iNFRADebate: Novo Censo do IBGE – como o crescimento populacional apurado afeta o equilíbrio de projetos de infraestrutura no Brasil?

Luiz Guilarducci*, Marcio Alvarenga** e Pedro Neves***

No dia 28 de junho de 2023, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou os dados do censo demográfico realizado em 2022. Para surpresa de muitos, o crescimento populacional verificado ficou muito aquém das expectativas. Para o período entre 2010 e 2021, era esperado um crescimento demográfico no país de aproximadamente 11,66%, entretanto, o valor apurado em 2022 foi o aumento de apenas 6,45% (menor resultado da história da pesquisa, iniciada há 150 anos).

Para além dos dados apresentados, o objetivo desse artigo é analisar como tamanha frustração no crescimento demográfico pode impactar os projetos de infraestrutura licitados nos últimos anos, com destaque para projetos de saneamento básico. Para isso, é importante entender um pouco melhor o Censo Demográfico e o setor de saneamento.

Segundo a definição do IBGE, “o Censo Demográfico tem por objetivo contar os habitantes do território nacional, identificar suas características e revelar como vivem os brasileiros, produzindo informações imprescindíveis para a definição de políticas públicas e a tomada de decisões de investimentos da iniciativa privada ou de qualquer nível de governo”. O conhecimento proveniente da pesquisa suporta o poder público na identificação de áreas de investimento prioritárias em saúde, educação, habitação, saneamento básico, transporte, energia, entre outras. Os dados do Censo também são utilizados pela iniciativa privada, no planejamento e estruturação de projetos e empreendimentos em diversas áreas.

A pesquisa deveria ter ocorrido em 2020, porém, foi adiada para 2022 em razão da pandemia do Covid-19. Com a ausência de dados atualizados, as concessões de saneamento básico ocorridas nesse período partiram de uma população estimada pelo IBGE com base em dados estatísticos.

No setor de saneamento, um dos principais drivers da modelagem econômico-financeira é a população atendida, que tem como premissas base a população atual e a taxa de crescimento populacional projetada. Sendo assim, uma divergência entre população inicial e/ou taxa de crescimento (utilizada para análise de viabilidade do projeto) e o número realmente existente, podem causar uma frustração significativa no resultado financeiro do projeto.

Imagine uma cidade com processo licitatório aberto em 2021. O edital apresentou uma população de partida de 110 mil habitantes e um crescimento populacional projetado em 1,5% ao ano. Com base nessas informações, a empresa vencedora do certame garantiu a licitação pagando o maior valor de outorga. Na estratégia da empresa, esse montante garantiria uma taxa de retorno adequada para o risco do projeto. Com as novas informações do Censo, temos uma população de partida de 100 mil habitantes e uma taxa de crescimento realizada no período de 0,5% ao ano, que impactarão as estimativas de crescimento futuro. Sendo assim, caso não haja qualquer reequilíbrio do contrato, podemos esperar um retorno bastante inferior à projeção inicial.

No gráfico abaixo, é possível comparar como se comportaria o número de habitantes nos dois cenários. Ao final de um período de 25 anos, a população do cenário com as estimativas do IBGE seria de aproximadamente 160 mil habitantes, enquanto a do cenário com base nos números apurados no censo de 2022 seria de cerca de 113 mil. Isso representa uma diferença de mais de 40% na população atendida o que causaria impacto direto na receita do projeto, reduzindo drasticamente o retorno esperado e colocando em risco sua viabilidade.

Cenário 1: população com base na estimativa do IBGE
Cenário 2: população com base no censo 2022

Ao passo em que a nova expectativa de crescimento populacional deve penalizar o resultado dos ativos, outros dados também publicados pelo Censo podem gerar um efeito inverso. Dentre eles, o crescimento expressivo no número de domicílios e a redução do número de moradores por lar.

Para além do tratamento de água e coleta de esgoto, os aterros sanitários também podem ser afetados pelo crescimento populacional abaixo das expectativas. Esses ativos têm o modelo de negócio focado no transporte, tratamento e destinação de resíduos sólidos, bem como líquidos provenientes da decomposição. Uma população inicial e crescimento populacional inferiores às utilizadas no processo licitatório reduzem a quantidade de resíduos gerados e transportados aos aterros sanitários, levando a um resultado abaixo do originalmente projetado.

Cada ativo do setor merece um olhar específico quanto ao impacto da redução do crescimento populacional. Por exemplo, a garantia de uma receita mínima, tipicamente utilizada em PPPs, pode ter um efeito de mitigar os impactos verificados pela redução de volume nas operações. O mesmo se aplica no caso de um volume mínimo estabelecido em contrato dos aterros sanitários. Os projetos que são sensíveis ao crescimento populacional e/ou utilizam essa premissa como base precisarão passar por avaliação sob a nova ótica apresentada pelo Censo. Os editais já realizados devem ser reavaliados por profissionais qualificados, de maneira a verificar oportunidades de reequilíbrios contratuais com intuito de restabelecer a condição original do contrato, trazendo maior segurança à viabilidade dos empreendimentos.

*Luiz Guilarducci é engenheiro civil, CFA (Chartered Financial Analyst) e CEO na Crescento Consultoria Financeira.
**Marcio Alvarenga é engenheiro civil e analista de modelagem financeira na Crescento Consultoria Financeira.
***Pedro Neves é economista e analista de modelagem financeira na Crescento Consultoria Financeira.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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