iNFRADebate: Como a administração pública pagará a conta do desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de parcerias?

Rafael Henrique Fortunato*

A pandemia da Covid-19 fatalmente gerará, ou pior, já vem gerando um enorme passivo regulatório decorrente da queda drástica das receitas dos parceiros privados. No governo federal, para ilustrar a situação, as concessionárias de rodovias e aeroportos têm experimentado uma queda brutal na demanda pela utilização desses serviços, aliada a existência de custos fixos elevados e da necessidade de manutenção da prestação do serviço. 

A queda na demanda desses serviços, regra geral, não decorre de uma imposição do poder público, capaz de configurar fato do príncipe, mas de uma “escolha” da sociedade de ficar em suas casas e seguir as recomendações do MS (Ministério da Saúde) e da OMS (Organização Mundial de Saúde). Apesar disso, na opinião do autor, o desafio posto não é reconhecer se à administração pública caberá o pagamento dessa conta, ou seja, se estamos diante de uma legítima pretensão de reequilíbrio econômico-financeiro, porém como a administração pública poderá pagá-la. 

A tese do reequilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior não é estranha a um passado recente. Em 2016, inúmeras teses surgiram no mundo jurídico com o objetivo de justificar a necessidade de renegociação dos contratos em razão da existência de caso fortuito, força maior ou mesmo da teoria da imprevisão em face da grave crise econômico-financeira havida. 

Ocorre que, diferentemente daquele período de extrema desconfiança do poder público e do privado, devido, sobretudo, à operação Lava Jato e seus desdobramentos, somado ao comportamento agressivo nos leilões desses agentes, com lances irresponsáveis por parte de algumas concessionárias, e uma zona bastante cinzenta sobre o enquadramento ou não da crise econômica como fortuita ou de força maior, hoje os contornos para adesão da tese parecem ser mais palatáveis à administração pública. 

Primeiro porque o comportamento e o perfil dos agentes econômicos, em alguns desses setores, mudaram, depois porque a crise gerada pela Covid-19, sendo uma pandemia sem precedentes na história moderna, ganha contornos mais robustos sobre a tese do fortuito ou força maior, já que aqui a álea caracterizadora do fortuito revela-se mais latente. Por fim, porque a administração pública tem se revelado menos refratária e mais amistosa à tese ventilada, vide Parecer 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU. 

Mas em face dessa crise, uma pergunta ressoa e precisa ser enfrentada. Como a administração pública vai pagar essa conta, ou mesmo, quando? 

A crise de 2016 levou o governo federal a propor a edição da MP 752/2016, convertida na Lei 13.448/2017, que dispôs sobre diretrizes gerais para prorrogação e relicitação dos contratos de parcerias, e a MP 779/2017, convertida na Lei 13.449/2017, que estabeleceu critérios para a celebração de aditivos contratuais relativos às outorgas nos contratos de parceria no setor aeroportuário.

À época, o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) julgou necessária a criação de uma nova realidade institucional para lidar com o problema financeiro pelo qual enfrentavam as concessionárias e que levaria fatalmente ao default dos contratos de parceiras. Reperfilar o pagamento das outorgas foi importante, mas mais importante foi a possiblidade de se relicitar contratos natimortos, contratos que nasceram ruins e que, com a crise de 2016, se agravaram.   

De acordo com sua exposição de motivos, um dos grandes objetivos da Lei 13.448/2017 foi o de reparar problemas e desafios históricos em importantes setores de infraestrutura, buscando viabilizar a realização imediata de novos investimentos em projetos de parceria e sanear contratos de concessão vigentes para os quais a continuidade da exploração do serviço pelos respectivos concessionários tem se mostrado inviável.

Destaca-se o seguinte excerto da referida exposição de motivos:

A Medida Provisória, em suma, confere a segurança jurídica necessária para requalificação de empreendimentos de infraestrutura vitais para a economia brasileira. Permite a realização imediata de investimentos em concessões existentes, em que há necessidade urgente para aprimorar o nível de serviço prestado à população e sanear contratos de concessão vigentes para os quais a continuidade da exploração do serviço pelos respectivos concessionários tem se mostrado inviável, colocando em risco a qualidade e a continuidade da prestação do serviço prestado aos usuários. O aumento da disponibilidade, a garantia da continuidade e a melhoria da qualidade dos serviços a eles relacionados contribuirão também para a retomada do crescimento econômico, a geração de empregos e o incremento dos níveis de investimento no país.

