iNFRADebate: A (in)segurança jurídica das poligonais (in)finitas

Murillo Barbosa*

Em fevereiro, a “Lei de Modernização dos Portos”, Lei 8.630/1993, completaria 30 anos. Foi substituída pela “Nova Lei de Portos”, Lei 12.815/2013, que celebrará sua primeira década no mês de junho. Os dois normativos foram responsáveis pela consolidação de um modelo portuário marcado pela dualidade de empreendimentos portuários públicos e privados, o que ganhou ainda maior expressão com a lei de 2013. 

No cerne dessa dualidade encontra-se a definição das poligonais dos portos organizados e seus diversos subtemas, como o tratamento jurídico de imóveis privados no seu interior e de imóveis da União que estão fora das suas divisas, os procedimentos aplicáveis para definição dos pontos geográficos da área, o interesse público envolvido, entre outros.

Elemento comum a essas discussões diz respeito ao limite – nesse caso, geográfico, como optou a lei – do exercício das funções da autoridade portuária e sua aplicação sobre os bens dentro e fora dos portos sob sua gestão.

O raciocínio pode parecer óbvio: o limite do exercício dessas funções é o interior da área do porto organizado, definida pela poligonal, sendo que fora dela não poderão ser exercidas. Mas fato é que divergências ainda surgem e, eventualmente, levam a disputas entre as empresas que atuam no setor e as autoridades portuárias, demandando atuação da agência reguladora, poder concedente e não raramente do Poder Judiciário.

Uma dessas divergências se apresenta na impossibilidade de cobrança de tarifa dos usuários de infraestruturas administradas ou mantidas pela autoridade portuária, mas que estão localizadas fora das poligonais.

A Lei 12.815/2013 define o porto organizado como bem público construído e aparelhado para atender a necessidades de navegação, de movimentação de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mercadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob jurisdição de autoridade portuária

As funções precípuas das autoridades portuárias são fiscalizar, administrar e manter esses bens e seus usos, com vistas a desenvolver atividades no porto sob sua jurisdição. A conceituação das poligonais, portanto, visa a orientar que as infraestruturas necessárias para as atividades portuárias possam contar com o exercício dessa função pela autoridade respectiva, tendo como contrapartida o pagamento da tarifa.

Ocorre que, em determinadas situações, o poder público, diretamente ou por meio das autoridades portuárias, necessita realizar investimentos ou administrar infraestruturas que estão além dos limites do porto organizado, seja para promover sua otimização ou para mitigar gargalos logísticos.

Exemplo disso é a realização de obras de implantação, manutenção ou administração de acessos em vias terrestres que se encontram fora da poligonal. Muitas vezes esses feitos ocorrem de forma concomitante aos investimentos aportados sobre o mesmo ativo pelos TUPs (terminais de uso privado) que também se localizam nas adjacências e que buscam fomentar e expandir suas atividades, o que contribui para o desenvolvimento e melhoria da eficiência logística do complexo portuário como um todo.

A situação remonta à conclusão de que no modelo dualista tutelado pela lei todos os esforços visam ao crescimento e fortalecimento do setor, mas com uma distinção sobre os papéis, direitos e deveres dos seus agentes, que é claramente traçada pela poligonal, possibilitando à iniciativa privada o retorno dos seus investimentos, e à autoridade portuária, a cobrança de tarifas aos usuários pelo uso das infraestruturas localizadas no interior do porto organizado e pelos serviços por ela efetivamente prestados dentro desta área. Mas não a autoriza a cobrar tarifas fora desses limites, sendo fundamental o papel da agência reguladora setorial na proteção e respeito à legislação aplicável.

A questão levantada denota mais um elemento de insegurança jurídica que afeta a administração dos portos brasileiros, gerando os efeitos negativos já conhecidos ao desenvolvimento da atividade portuária.

O papel de pacificação do tema cabe à comunidade portuária: empresas, autoridades portuárias, e, principalmente, ao poder concedente e à agência reguladora. Para esses dois últimos, o dever de isonomia previsto no art. 37 da Constituição Federal impõe a aplicação do dito popular, para fazer com que pau que dá em Chico dê também em Francisco.

*Murillo Barbosa é diretor-presidente da ATP (Associação de Terminais Portuários Privados).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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