iNFRADebate: A hora dos modais de grande capacidade – a COP 26 e o PNL 2035

Felipe Lisbôa* e Ana Cláudia Franco**

Pela atual situação mundial, tendo como problemas-chave o aquecimento global e a gestão não-sustentável de recursos, é que os compromissos assumidos pelo Brasil na COP26 foram oficializados, quais sejam: (a) redução de 50% das emissões de gases de efeito estufa até 2030 e (b) neutralização das emissões de carbono até 2050.

Diante deste arrojado compromisso, propomos uma reflexão sobre como o setor logístico nacional pode (e, por que não, deve) abraçar o desafio/oportunidade de contribuir para a rota de descarbonização da economia, aproveitando algumas das mais recentes mudanças e projetos legislativos que vimos nos últimos anos. 

Em primeiro lugar, no contexto ambiental, apesar de o Brasil já possuir uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, considerando o seu enorme – e aproveitado – recurso hídrico, é notória sua seríssima dependência desse modelo energético que vem impondo, inclusive, severos desafios neste último ano. 

Além disso, também padece de muitos outros problemas ambientais, causados, em especial, pelo aumento expressivo das queimadas, pela crise hídrica, pela gestão imprópria de resíduos sólidos e por possuir matriz logística centralizada no modal rodoviário – fonte importante de emissões de gases de efeito estufa, atrelada ao uso excessivo de combustíveis fósseis. Ou seja, no âmbito das promessas feitas na COP 26, o Brasil tem sim uma difícil missão a ser cumprida, em especial quando olhamos a situação da logística/infraestrutura atual.

Destaca-se a questão da centralização da matriz logística, que é um problema histórico brasileiro, conforme experiência prática da maior parte do setor produtivo, bem como constatado em diversos estudos, sendo o mais recente (e relevante) o PNL (Plano Nacional de Logística) 2035, publicado recentemente pelo Ministério da Infraestrutura.

O PNL, além de expor um extenso prognóstico atual do setor, também apresenta os objetivos almejados como política pública, sendo um dos mais relevantes o incentivo à diversificação da matriz logística, mediante maior participação de modais de grande capacidade1:

Em relação à matriz do transporte de cargas, observou-se a tendência em todos os cenários 2035 de configuração de uma matriz mais racional, com maior participação dos modos de transporte de grande capacidade na produção do transporte (ferroviário, hidroviário e cabotagem), tanto em peso quanto em valor, e menor dependência do modo rodoviário. Essa distribuição da produção futura de transportes entre os modos se reflete em maior sustentabilidade ambiental e eficiência do setor. Ao comparar os nove cenários futuros com a projeção de um cenário futuro sem as intervenções simuladas, observou-se a redução no nível de emissões de gases de efeito estufa. Em relação à eficiência do transporte de cargas, foi verificada, em todos os cenários futuros, uma tendência de redução do custo médio do transporte intermunicipal de cargas. No cenário com investimentos mais conservadores, é observada uma redução de 17% no custo médio em relação ao Cenário Base 2017, podendo atingir 39% de redução no cenário que apresentou melhor desempenho desse indicador.” (g/n)

Pela análise do trecho acima transcrito, fica claro que a diversificação da matriz logística tem correlação direta com dois temas: (a) maior sustentabilidade ambiental – e, com isso, contribuição efetiva para diminuição das emissões de gases de efeito estufa – e (b) redução no custo médio do transporte. Nesse sentido, não se tem dúvidas de que a incorporação de critérios sustentáveis e a consideração dos riscos climáticos no desenvolvimento de modais logísticos mais resilientes são medidas eficazes para contribuir com as metas assumidas pelo governo brasileiro na COP26.

Aliás, em Glasgow (cidade-sede da COP26), o Ministério da Infraestrutura apresentou iniciativas como o Pro Trilhos e o BR do Mar, que são algumas das ações direcionadas ao reequilíbrio da matriz de transportes, mediante ampliação da participação de modais mais limpos e de maior capacidade, com redução das emissões de carbono para a atmosfera.

O PL (Projeto de Lei) 4.199/2020, denominado BR do Mar, tem como objetivo fomentar a navegação de cabotagem (navegação pela costa de porto a porto), mediante, por exemplo, (a) expansão da frota disponível; (b) incentivo à indústria naval, em especial no segmento de manutenção e reparos; e (c) desburocratização do setor, entre outros. Atualmente, o projeto aguarda aprovação no Senado Federal, após ter sido votado e aprovado na Câmara dos Deputados.

Ainda mais em voga, destacamos os projetos para expansão da malha ferroviária, refletidos por recentes novidades legislativas, sendo, a primeira, a (a) publicação da Lei 13.448/2017, que possibilitou as prorrogações antecipadas dos contratos de concessão ferroviária, resultando na antecipação de investimentos em suas respectivas malhas e na efetivação do instituto do investimento cruzado; e, a segunda, (b) a possibilidade, no âmbito federal e de alguns estados, de exploração de empreendimento ferroviários pelo regime de autorização, conforme disposto em especial pela MP (Medida Provisória) 1.065/2021, que possivelmente será substituída quando da aprovação do PLS (Projeto de Lei do Senado) 261/2018 (PL 3.754/2021 na Câmara dos Deputados).

O Pro Trilhos, que trata sobre a expansão do setor pelo novo regime de autorizações no âmbito federal, interessou bastante os investidores desde a publicação da MP 1.065/2021, já possuindo atualmente quase 30 pedidos em análise pelo Ministério da Infraestrutura, com investimentos estimados em R$ 100 bilhões.

Diante dessas positivas novidades legislativas e confirmada a premissa de que a descentralização da matriz logística pode ser ferramenta ótima para o cumprimento das metas anunciadas na COP26 e redução do custo Brasil, o desafio passa a ser a implementação efetiva dos projetos, principalmente dentro do cenário atual de recessão econômica pós-pandemia. 

Para isso, ainda é importante a consolidação da regulamentação, em especial do setor ferroviário, que está mais avançado, de modo a reduzir os riscos do ponto de vista jurídico/regulatório e socioambiental, para permitir uma melhor avaliação dos projetos, atendimento aos critérios ESG dos principais financiadores e acesso a recursos destinados a projetos verdadeiramente sustentáveis.

Fica evidente que, para atingimento das metas assumidas na COP26, há muito trabalho pela frente no que toca a meta de equilíbrio da matriz logística brasileira, em especial pela urgente necessidade da criação e confirmação de alternativas, mesmo diante da crise atual, que viabilizem todos os projetos, seja do ponto de vista financeiro, socioambiental e/ou regulatório.

1 https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/assuntos/noticias/2021/10/imagens/resumoExecutivo_PNL2035_ed_105112021.pdf
*Felipe Lisbôa é advogado associado do escritório Toledo Marchetti Advogados.
**Ana Cláudia Franco é sócia da área Ambiental e Mudanças Climáticas do escritório Toledo Marchetti Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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