempo, é mais cansativo e caro ainda!
Esse modo de pensar não resolveu problemas, mas nos levou a outro momento.
A Era da Reprecificação de Mercado e Arbitragem: “Vejamos quem tem razão”
Buscando soluções mais céleres (não necessariamente menos onerosas) a relicitação e arbitragem surgiram como possíveis caminhos. Na primeira, o mercado assumiria o ativo reprecificando o ativo sob novas condições, e, na segunda (às vezes concomitante com a nova licitação) um terceiro diria quem tinha razão.
Vale pontuar que, existem casos em que as novas condições contratuais oferecidas na relicitação, se ofertadas ao incumbente, poderiam ser aceitas mediante negociação contratual sem que houvesse a necessidade do moroso e dispendioso processo de novo leilão.
É inequívoco que houve resultados positivos, permitiu-se maior equilíbrio nas relações, discussões menos jurídicas e mais econômicas; no entanto, nem todos os problemas puderam ser equacionados. Custos contratuais não resolvidos para novos incumbentes ou que precisaram ser suportados pelo erário (caso de indenizações arbitradas) demonstram que a solução não é absoluta, embora deva continuar a ser uma alternativa.
Fato é que tal caminho a impor demora e riscos de precificação, o que nos leva, ao meu entender, para o terceiro e atual momento.
A Era do Consensualismo: “Vamos conversar, vamos resolver”
Popularmente, perdoem-me o excesso de informalidade, é o “ser feliz” no lugar do “ter razão”. É hora de conversar e querer construir soluções objetivas para os ativos estressados, equilibrar obrigações racionais que atendam ao usuário, remunerem o concessionário e promovam os investimentos que as eras anteriores represaram.
Temos a oportunidade de ter um verdadeiro ponto de virada na forma de reorganizar as relações.
Contratos relacionais precisam ser entendidos um modo diferente do demais, consistem na escolha e confiança mútua entre público e privado que permita ajustar o contrato sempre que a realidade exigir.
Para além dos reequilíbrios, é necessário promover modernizações conceituais e contratuais que enderecem as soluções do que se viveu e claramente afetará os próximos anos. Mas também garantir que o ambiente de confiabilidade traga a segurança de que em cenários adversos o bom senso prevalece.
Menos passado e menos prescrição; mais futuro e mais solução.
A mutabilidade contratual precisa ser dosada, ponderada e construída em consenso verdadeiro que garanta ambiente leal e convergente para novas mudanças. Se, por um lado, não pode ser estar ao sabor dos ventos; por outro, não pode ser escrita cuneiforme, talhada em pedra.
Fato é que depois de tantos eventos impactantes nos últimos anos restaram sequelas que precisam ser resolvidas em todos os setores.
Veja-se o caso específico dos aeroportos, onde os efeitos da pandemia alteraram estruturalmente o comportamento da demanda, com efeitos deletérios que precisam ser resolvidos nesse ambiente de confiança mútua e maturidade intelectual. Acrescente-se ainda um cenário traz uma voracidade arrecadatória de tributos ilegais (no caso do IPTU), anúncio de políticas públicas sem devido escrutínio de mercado, reforma tributária em curso sem clara definição de impactos… e ainda assim, seguimos investindo.
Confiança e esperança guiam a resistência.
Diante do histórico, acredito que estamos em um processo evolutivo que chega a um momento especial. O comportamento dos agentes, reguladores-regulados-controladores, em tornar efetiva a construção de soluções e encontrar caminhos reais de convergência pode nos trazer a uma etapa definitiva de soluções. No entanto, após todo esse caminho que nos trouxe até aqui, temo que se não aproveitarmos o momento e oportunidade não teremos um processo evolutivo, mas um reinício de ciclo, com as mesmas eras, mas cada vez mais custosas e com menos resultados. Não podemos caminhar em círculos: Vamos conversar, vamos resolver!