O remédio usado naquele momento pode não ser suficiente para enfrentar a crise gerada pela Covid-19, mas certamente foi importante para revelar à administração pública a necessidade de se pensar em soluções inovadoras e, ao mesmo tempo, consensuais, capazes de transmitir segurança jurídica ao gestor que irá se deparar com os graves problemas decorrentes da grave crise que se avizinha.   

Meu ex-chefe no Programa de Parcerias de Investimentos bem dizia que a negociação desses contratos pressupõe que estejamos todos imersos em um processo falimentar, agravado porque, na atual situação, os dois polos adversários, credor e devedor, estão falidos. Continuando, pontuava que para esses contratos seria necessária uma cirurgia, em alguns casos de coluna vertebral.

Para tanto, precisamos criar um ambiente de segurança jurídica que permita ao gestor operar as cirurgias necessárias para que os contratos vigentes sofram a adaptação necessária a este momento de crise. 

Nesse sentido, faz-se oportuno perquirir qual o limite da alteração e quais as possíveis alterações a que estão sujeitos os contratos de parceria, assim definidos na Lei 13.334/2016, que criou o PPI. 

Será que os limites estampados no art. 65 da Lei 8.666/1993, de até 25% do valor inicial atualizado do contrato, no caso de obras, serviços ou compras, ou de até 50%, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, são aplicáveis aos contratos de parcerias? 

Durante muito tempo o direito administrativo brasileiro esteve afastado de preocupações econômicas, enclausurado nos seus próprios dogmas e na sua exegese, muitas vezes inflexíveis. No entanto, o relacionamento entre direito e economia se impôs naturalmente e forçou que as escolhas administrativas tivessem como componente fundamental as suas implicações econômicas. 

Os contratos de parcerias, assim definidos na Lei 13.334/2016, são estruturados fundamentalmente sem descolar da realidade econômica do país. Pode-se dizer que atualmente tais contratos circundam toda a esfera das nossas vidas, desde a utilização de um sistema de transporte até a utilização de uma arena de futebol. E todos eles decorrem de uma decisão política e econômica do gestor, ainda que não exclusivamente, de minimizar ou não o impacto fiscal da operação dessas utilidades, tendo nosso direito administrativo evoluído para contemplar um arcabouço normativo que dê segurança e sustentabilidade para o uso desses contratos de longo prazo.

Fácil perceber, pois, que o desenho jurídico desses contratos em nada se assemelha à estrutura dos contratos regidos pela Lei 8.666/1993, apesar de submeterem-se ambos ao dogma do reequilíbrio econômico-financeiro. Sem o reequilíbrio, afirma Egon Bockmann “as obras não conseguem ser executadas, os serviços não podem ser prestados e nem os lucros auferidos”1.

Mas será que os limites do reequilíbrio econômico-financeiro com que lidamos no universo dos contratos de parceria é o mesmo para os contratos regidos pela Lei 8.666/1993, ou, voltando à pergunta anterior, aos contratos de parceria aplicam-se os limites do art. 65 da Lei 8.666/1993?

Guiada por uma lógica de que existe uma relação precisa e que deve ser mantida entre as receitas auferidas e os encargos devidos, a Lei 8.666/1993 previu que as alterações dos contratos por ela regidos estariam limitadas, no caso de obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para seus acréscimos. 

Parte significativa da doutrina administrativista defende que os limites apenas afetariam as alterações quantitativas do objeto contratual, ou seja, não se poderia acrescer ou diminuir o objeto contratual além dos limites estabelecidos na Lei 8.666/1993. No entanto, de acordo com Ronny Charles, esses limites percentuais valem para alterações quantitativas e qualitativas2, em referência à Decisão 215/1999, do TCU (Tribunal de Contas da União), que ratificou esse entendimento. 

Não é objetivo deste artigo discorrer sobre a aplicação desses limites aos contratos regidos pela Lei 8.666/1993, mas deixar claro que o dispositivo não se aplica aos contratos de parcerias, regidos pela Lei 13.334/2016. Inclusive, essa foi a razão que inspirou a previsão do art. 22 da Lei 13.448/2017, que assim dispôs: 

Art. 22. As alterações dos contratos de parceria decorrentes da modernização, da adequação, do aprimoramento ou da ampliação dos serviços não estão condicionadas aos limites fixados nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993    

Com efeito, um grande inconveniente para pensarmos na aplicação desse dispositivo aos contratos de parcerias é como definir o valor inicial certo e incontroverso desses contratos de longo prazo. Em muitos casos, essa tarefa é impossível, até mesmo porque a fonte das receitas nos contratos de longo prazo não tem a mesma lógica ou o mesmo regime jurídico das receitas e despesas da LGL (Lei Geral de Licitações). Na Lei 8.666/1993, o valor é definido contratualmente no passado e trazido ao presente por simples ajuste de correção monetária3.

