Lula anunciou redução de tarifas portuárias que estão em conflito judicial e dependem de acordo incerto

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

No dia 17 de junho, um sábado, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, divulgou em suas redes sociais vídeo, no qual, ao lado do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, anunciava reduções de tarifas portuárias “em até 95%” em dois dos principais portos do país, Santos (SP) e Rio de Janeiro (RJ).

As tarifas são as cobradas dos navios que atracam no porto e, na divulgação feita pelo ministro, a informação é que essa redução teria capacidade de reduzir custos para a economia do país e ajudar a combater a inflação. 

Duas semanas após o anúncio, os navios que atracam nos portos de Santos seguem pagando os mesmos valores que pagavam antes do anúncio e essa situação ainda vai perdurar algum tempo no porto de maior movimentação no país. No caso dos portos fluminenses, a autoridade portuária local informou que os descontos vão vigorar no início de julho.

Apesar de terem sido anunciadas como fato consumado, as tarifas no Porto de Santos estão em disputa judicial, e, para ser posta em prática, a redução informada pelo presidente depende da solução desse conflito, que no momento passa por uma tentativa de conciliação.

Agência iNFRA ouviu representantes de quatro instituições diferentes, que pediram para falar em anonimato devido ao fato de a questão estar judicializada, e de todos ouviu que um acordo imediato será muito difícil e que a divulgação do ministro França politizou o tema, tornando o processo ainda mais complicado. 

Segundo um deles, a proposta de redução de tarifas apresentada na conciliação é “modelo promoção black friday, o dobro pela metade do preço”. Ou seja, a redução anunciada é sobre uma tabela que aumentou entre 100% e 150% dois anos atrás.

A APS (Autoridade Portuária de Santos) informou que trata o processo judicial e o de desconto tarifário separadamente e que vai implementar o desconto mesmo se não houver acordo judicial (texto com a posição da empresa está no fim da reportagem).

O anúncio da redução foi feito 12 dias depois de uma audiência de conciliação na 1ª Vara Federal da Justiça Federal de Santos. Dois processos avaliando a validade da nova tabela tarifária introduzida pela Autoridade Portuária de Santos em 2021 estão em julgamento. 

As contestações foram feitas pelas associações que representam os armadores (Abac, dos navios de cabotagem, e Centronave, dos internacionais). Contatadas, ambas informaram que não iriam comentar sobre o tema.

Padronização determinada pela ANTAQ
No fim de 2019, a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) publicou a Resolução Normativa 32, pela qual dá prazo para todas as autoridades portuárias do país publicarem novas tabelas tarifárias, que deveriam seguir o padrão determinado pela agência.

Uma das mudanças era a padronização de cobrança de acesso ao canal de navegação (Tabela I) pela tonelagem bruta do navio, que a agência reputa como forma mais justa para cobrar pelo uso do canal. Antes, eram usados critérios diferentes para essa cobrança, entre eles o de pagamento por contêiner movimentado, por exemplo.

Quando as autoridades portuárias começaram a publicar as novas tabelas, o setor de navegação reclamou de aumentos excessivos, que chegavam à variação de 100% a 150%, em relação aos modelos de cobrança antigos, segundo cálculo das empresas. O caso com mais reclamações era justamente o do porto de Santos.

A SPA, nome da Autoridade Portuária de Santos na época, decidiu em 2021 criar um sistema de desconto das novas tarifas, para que elas ficassem mais próximas ao que as empresas pagavam antes do modelo padronizado determinado pela ANTAQ. 

Descontos estavam suspensos
Os descontos não foram suficientes para demover o Centronave de ingressar com a ação judicial que pleiteia a revogação da tabela tarifária nova. A associação obteve uma liminar parcialmente favorável em fevereiro de 2022, que não revoga a tabela, mas suspende a nova cobrança. A liminar levou a autoridade portuária a suspender os descontos em abril de 2022.

Sem os descontos, a Abac também ingressou na Justiça para não pagar mais pela tabela nova. Com as decisões judiciais, as empresas pagam à autoridade portuária o valor da tabela antiga e a diferença para a tabela nova é depositada em juízo.

