iNFRADebate: O que queremos com a privatização do Porto de Santos?

Luis Henrique Baldez*

Muito tem se falado sobre a privatização (ou não) do Porto de Santos. Os favoráveis dizem que o setor privado tem mais agilidade no processo de decisão e o setor público tem toda uma burocracia a ser vencida, o que torna lenta suas decisões. Ao setor privado o virtuosismo, ao setor público a incompetência.

Do ponto de vista dos usuários é um falso dilema. O que precisamos é de um serviço portuário prestado com eficiência e a custos competitivos, prestado por uma administração portuária comprometida com a competitividade sistêmica da economia. Não nos interessa a origem do capital da empresa administradora do porto – se público ou privado – e sim a qualidade com que ele presta seus serviços ao mercado.

A privatização requer respostas a algumas perguntas básicas: Por que privatizar? Que objetivos estratégicos se pretende alcançar com a privatização? Qual o modelo da privatização a ser adotado? Observe-se que a privatização é apenas uma forma para se atingir determinados objetivos. Não é um fim em si mesmo.

No caso específico do Porto de Santos, o modelo de privatização apresentado e já amplamente discutido, inclusive no TCU, alguns aspectos conceituais e econômicos precisam ser ressaltados. Como objetivos o modelo explicita melhoria da eficiência, a busca da redução de custos de movimentação portuária e o consequente aumento da competitividade dos produtos.

No entanto, apesar de nobres, o modelo proposto não é aderente aos objetivos declarados. Ele possui características típicas de um modelo arrecadatório e não de redução de custos. Da receita total projetada de R$ 31,8 bilhões (a valor presente), o Governo se apropria de R$ 15,0 bilhões (50%), na forma de impostos e outorgas. Ou seja, há uma clara transferência de vultosos recursos financeiros dos usuários para os cofres públicos, comprometendo a competitividade desejada.

Por outro lado, os custos de movimentação dos produtos não revelam a busca de melhoria da eficiência econômica, pois, apesar de a movimentação da carga crescer cerca de 75%, esses custos se mantêm na ordem de R$ 3,20 por tonelada movimentada por todo o período projetado (35 anos). Isso significa que os ganhos de eficiência operacional (por absorção de custos fixos e aumento de produtividade) serão apropriados pela futura empresa privada que vier a ser administradora do porto.

Esse cenário se acentua quando se observa que o valor médio pago pela carga para movimentar uma tonelada aumentará dos atuais R$ 9,00 para R$ 14,00, num aumento injustificado de 55%. Mais uma vez a carga pagará a conta. Ou seja, em nada o modelo de privatização proposto é aderente aos pressupostos de melhoria da competitividade dos produtos brasileiros.

Essa análise demonstra que há a necessidade urgente de uma nova governança para o Porto de Santos, com administradores comprometidos com a eficiência, com o equilíbrio financeiro da companhia, com normas simplificadas e desburocratizadas e com a competitividade sistêmica da Economia.

Na nossa visão, o Porto de Santos pode continuar a ser estatal e ainda assim prestar um serviço adequado à economia brasileira, desde que sejam estabelecidas condições institucionais mínimas para dar suporte aos administradores. Um plano de ação emergencial e de longo prazo precisa ser desenhado e adotado como norte ao planejamento do porto. Esse plano teria como ações basilares a concessão da Usina de Itatinga, a concessão dos serviços de dragagem e a recuperação emergencial dos acessos terrestres. A construção do túnel Santos-Guarujá, bem como seu modelo de concessão seriam objeto de estudos e discussões separados.

Outra condição é dar aos administradores a autonomia pela implementação do referido plano, que seria financiado com recursos próprios da companhia e sob responsabilidade integral dos administradores. O atual caixa da estatal é da ordem de R$ 2,0 bilhões, sendo capaz de suportar todo o programa de investimentos projetados nos estudos já realizados e disponíveis.

Desta forma, as declarações do ministro dos Portos de que a “autoridade portuária permanecerá pública” encerra uma mensagem ao mercado de que podemos atingir os objetivos de melhoria de eficiência e redução de custos, com autoridade portuária pública. Aliás, é preciso explicitar que 100% da operação portuária já é privada, o que atende ao ambiente operacional que todos desejam.

A Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga), como entidade representativa dos usuários da logística brasileira, posiciona-se a favor da eficiência e da redução do custo, buscando equilíbrio da matriz de transportes, da competição intermodal, da melhoria do ambiente de negócios com segurança jurídica e do aumento de competitividade da economia.

O que precisamos é discutir com urgência e em profundidade a forma de se atingir tais objetivos estratégicos, para que não se criem monopólios públicos ou privados e/ou posições dominantes de mercado que levem a aumento de tarifas e preços e prejudiquem o crescimento da economia.

*Luis Henrique Baldez é presidente-executivo da Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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