Nos contratos de parcerias, o investimento é suportado pelo privado e as suas receitas só virão, em se tratando de projetos greenfield, quando de sua conclusão e posterior operação, havendo a cobrança de tarifa dos usuários ou contraprestação do poder público, no caso de PPP. Assim é que a receita do projeto será aquela decorrente de uma projeção do somatório das tarifas. 

Por esse motivo, nos contratos de parcerias, falamos em projeções do dinheiro ao longo do tempo de execução do contrato e lidamos com os conceitos de TIR (Taxa Interna de Retorno), VPL (Valor Presente Líquido) e CMPC (Custo Médio Ponderado de Capital), técnicas financeiras capazes de estimar o valor do dinheiro no tempo. Esse é um mundo econômico-financeiro completamente diferente daquele regido pela LGL.

Aqui, ao se falar em equilíbrio econômico-financeiro, os sujeitos desses contratos deverão observar, no curso de sua execução, a preservação da base objetiva do negócio, entendida esta como o conjunto de circunstâncias fáticas que foram levadas em consideração para definição do contrato4. É nesse sentido que o art. 10 da Lei 8.987, de 1995, dispõe: “Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu equilíbrio econômico-financeiro”.

Assim é que o grau de liberdade e o cardápio de opções à disposição do gestor para alterar os contratos de parcerias é maior do que aquele a que se submetem os contratos regidos pela Lei Geral de Licitações, bastando haver a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da equação.

No entanto, dúvidas surgem sobre o quão maior é o grau de discricionariedade que a administração pública possui para modificar o objeto dos contratos de parcerias. A doutrina tradicional advoga a tese de que, mesmo por consenso, seriam inadmissíveis alterações que viessem a violar o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, previsto no artigo 41 da Lei 8.666/1993, o que subtrai, no limite, qualquer possibilidade de modificação do objeto contratual. O argumento utilizado é o de que se potenciais licitantes soubessem que o contrato seria alterado, poderiam também ter se interessado pelo objeto licitado.

 Mas qual seria exatamente o objeto contratual nos contratos de parceria?  Em primeiro lugar, é preciso romper com o dogma da especificação do objeto do contrato, tal qual definido na Lei 8.666/1993. Os contratos de longo prazo são incompletos5 por natureza, não há uma definição rígida e exaustiva de seu objeto, até mesmo porque é impossível dimensionar com segurança absoluta o objeto de um contrato que irá regular relações humanas por 15, 35 ou, até mesmo, 70 anos. 

Sobre o tema, ensina-nos Oliver D. Hart: “The idea is that if the contract the parties write is incomplete, there must be some mechanism by which the gaps are filled in as time passes”6.

Essa “incompletude” deliberada dos contratos de concessão, expressão utilizada pelo professor Marcos Nóbrega, está ligada ao princípio da atualidade, consagrado no artigo 6º, § 2º, da Lei 8.987/19957.  Nesse sentido, o objeto do contrato é, pois, a satisfação do usuário e de suas necessidades, que naturalmente evoluem com o passar do tempo. Na maioria dos casos, não se está contratando um conjunto exaustivo de obras, mas o compromisso de atender as necessidades dos usuários8. Daí a necessidade de os contratos de concessão serem maleáveis, de modo a permitir sua correta aderência às vicissitudes do “mundo do ser”9.

Nesse sentido, estariam as alterações de objeto do contrato adstritas à manutenção da matriz de risco inicialmente pactuada, ou caberia aqui advogar a possibilidade de alteração dessa matriz, inclusive para modificar quantitativamente o objeto contratado. Leciona Maurício Portugal Ribeiro que “a função do sistema de equilíbrio econômico financeiro é o cumprimento permanente da matriz de riscos contratual”10.

Por sua vez, Marçal Justen Filho aponta como fundamentos constitucionais da intangibilidade da equação econômico-financeira dos contratos: (i) a proteção ao interesse público; (ii) a isonomia; e (iii) a proteção à propriedade privada11. Afirma Justen Filho:

Rigorosamente, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é um princípio regulador do contrato administrativo. Não é nem direito nem dever de cada parte, mas uma característica do contrato. Pode-se aludir ao direito da parte à recomposição da equação econômico-financeira, sempre que se produzir sua quebra por evento que preencha certos requisitos12.

Ora, havendo consenso entre as partes contratantes e sem que haja o desvirtuamento do objeto desses contratos, ou seja, sem que um contrato de mobilidade urbana se transmude em um contrato de saneamento básico, é possível a alteração contratual, respeitada a manutenção da equação econômico-financeira do contrato.  Como sintetiza Egon Bockmann Moreira: “O objeto pode ser diminuído, modificado ou incrementado, desde que preservada a essência da contratação”13.