Em 5 de junho deste ano, a 1ª Vara Federal de Santos promoveu a audiência para tentar uma conciliação entre as duas associações e a nova gestão da autoridade portuária. Nesse encontro, a APS (novo nome da Autoridade Portuária de Santos) disse que faria a proposta de voltar a dar os descontos tarifários. As associações pediram prazo para dar a resposta em juízo se aceitavam ou não e foi marcada nova audiência para 14 de julho (decisão neste link).

Validação nas diretorias
As empresas de navegação precisam aprovar em suas diretorias e nas associações se vão aceitar os termos que foram propostos pela APS. Não há certeza se os termos serão aceitos da forma como foram apresentados.

Como é uma tentativa de acordo, as empresas podem aceitar integralmente, fazer uma contraproposta, ou não aceitar e seguir com o processo em busca de revogar a tabela nova e pagar o preço antigo, em tese ainda menor que o desconto ofertado neste mês.

Segundo uma fonte, a proposta apresentada pela autoridade portuária na conciliação aparenta ser bastante semelhante ao desconto que vigorou até as liminares obtidas pelas associações. Avaliações iniciais sobre ela indicam que os novos valores seguem desvantajosos para as companhias de navegação. 

Para alguns tipos de navio, o uso do canal no porto de Santos chegaria a ser cinco vezes mais caro que no porto de Paranaguá (PR), se a nova tabela estivesse em vigor, o que é considerado um custo injustificável. 

De acordo com o interlocutor, o problema está no modelo de cobrança, que gera distorções para vários tipos de cargas e de operações. Navios que estão muito cheios, mas passavam em Santos para movimentar pouca carga, estão deixando de fazer o trabalho por causa desses preços, segundo os especialistas.

Tendência é não aceitar as condições atuais
Por isso, a tendência das empresas é não aceitar a proposta como está e, no mínimo, pedir uma revisão por parte da APS, o que levaria ainda mais tempo para que uma eventual redução fosse implementada. Há tratativas para se tentar chegar ao juízo já com uma nova proposta conjunta na reunião de julho.

Um dos temas a ser discutido é que o desconto não seja dado por navio, como proposto pela APS. Segundo os especialistas ouvidos, nem sempre o mesmo navio faz o serviço previsto de parada no porto (pode ser substituído para manutenção, por exemplo), o que reduziria o desconto das empresas.

Além disso, a quantidade de paradas obrigatórias no porto para ter o desconto foi vista como um critério que prejudicará parte das operações, visto que alguns navios têm que fazer serviços longos ao redor do país e do mundo, o que reduzirá os descontos, caso a proposta vigore.

Outro tema é que a redução não seja feita com o modelo de desconto, que é incerto e pelas regras da ANTAQ só podem ser dados por 12 meses, mas com uma nova tabela que garanta previsibilidade ao setor de navegação. Segundo uma fonte, talvez seja necessário até mesmo rever a resolução da agência, tornando ela mais adaptada aos parâmetros de mercado, o que levaria mais tempo para ser feito.

Surpresa na APS
Mas, mesmo ainda em avaliação numa mesa de negociação judicial, a nova tabela acabou anunciada pelo ministro Márcio França e pelo presidente da República, Lula, dias depois da audiência judicial como fato consumado, o que pegou de surpresa pessoas na própria APS. O ministro foi avisado que as novas tarifas estavam no processo de conciliação.

Por estar ainda em tratativas para um acordo, a proposta não passou por análises necessárias para ser anunciada. A diretoria-executiva da APS só a aprovou na semana seguinte ao anúncio. Não há ainda aprovação do Conselho de Administração da APS.

O anúncio de uma redução tarifária que ainda não está vigente foi visto como uma sinalização ruim pelos representantes do setor, que, agora, enfrenta problemas para explicar aos clientes que o fato não ocorreu e pode não ser uma redução efetiva, se comparada aos valores que se pagava até a mudança na tabela em 2021.

