Antônio José de Mattos Patrício Junior*
A competição acirrada no mercado de contêineres no Porto de Santos tem suscitado debate intenso sobre a permissão para que as empresas globais de navegação, como Maersk e MSC, participem do leilão do STS10. Sem se preocuparem com o impacto negativo que esse cerceamento à liberdade de concorrência pode representar para o desenvolvimento do Brasil nem com a possibilidade de prejuízo aos brasileiros, alguns agentes da sociedade civil organizada estão difundindo narrativas equivocadas, lesivas e sem dados técnicos contra o trabalho realizado pelas instituições e autoridades responsáveis por implementar as políticas públicas e as de regulação do setor portuário.
Entre as contestações infundadas dessas entidades está a que se refere aos normativos utilizados para parametrizar o modelo proposto na minuta do edital colocada em consulta pública no período de 10 de abril a 31 de maio deste ano. As investidas falaciosas são contra o Guia AIC-TP – Guia Para Análise de Impacto Concorrencial Para Novas Outorgas de Terminais Portuários e não contra os dados e metodologias nele apresentados, que além de avaliar os riscos concorrenciais em 10 cenários distintos, analisa modelos experimentados no mercado mundial.
A discussão de tema tão importante para o Brasil deveria ser toda apoiada em números, em dados. São eles que mostram estatisticamente a diminuição da fila de espera dos navios no Porto de Santos e a real redução de custo depois da entrada da BTP (Brasil Terminal Portuário) na operação na área de Santos, em 2013. Desde que a empresa passou a operar, os preços médios caíram e a fila de espera para atracação dos navios de contêineres caiu de 22 horas para 12 horas, ou seja, quase pela metade.
Vale ressaltar que os mesmos agentes que foram contrários à instalação da BTP em Santos, sob a alegação de que a nova empresa iria matar o fluxo de operação dos terminais lá instalados, estão se opondo a uma licitação que garanta a livre concorrência para o Saboó. Naquela época e hoje, eles, contra o interesse público, apregoam que haverá concentração e todo tipo de mazelas para defender, no final do dia, a manutenção do seu próprio poder de mercado.
O Brasil movimentou 7,1 milhões de contêineres (11,8 milhões de TEU) em 2021. Está na 17ª posição no ranking mundial. Isso leva a uma reflexão sobre uma questão que precisa ser posta de forma clara na mesa neste momento, que é a resposta em relação a quem deve interessar e quem lucra com a ineficiência desse porto. O resultado provocado não é bom para o Brasil frente ao comércio mundial, logo não é bom para o desenvolvimento da economia. O que acaba afetando trabalhadores e consumidores, na ponta final.
Se 15 anos atrás as autoridades competentes tivessem cedido aos argumentos contra à instalação da BTP, não só o Porto de Santos, mas o Brasil teria sofrido as piores consequências.
Estamos agora diante do mesmo impasse, porém com instituições ainda mais maduras e técnicos ainda mais bem preparados, capazes de olhar para as melhores práticas no mundo e encontrar metodologias que abranjam as especificidades da dinâmica atual da área portuária.
No mundo, a competição pela carga transcende regiões. O tempo de espera para atracação e de carga e descarga, além do preço, são os fatores levados em conta para escolha das rotas e terminais. Uma realidade mundial e também no Brasil, conforme apontamentos feitos pelos estudos apresentados na consulta pública do STS10.
Nesses mesmos estudos há também a avaliação de riscos concorrenciais com eventual vitória de empresas que já operam no porto santista, mas também com recomendação de medidas para o controle, a mitigação desses riscos que devem compor tanto o edital quanto o futuro contrato de concessão.
A agência responsável pelo setor de portos, ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), estima que os portos brasileiros deverão movimentar, já em 2026, 1,402 bilhão de toneladas contra a projeção de 1,239 bilhão de toneladas projetadas para 2022. Somente pelos portos, passarão mais de 90% do total da movimentação do comércio nacional e internacional. Antes do final desta década, em 2028, os espaços do terminal STS10 estarão em plena capacidade de operação, quando teremos um aumento de demanda consolidado.
Diante disso, resumidamente, a preocupação central das entidades e seus executivos deveria se concentrar na discussão do atendimento das demandas, atuais e futuras, dos exportadores e importadores, da expansão das atividades portuárias, eficientes e modernas, atendendo ao consumidor final. Mas a visão míope deforma a realidade e prefere atacar o investimento, a criação de mais mercados, o crescimento da balança comercial brasileira, novos empregos etc.
As instituições da sociedade civil organizada sobre as quais nos referimos acima armam-se de argumentos frágeis, falaciosos e distorcidos querendo influenciar políticas públicas capazes de modernizar um dos mais dinâmicos setores da economia nos tempos atuais. Usam a restrição à participação de importantes concorrentes no leilão para garantir a “sua” reserva de mercado, um tema superado a cada dia em todos os quadrantes.
Fosse em qualquer outro lugar do mundo, o debate seria em torno das formas de estimular e atrair companhias que tenham capacidade de desenvolver a infraestrutura portuária e assegurar a conectividade das nossas cadeias de comércio com os polos mundiais de produção e consumo. Quando se trata de porto, a competição se dá na arena global, e não no quintal. A competitividade é estimulada com o aumento da escala e da integração logística, e não com a fragmentação do volume em players, que surfam em gargalos.
Não à toa, a experiência mundial busca desenvolver portos cada vez maiores, para atender navios que também vão aumentando de tamanho cada vez mais. Há terminais na Europa que movimentam, sozinhos, um volume maior do que toda movimentação brasileira, que é distribuída em mais de duas dezenas de terminais de contêineres. Ou seja, movimentam “um Brasil” e ainda sobra. A escala gera redução de custos, e a competição de rotas e terminais assegura que esses custos sejam repassados na melhoria de serviços e de preços para o consumidor final.
Na outra ponta, também no Brasil, já temos uma experiência exitosa com a integração da operação. As grandes cadeias extrativistas que garantem a nossa cadeia de comércio seguem a lógica da integração societária. As mineradoras, o petróleo e a agropecuária desenvolveram seus próprios terminais. O agro é pop, e é também integrado. Falta, agora, “popularizar” a nossa indústria, o comércio e o consumo. Inserir o Brasil nessa agenda dos insumos industriais, dos produtos beneficiados, dos bens de consumo, que são movimentados em contêineres.
Esse é um caminho a ser trilhado: assumir que a integração existe, que é necessária e que é urgente.
Outro caminho é o de insular o porto e o Brasil. Ficar criando narrativas e mais narrativas para justificar o tratamento do porto como uma nova espécie de capitania hereditária, incuravelmente extrativista, voltada apenas a si mesma, e não para quem precisa ser realmente atendido. Um caminho do atraso, sem dúvida!