Como adverte Floriano Marques Neto, é importante considerar que o desequilíbrio econômico em contratos de concessão pode decorrer de uma variedade muito maior de fatores do que ocorre num contrato administrativo comum. Dispõe o autor:

Certo deve estar que a forma de desequilíbrio econômico em contratos de concessão pode se dar por uma gama muito maior de fatores do que ocorre com um contrato administrativo normal. Pode ele advir, entre outros fatores, da defasagem da tarifa cobrada, da imposição, direta ou indireta, de novos encargos para o concessionário, da alteração das condições de exploração do bem ou do serviço, ou de fatores externos que afetem as condições de realização do negócio, entendida aí a imbricação entre investimento, tempo de amortização, taxa de retorno, percentual de lucro, fluxo de caixa etc.14

Adicione-se a isso o efeito que as inovações tecnológicas causam nesses contratos. A tecnologia muda o paradigma dos contratos, rompe serviços monopolizados e desestrutura equações financeiras bem formatadas. Muitas vezes esses fenômenos tecnológicos surgem bottom up, ou seja, de baixo para cima, cabendo pouco espaço de ação à administração pública que se vê compelida a arrefecer os efeitos dos desequilíbrios econômico-financeiros nos contratos já firmados.   

Assim é que necessariamente os contratos administrativos de longo prazo devem guardar espaço para acomodação do ingresso da tecnologia na sua execução, e é também por esse motivo que o desenho jurídico desses contratos deve privilegiar sua incompletude e seu objeto deve permitir um maior grau de mutação.

Ainda nesse sentido, reafirma-se aqui a defesa de que o escopo desses contratos de longo prazo pode e deve ser revisitado consensualmente, portanto alterado, seja por meio de revisões ordinárias ou extraordinárias. Na opinião do autor, esse mecanismo ainda é pouco utilizado pela administração pública com a amplitude que comporta.  

Alexandre dos Santos Aragão bem pontua que, em havendo eventos imprevisíveis e de força maior, quando a materialização do risco extrapola aquilo que seria previsível, a relação entre as partes contratantes passa a ser orientada pela teoria da imprevisão15. Nessa esteira, na atual situação experimentada pela Covid-19, desde que adequando-se às obrigações por parte do concessionário, é possível defender a redução da contraprestação paga pela administração pública. Hoje, em algumas realidades da administração pública estadual e municipal, arrisco-me a afirmar que esse será o tradeoff entre manter o contrato ou levá-lo à caducidade.  

Por sua vez, sempre haverá tradeoffs nas escolhas alocativas de risco contratual, mas, como já afirmado, elas necessariamente devem refletir a dinâmica do contrato, que pode e deve ser revisitado. 

Ao dispor sobre a alocação dos riscos contratuais, afirma o professor Marcos Nóbrega:

“(…) cada risco deve ser alocado de acordo com o direito de tomar decisões de forma a maximizar o valor total do projeto (total project value), considerando a capacidade de cada parte para: a) influenciar o correspondente fator de risco; b) influenciar a sensibilidade do valor total do projeto em relação ao risco antecipando ou respondendo ao fator de risco; e c) absorvendo o risco.”16

É importante reconhecer que, após a licitação, a dinâmica do contrato se impõe e torna as escolhas da administração pública ou a situação do concessionário imprevisíveis. A matriz de risco inicialmente prevista pode não ser sustentável em face de um evento fortuito ou de força maior que desnatura o pactuado incialmente.  

Muitas vezes, revisitar integralmente o contrato é a única ou talvez a melhor solução possível, já que o tempo de realização de uma nova licitação prejudicará sobremaneira a prestação de serviços essenciais aos usuários e não resolverá o problema de pagamento dos passivos regulatórios.

Voltando à nossa pergunta inicial, como a administração pública pagará a conta do desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de parcerias? Será que, diante da retração da capacidade de pagamento dos usuários gerada pela crise, é possível defender um pass-through na tarifa de alguns serviços? 

Talvez essa solução de jogar a conta do desequilíbrio econômico-financeiro na tarifa sirva para alguns serviços, mas não será capaz de cumprir seu escopo em diversos outros contratos de longo prazo com capacidade restrita de absorver esses preços, especialmente aqueles firmados em âmbito estadual e municipal. 