Disputa
A avaliação de interlocutores do setor é que o ministro Márcio França fez o anúncio sobre a redução de tarifas nos portos de Santos e do Rio de Janeiro no contexto da disputa política que decidiu empreender contra a concessão de portos públicos, iniciada no governo passado pelo então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. 

Atual governador de São Paulo, Tarcísio vem sendo apresentado como possível candidato à Presidência pela oposição, mas tem declarado que vai concorrer à reeleição ao governo de São Paulo, onde França foi governador e segue com pretensões políticas.

França vem usando o aumento de cerca de 1.200% de uma tarifa (dentro de uma cesta de 170 tarifas) da concessionária que ganhou a concessão dos portos do Espírito Santo como discurso para mostrar que os portos públicos concedidos vão aumentar custos aos usuários. 

Mas, na média, segundo a ANTAQ, a concessionária dos portos capixabas já reduziu as tarifas em 13,9% após a concessão. Essa informação foi dada em duas audiências públicas no Congresso Nacional por servidores da agência na semana anterior à que França fez o anúncio com o presidente Lula de redução das tarifas dos portos de Santos e do Rio de Janeiro, ainda pendentes.

Nesse anúncio de redução das tarifas, o discurso comparando a gestão pública dos portos públicos com a gestão privada dos portos públicos voltou a aparecer e foi reproduzido pelo presidente Lula.

“É muito importante compreender o papel do Estado. Não queremos, na verdade, que as coisas sejam todas estatais. Mas [em] algumas coisas importantes é preciso que o Estado tenha uma ascendência sobre elas”, disse o presidente Lula.

E seguiu o presidente: “Veja o que o Márcio falou: os portos privados aumentaram os impostos e, nos portos que são administrados pelo Estado, vai baixar os impostos. Por que isso? Porque queremos baratear o custo da produção neste país. Queremos facilitar àqueles que produzem, que plantam, que colhem, que exportam [para que] possam ganhar um pouco mais. E aí, acho que só posso dar parabéns ao companheiro Márcio por essa decisão”.

APS
A APS (Autoridade Portuária de Santos) informou que vai tratar dos dois temas, o processo judicial e o desconto tarifário das tarifas do Porto de Santos (SP), em cronogramas separados.  

“Embora acreditemos no aceite da nossa sugestão, que certamente trará o melhor cenário para todas as cadeias logísticas, temos toda disposição de manter o diálogo permanente com as duas entidades. O nosso rito determina que devemos aplicar a nova tabela depois de dez dias da publicação do edital”, informa a companhia em resposta à Agência iNFRA.   

A empresa respondeu ainda que vai manter o desconto tarifário mesmo se não houver acordo com as empresas no processo judicial, “mas com percentuais revisados com o objetivo de não comprometer o orçamento e o andamento de todas as metas aprovadas”.  

Ainda segundo a APS, não há risco da nova política tarifária comprometer o robusto programa de investimentos com recursos da companhia, previsto pela atual gestão. 

“A política tarifária foi aprovada com o cuidado de preservar todos os investimentos previstos nas metas da APS”, informou a companhia, garantindo que a proposta cumpre as normas da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que avalia a posteriori as decisões das autoridades portuárias de dar descontos nas tabelas tarifárias.

Reajuste pela inflação
Em resposta à Agência iNFRA, a PortosRio, que administra portos públicos no Rio de Janeiro, informou que a tabela tarifária aprovada após a resolução da ANTAQ reajustou as tarifas pela inflação do período de três anos anteriores em que elas tinham ficado sem reajuste.

Ainda de acordo com a empresa, a diretoria aprovou os descontos tarifários na última terça-feira (27) e eles entram em vigor 11 dias depois, de acordo com as normas da ANTAQ, que a empresa informou que estão sendo seguidas. A PortosRio disse ainda que a redução das tarifas não compromete o programa de investimentos da companhia.

Agência iNFRA encaminhou questionamentos ao Ministério de Portos e Aeroportos sobre o tema que não foram respondidos até o fechamento desta edição.

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