Mercado livre de energia se prepara para a tokenização de ativos

Antonio Carlos Sil, para a Agência iNFRA

Qualquer investidor poderá ter acesso, ainda que de forma indireta, a ativos financeiros que hoje são transacionados exclusivamente por agentes monitorados pela complexa legislação do setor elétrico brasileiro. A expectativa é que isso deva começar a acontecer, por exemplo, a partir da tokenização de contratos de comercialização firmados no mercado livre de energia, segmento que movimenta bilhões de reais anualmente. 

Nos planos do BBCE (Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia), plataforma digital que concentra negociações diversas envolvendo contratos de compra e venda de energia elétrica, falta pouco para a introdução da tokenização. 

Esse mecanismo já é bastante comum em outros segmentos da economia digital, envolvendo de direitos sobre precatórios a contratação de jogadores de futebol, aponta Carlos Ratto, presidente do BBCE em entrevista à Agência iNFRA. E não há o uso de criptomoedas, necessariamente, tema que ainda não está amadurecido no setor elétrico nacional, quando se trata da sua utilização como meio de pagamento.

A ideia, segundo o executivo, é criar um produto que possa unir uma empresa interessada em dividir uma parte dos seus ganhos com investidores interessados em participar desse tipo de compartilhamento. A antecipação de receitas financeiras é um dos pontos atrativos. Um passo fundamental para iniciar trabalhos nessa área já foi dado, ressalta Ratto. Toda a infraestrutura tecnológica do BBCE passou por uma ampla modernização e se coloca entre as mais avançadas do mundo. 

Do ponto de vista regulatório, afirma Ratto, nada impede a formação de arranjos que envolvam tokenização. O timing para um lançamento nos dias de hoje é perfeito, destaca, porque nunca se falou tanto em economia digital como agora. Uma demora maior, alerta, pode deixar o Brasil fora da realidade num futuro próximo.

“O mundo da economia digital aplicado ao mercado de energia tem muito potencial a ser explorado. O resultado da compra e venda de energia é um ativo e esse ativo pode ser tokenizado e distribuído para outros mercados. Ou seja, o direito de compra e venda de energia pode ser vendido na forma de um token e oferecido ao mercado”, explica Ratto. 

Segundo o presidente do BBCE, a vantagem desse tipo de negócio é que pessoas que não são ligadas a esse determinado mercado compram uma porcentagem de um ativo e passam a se beneficiar do retorno proporcionado por transações que hoje só agentes credenciados estão autorizados a operar. O token pode ser vendido até mesmo a uma pessoa física que, indiretamente, passa a participar dos ganhos e também das perdas, algo inerente a todos os investimentos.

“A beleza da tokenização é que permite que mais players e investidores entrem no mercado de energia, sem precisar ter uma comercializadora ou fazer parte da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica], requisito mandatório para negociar”, reforça Carlos Ratto. 

Criptomoedas
Já quanto ao uso de criptomoedas como meio de pagamento em transações diversas envolvendo compra e venda de energia, a Agência iNFRA apurou que os agentes do segmento, no momento, são reticentes sobre esse tema. Em tese, assim como em relação à tokenização, nada impede que vendedores e compradores usem criptomoedas em suas negociações, que, afinal, são bilaterais e sigilosas. Mas, o fato é que, segundo fontes, isso não vem acontecendo no mundo da comercialização de energia.

Consultada, a CCEE informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o uso de criptomoedas é “um assunto muito incipiente e que não há nada estruturado ainda”. A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), também via assessoria, disse que não possui nenhum estudo referente ao tema e que, por exemplo, nem tem conhecimento desse tipo de transação no ambiente de contratação regulada. Também não há nada previsto na agenda regulatória, que é um planejamento prévio que a diretoria do órgão regulatório faz anualmente para resolver questões prioritárias do setor. 

Da mesma forma, no âmbito das comercializadoras, o uso de criptomoedas não é algo difundido. A Comerc, por exemplo, uma das maiores do mercado brasileiro, nem sequer quis se manifestar sobre o assunto. A Safira Energia, outra empresa de expressão no mercado livre, foi objetiva. Informou que não possui contratos em criptomoedas e disse que “não tem conhecimento dessa prática”.

Já no Congresso Nacional, até o fechamento desta reportagem, um projeto de lei do Senado sobre criptomoedas aguardava votação na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa. Em paralelo, um outro projeto da Câmara havia sido aprovado e estava em exame no Senado. O mercado aguarda pelo andamento das propostas.

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