Ane Elisa Perez*
Em abril de 2020, o Governo do Estado de São Paulo lançou a segunda rodada de concessões de aeroportos regionais paulistas, que conta com a concessão de 22 (vinte e dois) aeroportos divididos em dois grandes lotes (Lote Noroeste e Lote Sudeste), em um valor total esperado de investimento de R$ 700 milhões entre obras e operações e com a expectativa de geração de R$ 600 milhões em impostos para municípios e União, ao longo do prazo estipulado de 30 anos.
Ressalta-se que a rede aeroportuária paulista, pela qual transitam cerca de R$ 2,4 milhões de passageiros, já passou por uma primeira rodada de concessões no ano de 2017, por meio da qual foram concedidos, em único lote, os aeroportos de Bragança Paulista, Campinas, Itanhaém, Jundiaí e Ubatuba ao Consórcio Voa São Paulo, responsável por realizar todos os investimentos necessários para tornar os aeroportos dessa primeira rodada mais eficientes e lucrativos.
Objeto
Como adiantado, a segunda rodada de concessões aeroportuárias do estado de São Paulo, ainda em aberto, possui como objeto 22 (vinte e dois) aeroportos, divididos em dois principais lotes:
- Lote Noroeste: composto por 13 unidades (São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Araçatuba, Barretos, Avaré-Arandu, Assis, Dracena, Votuporanga, Penápolis, Tupã, Andradina, Presidente Epitácio e São Manuel), com um total de investimento previsto na quantia de R$ 177 milhões.
- Lote Sudeste: composto por nove unidades (Ribeirão Preto, Marília, Bauru, Araraquara, Franca, São Carlos, Sorocaba, Guaratinguetá e Registro), sendo o aeroporto de Ribeirão Preto o empreendimento principal, com investimentos previstos ao longo do contrato no valor de R$ 233 milhões.
Dentre as obrigações estipuladas ao ente contratado, citam-se as adequações de largura e inclinação da pista de pouso e decolagem e medidas para mitigar o ruído aeronáutico no aeroporto de São José do Rio Preto, assim como a construção de novos terminais de passageiros nos empreendimentos de Marília e de Guaratinguetá.
Em relação aos vencedores da rodada, serão escolhidos aqueles que apresentarem a maior oferta de outorga fixa, a ser paga integralmente como condição para a assinatura do contrato, sendo permitida a participação de empresas nacionais ou estrangeiras, consórcios, instituições financeiras e fundos de investimentos que terão que comprovar, se vencedores do certame, a qualificação técnica em gestão aeroportuária.
Atualmente, os aeroportos objeto desta rodada de concessão são operados e administrados pelo Daesp (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo) e terão seu procedimento licitatório conduzido pela Secretaria de Governo, por meio da Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), que possui expectativa de concluir as licitações ainda em dezembro deste ano com assinatura dos contratos com o ente privado contratado logo no início de 2021.
Histórico
Após o anúncio da segunda rodada de concessões aeroportuárias do estado de São Paulo no início deste ano, foi marcada audiência pública para os dias 17 de abril a 21 de maio. Tal etapa, que estava marcada para ocorrer presencialmente, foi realizada de modo totalmente virtual, em razão da pandemia da Covid-19, após parecer inédito dado pela Procuradoria-Geral do Estado nesse sentido. No momento, aguarda-se a publicação das respostas às inúmeras contribuições recebidas nesta etapa para que seja dado andamento ao trabalho, em especial à realização do certame.
Principais pontos da rodada
Como principais pontos da rodada, primeiramente, válido apontar, como adiantado, que o critério de julgamento do certamente será o valor da outorga fixa já definida pelo Governo do Estado, que estipulou a quantia de outorga mínima de R$ 18,6 milhões para o Lote Noroeste e de R$ 9,4 milhões para o Lote Sudeste, sendo vencedor aquele que apresentar proposta de preço com o maior valor de outorga e devidamente comprovar sua qualificação técnica, que será atestada mediante a apresentação de documentos que constatem a experiência na gestão ou administração de ativos de infraestrutura.
