*Adriano Drummond C. Trindade
Ao se falar em transição energética, imediatamente vêm à mente imagens como turbinas eólicas, placas fotovoltaicas, baterias e veículos elétricos. O uso dessas fontes energéticas, diminuindo a dependência de fontes que emitem maiores quantidades de carbono, tem muito a contribuir para a meta de se reduzir o aumento da temperatura global, como previsto no Acordo de Paris. Mas talvez não seja tão intuitivo assim imaginar os estágios anteriores da cadeia produtiva que envolvem as tecnologias responsáveis por menos emissões. Quais são as matérias-primas para esses equipamentos que possibilitarão a pretendida transição energética? Qual comparação pode ser feita com as tecnologias usadas atualmente? Essa virada tecnológica implicará também mudanças na cadeia produtiva?
Na base da transição energética estão os minerais. E se a transição energética pode representar grandes mudanças tecnológicas e ganhos ambientais, o mesmo pode ser dito quanto ao que envolve suas matérias-primas. As novas tecnologias serão responsáveis por alterações significativas na demanda por minerais, a ponto de muitos terem sido incorporados às listas desenvolvidas por vários países industrializados com minerais ditos críticos, ou critical minerals. Não é difícil entender por quê.
Um estudo da IEA (International Energy Agency) indica que um veículo elétrico necessita de 2,4 vezes mais cobre e 2,2 vezes mais manganês do que um veículo tradicional. Além disso, cada veículo elétrico emprega cerca de 9kg de lítio, 40kg de níquel, 13kg de cobalto e 66kg de grafita, minerais esses que não têm participação relevante em veículos convencionais. Já no campo da geração de energia, plantas de geração a partir do gás natural ou do carvão necessitam de cerca de 1.100kg de cobre para a geração de um megawatt. Nas eólicas onshore e nas plantas de energia solar, a quantidade necessária de cobre por megawatt é 2,3 vezes maior. Já nas eólicas offshore, será necessário quase sete vezes mais cobre. Ainda em comparação com as fontes tradicionais, as eólicas também demandam muito mais manganês, cromo, zinco e, no caso das offshore, terras raras.
Como seria de se esperar, essas mudanças na matriz energética já são perceptíveis no setor mineral, a ponto de alterar a demanda de certos minerais nos últimos anos. Ainda de acordo com a IEA, entre 2017 e 2022, as demandas por cobalto e níquel aumentaram, respectivamente, 70% e 40%. Projeções apontam que, devido aos avanços da transição energética, até 2040, a demanda por manganês pode aumentar entre três e oito vezes em relação aos níveis de 2020. A demanda por cobalto e por níquel nesse período pode aumentar entre seis e cerca de 19 vezes. A grafita poderá experimentar um aumento de demanda entre oito e 25 vezes. Já a demanda por lítio pode aumentar entre 13 e impressionantes 42 vezes, em relação a 2020.
A pergunta seguinte é: de onde virão tantos minerais para viabilizar a transição energética? As minas que hoje produzem não têm capacidade para atender a esse aumento tão significativo de demanda. Para piorar, novas jazidas levam entre 12 e 18 anos, em média, para serem colocadas em produção, considerando todo o período necessário para a pesquisa mineral, desenvolvimento e construção. Ainda que haja muitos projetos de minerais críticos em desenvolvimento e mais investimentos em pesquisa para esses minerais, a conclusão inevitável é a de que a oferta insuficiente de minerais pode afetar a transição energética ou mesmo atrasá-la.
É neste ponto que a segurança energética envolve a segurança mineral. O que torna um mineral crítico é a sua relevância para o desenvolvimento tecnológico e energético, conjugada a incertezas quanto ao seu acesso, disponibilidade ou cadeia de suprimento. Esse conceito leva em conta aspectos geológicos, econômicos e geopolíticos, de maneira que a categoria de minerais críticos pode variar de país para país. Ainda assim, há grande recorrência de algumas substâncias, notadamente os minerais da transição energética.
Vários países ou blocos desenvolveram suas listas de minerais críticos, como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Japão, União Europeia, China e Austrália. As listas são dinâmicas e costumam ser revistas com alguma periodicidade, a fim de considerar as mudanças econômicas e geopolíticas que podem levar à inclusão de novos minerais, como foi o caso da inclusão do cobre na lista dos Estados Unidos no início de agosto de 2023.
Esses países lançam mão de políticas para o desenvolvimento de projetos para a pesquisa e o processamento de minerais críticos, justamente com o propósito de reduzir vulnerabilidades quanto ao acesso e suprimento desses minerais. As políticas, a depender de cada país, podem envolver o acesso a linhas de crédito dedicadas a minerais críticos, incentivos fiscais, mecanismos de promoção à inovação, estímulos a investimentos, acordos de comércio, preferência para o licenciamento, para mencionar algumas das iniciativas.
No setor privado, empresas têm se valido dessas políticas para direcionar seus investimentos. Além disso, alguns setores vêm adotando novas estratégias para reduzir sua exposição às vulnerabilidades relacionadas aos minerais críticos. Exemplo disso são as montadoras de automóveis, que passaram a buscar diretamente no setor mineral a garantia de fornecimento de matéria-prima para a fabricação de seus veículos. Tesla, Volkswagen, General Motors e Stellantis são apenas alguns desses casos.
Nesse cenário complexo, que redesenha o setor mineral, como se insere o Brasil? Nosso país tem reservas significativas de alguns minerais ligados à transição energética, como níquel, manganês e bauxita. Também tem potencial para incrementos na produção de cobre, lítio e terras raras, entre outros. O que falta ao setor mineral no Brasil é um direcionamento à luz desse novo cenário envolvendo os minerais da transição energética. A lista brasileira de minerais críticos (ditos estratégicos) contempla vários minerais necessários às tecnologias de energia limpa, mas a Política Pró-Minerais Estratégicos, lançada em 2021, limita-se a aprimorar a articulação entre os vários órgãos licenciadores de projetos minerais.
É preciso muito mais. Espera-se que uma política de Estado, direcionada especificamente aos minerais da transição energética, seja desenvolvida. Essa política deve abordar iniciativas para o conhecimento geológico e para a pesquisa desses minerais; alternativas para o financiamento de projetos, bem como o processamento, de minerais críticos; formas de estímulo à inovação; mecanismos de licenciamento mais dinâmicos, sem que haja perda de qualidade e do nível de exigência; enfim, direcionamentos para que o Brasil seja um participante ativo na geopolítica dos minerais críticos.
Tão importante quanto uma política setorial é o fortalecimento institucional. A ANM (Agência Nacional de Mineração) atravessa grave crise, com baixo quadro de servidores frente às elevadas demandas do setor e orçamento significativamente contingenciado. Enquanto vários países desenvolvem ações específicas para o fortalecimento da pesquisa e processamento de minerais críticos e sua cadeia produtiva, no Brasil, não existe uma política específica, nem o fortalecimento institucional que seria de se esperar em um momento tão decisivo.
O mundo vem se transformando com grande rapidez e intensidade desde o Acordo de Paris e, com ele, muda a mineração. Na transição energética, o que há de crítico é o nosso país não se valer de seu patrimônio mineral.