Amanda Pupo e Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Com previsão de, em 2026, retomar os leilões de ferrovias após um hiato que já completa quatro anos, o Ministério dos Transportes vai publicar nos próximos dias portaria com normas gerais para as outorgas ferroviárias, contendo desde diretrizes sobre matriz de risco, previsão de conta vinculada e novas regras contábeis até o direcionamento sobre o real estate (uso imobiliário) e desapropriações, inclusive para ferrovias de carga.
Embora o detalhamento, em parte, dependa da regulamentação da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a expectativa da pasta é de que a portaria seja capaz de dar uma sinalização ao mercado sobre qual será a política do governo nos projetos que pretende colocar a leilão.
“Os editais que vamos publicar já estão saindo com essas diretrizes. Depois que anunciamos isso [que haveria uma política de outorgas] ao mercado, começou a aparecer freguês novo para ferrovias”, afirmou à Agência iNFRA o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro.
O normativo deve ser publicado antes do primeiro edital que a pasta pretende soltar. Será o da EF-118, estrada de ferro projetada para ligar o Espírito Santo ao Rio de Janeiro. A expectativa é de que na ANTT é que a minuta do projeto seja aprovada até a primeira semana de novembro, para em seguida ser encaminhada à avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União).
Entre outras modelagens que devem chegar nos próximos meses ao tribunal está o novo projeto para a Malha Oeste (cujo contrato com a Rumo vence em 2026), a renovação da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), e o corredor Leste-Oeste (Fico-Fiol).
A proposta da portaria da Política Nacional de Outorgas Ferroviárias ficou em consulta pública de maio a julho, com 172 contribuições recebidas. Uma das novidades do texto final em relação à minuta divulgada é a inclusão do tema do real estate em ferrovias concedidas.
Hoje, as concessionárias já podem fazer empreendimentos imobiliários que gerem receitas acessórias à operação, mas elas não têm o poder de desapropriar terrenos – algo que é delegado pelo poder público –, nem de fixar o preço da terra. Com as regras que serão estabelecidas, o governo também dará abertura para o investimento ser financiado por debêntures.
A legislação atual já prevê que os concessionários podem promover desapropriações mediante autorização, mas falta a regulamentação. A expectativa é de que a ANTT preveja normas gerais sobre como o operador deve instruir seu pedido. A agência também deve apontar, baseado no interesse público, quais são os limites para esse aval, dado caso a caso. Com o sinal verde da agência, vem o decreto executivo. A expectativa é de que, com essas facilitações, as ferrovias de carga invistam mais, por exemplo, na construção de terminais logísticos.
“Podemos ajudar as ferrovias, com esse mecanismo, a criar novos negócios e alavancar dinheiro novo para o setor. Normalmente, no mundo inteiro, é isso que move as ferrovias. Elas fazem empreendimentos imobiliários que geram muita receita. Discutimos isso com o mercado e foi bastante positivo”, afirmou Santoro.
Contabilidade
A portaria também vai exigir que a ANTT adote um novo critério de contabilidade para as concessões ferroviárias. A avaliação da pasta é de que a forma como o operador privado contabiliza os ativos relacionados à concessão tem gerado muita insegurança e risco, tendo inclusive suscitado boa parte das discussões em torno das renovações assinadas no governo passado.
As controvérsias em torno do cálculo da base de ativos é uma das tônicas nas tratativas de repactuação dos contratos ferroviários no âmbito da SecexConsenso do TCU (Tribunal de Contas da União). No caso das concessões da Vale, que administra a EFC (Estrada de Ferro Carajás) e a EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas), o governo e a operadora não conseguiram chegar a um consenso.
Agora, o plano é de que a ANTT preveja que o registro contábil de uma obra, por exemplo, deva ser feito no momento da entrega, dado encaminhado para contabilização pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) ou Infra SA, a depender de quem é o titular do ativo.
Conta vinculada
Outro tema que será abordado na portaria é o das contas bancárias vinculadas. A ideia é que a previsão deste instrumento já esteja integrada na política pública das outorgas ferroviárias. Ele será usado, por exemplo, no projeto da EF-118, cuja viabilidade deve contar com recursos da repactuação da ferrovia da MRS.
Pelo acordo aprovado em setembro no TCU, a MRS aceitou pagar R$ 2,8 bilhões pela mudança no contrato com o governo. No julgamento, a corte autorizou que a operadora deposite o montante numa conta bancária separada, que deverá alimentar outros projetos, a critério do poder público. Mas a posição final do TCU sobre o instrumento, de forma geral, ainda ficou pendente de nova análise.
A demanda para que o normativo já preveja a mecanismo foi expressada pela ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários) durante a consulta pública. A entidade sugeriu que a política abranja o uso de contas bancárias vinculadas como instrumento de controle, execução e fiscalização contratual, especialmente em projetos que envolvam aportes ou contrapartidas financeiras.
Matriz de riscos
Na mesma contribuição, a ANTF pediu que a portaria inclua dentro da política nacional de outorgas uma definição clara da matriz de riscos dos contratos. Segundo o número 2 do Ministério dos Transportes, o tema será tratado no texto, com indicações de como a ANTT deverá abordá-lo. A ideia é replicar a padronização que, na avaliação do governo, deu certo no setor de rodovias.
No texto que foi à consulta, a minuta previa, por exemplo, que as cláusulas contratuais relativas ao compartilhamento de riscos, devem, no mínimo, disciplinar questões como variações relevantes de custos de construção; desapropriações; condicionantes de licenças ambientais; além de outros riscos definidos conforme diretriz de política pública.
Interoperabilidade e marco regulatório na ANTT
A estimativa é de que a agência reguladora fique pelo menos dois anos debruçada sobre os comandos da portaria que precisarão ser regulamentados. A ideia é que o tema se alinhe e também dê maior amparo à revisão regulatória que a ANTT já está tocando internamente, com previsão de ser finalizada até 2028.
Lá, o projeto do CGTF (Condições Gerais de Transportes Ferroviários) foi dividido duas linhas de ação: o ROF (Regulamento de Outorgas Ferroviárias) – que deve ter mais conexões com os comandos que partirão da portaria do governo – e o RSF (Regulamento de Serviços e Segurança Ferroviária).
Até o momento, já foram para algum nível de participação social o ROF 1, de Regras Gerais dos Contratos de Concessão e Autorização, e o RSF 1, de Direitos e Garantias dos Usuários e Serviço Adequado. O restante está em fase de discussão interna e elaboração.
Além da portaria que deve sair nas próximas semanas, um outro normativo também está sendo estudado pelo Ministério dos Transportes, para tratar mais especificamente do tema da interoperabilidade das malhas ferroviárias. Sensível, o assunto ainda está em estágio de discussão entre a pasta e o mercado.