Partindo-se, então, do pressuposto de que não existem escolhas fáceis para enfrentar o problema posto, mas hard cases, na acepção de Ronald Dworking, e que a administração pública precisa, em alguns momentos, abandonar a lógica do by the book é que, retomando as lições que aprendi, temos que oportunizar a criação de um fórum adequado, capaz de realizar uma grande clearing dos passivos regulatórios, com tomadores de decisão e controladores engajados na busca de uma solução consensual e, certamente, não ortodoxa. Em momentos de crise, não dá para se resignar às soluções óbvias. 

Será que a agência reguladora seria esse locus, capaz de oferecer uma solução definitiva para o enfrentamento do problema? Certamente a dificuldade de haver muitas escolhas concomitantes, um roteiro indefinido, sem histórico, com uma infinidade de questões e sem balizas precisas, levaria insegurança ao gestor.  Mesmo nas agências federais de elevada institucionalidade, os processos se baseiam em rotinas, em praxe. Nesse sentido, advertem Sandro Cabral e Karla Bertocco Trindade que decisões mediadas e protocolos afastam as suspeitas de discricionariedade não motivada e podem contribuir na tomada de decisão17.

Concluo, assim, que ou os players desse processo caminham para uma solução conciliatória ou fatalmente acabaremos na rinha de galo do Poder Judiciário. Nesse sentido, a CCAF (Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal), prevista no Ato Regimental AGU 05, de 27 de setembro de 2007, que tem como missão institucional atuar, por meio de mediação ou conciliação, na busca da solução consensual de controvérsias jurídicas, pode ser um importante ator institucional propício a criar esse ambiente de diálogo que envolverá necessariamente os gestores, os usuários dos serviços, os órgãos de controle e a iniciativa privada.

*Rafael Henrique Fortunato é procurador federal.
1 MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos administrativos de longo prazo: a lógica de seu equilíbrio econômico-financeiro. In: MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.) Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e parceiras público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 91.
2 Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 8. Ed. Juspodivm, 2017. p. 684.
3 MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.). Tratado do equilíbrio econômico-financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, Taxa Interna de Retorno, prorrogação antecipada e relicitação. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 94.
4 Idem, p. 96.
5 Segundo Flávio Amaral Garcia, são incompletos porque realisticamente impossibilitados de regular todos os aspectos da relação contratual, o que os torna naturalmente inacabados e com lacunas, que reclamarão tecnologia contratual capaz de resolver a infinidade de contingências que poderão surgir durante sua execução. In Concessões, parcerias e regulação. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 148-149.
6 Incomplete contracts and the theory of the firm, Journal of Law, Economics & Organization, Oxford University Press, v. 4, n. 1, p. 119-139, 1988.
7 NÓBREGA, Marcos. Contratos incompletos e infraestrutura: contratos administrativos, concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 7, n. 25, abr./jun. 2009.
8 Nesse sentido, Floriano de Azevedo Marques Neto, para quem “o objeto da concessão apresenta, a um só tempo, um interesse público, correspondente à finalidade justificadora da delegação de uma atribuição sua, e um interesse privado”, in MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015. p. 164.
9 VÉRAS DE FREITAS, Rafael e COELHO RIBEIRO, Leonardo. O Prazo como Elemento da Economia Contratual das Concessões: As Espécies De “Prorrogação”, in MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.). Tratado do equilíbrio econômico-financeiro: contratos administrativos, concessões, parcerias público-privadas, Taxa Interna de Retorno, prorrogação antecipada e relicitação. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 375.
10 RIBEIRO, Mauricio Portugal. Concessões e PPPs: melhores práticas em licitações e contratos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 79.
11 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 392-394.
12 Idem, p. 391.
13 Bockmann Moreira, Egon. Direito das concessões de serviço público: inteligência da Lei 8.987/1995 (parte geral). São Paulo: Malheiros, 2010. p. 381.
14 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Breves considerações sobre o equilíbrio econômico-financeiro nas concessões. Revista de Direito Administrativo, vol. 227, jan./mar. 2002, p. 106-107.
15 Questão analisada por Alexandre Santos de Aragão em artigo intitulado: A evolução da proteção do equilíbrio econômico-financeiro nas concessões de serviços públicos e nas PPPs. RDA – Revista de Direito Administrativo, Belo Horizonte, v. 263, maio/ago. 2013. Disponível em: http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=96955.
16 NÓBREGA, Marcos. Riscos em projetos de infraestrutura: Incompletude contratual; concessões de serviço público e PPPs. Revista Brasileira de Direito Público RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 28, jan./mar. 2010.
17 Cabral, Sandro e Trindade Bertocco, Karla, in https://braziljournal.com/investimento-privado-pos-pandemia-precisamos-de-protocolos.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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