Quanto à remuneração da concessionária, destaca-se que essa será feita com base nas receitas tarifárias (tarifa de embarque, tarifa de pouso, tarifa de permanência, tarifa de armazenagem e tarifa de capatazia) e pelas receitas não tarifárias fruto da exploração de atividades econômicas provindas da utilização de áreas, edifícios, instalações, equipamentos, facilidades e serviços.
A rodada, também, em consonância com a linha mais assertiva do setor, prevê métodos alternativos de solução de conflitos, dentre eles a possibilidade do uso da negociação direta, das juntas técnicas – ou dispute boards –, mesmo que de modo mais incipiente, além de, claro, trazer disposições quanto ao uso do procedimento arbitral na solução de qualquer controvérsia de direito patrimonial disponível surgida ao longo do contrato.
Impactos da Covid-19
Assim como a sexta rodada de concessões aeroportuárias no nível federal, que teve de reelaborar estudos e propor novas alterações à minuta do contrato em decorrência do coronavírus, a rodada de concessões paulista também sentiu as repercussões negativas da pandemia atual que atinge o Brasil e que impactou, drástica e diretamente, o setor aeroportuário nacional e internacional.
É por isso que, de acordo com os responsáveis pela concessão no nível estadual, espera-se que nas próximas semanas alguns estudos que embasam a segunda rodada sejam refeitos com o intuito de atualizar as análises técnicas e econômicas, adequando o certame às vicissitudes atuais sentidas pelo setor aeroportuário em consonância às expectativas do setor e das empresas que participarão do procedimento.
Tal discussão, ainda no âmbito interno da segunda rodada de concessões, pode trazer, ademais, mudanças importantes no contrato e no edital inclusive quanto ao compartilhamento de riscos. Nesse ponto, há expectativas de que a rodada insira mecanismos de compartilhamento de riscos de demanda na licitação, especialmente considerando que o estado de São Paulo já possui um histórico favorável à previsão desses mecanismos, os quais já foram implementados em concessões anteriores.
Próximos passos
No momento, aguarda-se a publicação final do edital e do contrato de concessão, após as contribuições enviadas na audiência pública anteriormente realizada, para que, então, haja a licitação, que havia sido estipulada para o segundo semestre de 2020, com a assinatura dos contratos no início do próximo ano.
No entanto, é certo que, com a aproximação do fim do ano, não há como saber se esses prazos sinalizados inicialmente conseguirão ser cumpridos integralmente pelo Governo do Estado, principalmente se novos estudos e readequações tiverem mesmo de ser feitas no contrato e no edital em razão dos impactos da Covid-19. Por isso, é preciso, aqui, uma atenção tanto do setor quanto do ente estadual, como também das empresas interessadas no certame, a fim de que todos estejam alinhados e que a realização da segunda rodada de concessões aeroportuárias, ainda neste ano, possa acontecer dentro das expectativas anteriormente anunciadas, mas garantido um estudo técnico-econômico aprofundado e seguro, atualizado para este novo tempo.
Conclusão
É certo que a segunda rodada de concessões aeroportuárias veio em momento oportuno, especialmente considerando que o setor de infraestrutura será um dos principais responsáveis por reerguer o país da crise atual que nos afeta. Assim, em que pese a pandemia da Covid-19 tenha alterado os planos inicialmente previstos, é certo que, a rodada estadual vem trilhando seu caminho, ao lado da 6ª Rodada de Concessões no nível federal, como um importantíssimo atrativo para os players interessados no setor.
Contudo, válido mencionar que a visão de todo otimista passada pelo Governo do Estado de São Paulo em relação à realização da concessão ainda neste ano deve ser vista com muita precaução. Neste sentido, embora seja inegável que a realização de um certame licitatório ainda neste ano fosse de todo modo positivo para o estado paulista, esse tão importante procedimento não pode ser de modo algum precipitado, sendo imperioso, portanto, que os documentos e estudos que embasam a segunda rodada de concessões aeroportuárias estejam de todo modo alinhados com as expectativas do setor e às vicissitudes impostas atualmente ao setor aeroportuário.
A palavra da vez é, então, cautela, não só em relação à segunda rodada de concessões da capital paulista, mas também aos demais investimentos em infraestrutura no país, principalmente porque a crise atual está longe de ter o seu fim e as consequências daí advindas permanecem ainda imensuráveis.