Lais Carregosa, da Agência iNFRA
A MP (Medida Provisória) 1.300, da reforma do setor elétrico, abre caminho para a remuneração da flexibilidade das baterias, usinas hidrelétricas e iniciativas de resposta à demanda, avaliam especialistas consultados pela Agência iNFRA. Ou seja, a capacidade de aumentar ou diminuir a geração ou consumo de acordo com as necessidades do sistema elétrico.
O texto enviado ao Congresso na última quarta-feira (21) altera a lei de comercialização de energia (Lei nº 10.848/2004) para incluir o termo “flexibilidade” ao artigo que prevê a contratação pelo governo. Até então, apenas os conceitos de “energia” e “capacidade” constavam na legislação.
Segundo interlocutores, ao prever flexibilidade, a MP dá mais segurança para que o governo realize leilões voltados à contratação de fontes que respondam com mais rapidez ao despacho do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) e as remunere por isso.
Medida estruturante
A diretora executiva do Instituto E+ Transição Energética, Rosana Santos, explica que a inserção de fontes não despacháveis, como eólica e solar, cria a necessidade de contratação de fontes flexíveis que garantam a confiabilidade do sistema.
“Esse recurso de flexibilidade pode ser provido de muitas formas e cada país tem o seu mix de fornecimento de flexibilidade. No caso do Brasil, vai ser um mix entre as hidrelétricas, que eu acredito que vão ser as grandes provedoras deste recurso, baterias e uma coisa que eu particularmente acredito muito, [que é a] resposta da demanda”, destacou a diretora.
Para a Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica), que representa os empreendimentos hidráulicos, o trecho é uma das medidas mais estruturantes da MP.
Isso porque as hidrelétricas têm sido uma das fontes responsáveis pelo atendimento à ponta de carga durante a rampa de saída das usinas solares, entre 17h e 19h, embora não sejam remuneradas pela capacidade de responder com rapidez ao despacho, avalia a associação. Essa rampa já chegou a 43 GW (gigawatts) neste ano.
“Flexibilidade é a capacidade de algumas fontes de geração de energia de fazerem o acompanhamento da carga, à medida que o consumo de energia aumenta ou diminui, acompanhar isso e modular a sua capacidade, a sua entrega de energia, para fazer esse equilíbrio do sistema. Então, é muito importante”, afirmou a diretora da Abrage Camilla Fernandes.
Remuneração
Rosana Santos, do Instituto E+, destaca que o tipo de fonte contratada vai depender do que o governo entender como “flexibilidade”. Por exemplo, se a flexibilidade de despacho for determinada em questão de minutos ou horas, hidrelétricas, baterias ou resposta à demanda seriam produtos preferíveis. Caso o tempo de resposta seja mais longo, termelétricas de ciclo aberto poderiam ser contratadas.
Além disso, o advogado Henrique Reis, sócio do escritório Demarest Advogados, explica que a medida também poderia reduzir os cortes de geração das hidrelétricas, chamado de “vertimento turbinado”, à medida que também valore a flexibilidade de saída dessa fonte do sistema.
Para Reis, modelos de negócio em que as usinas termelétricas estejam associadas à produção de gás natural, por exemplo, também poderiam disputar certames de flexibilidade.
Camilla, da Abrage, afirma que essa sinalização pelo governo também dá um estímulo à expansão da fonte hidráulica no sistema, com contratação de usinas hidrelétricas reversíveis, por exemplo, que oferecem capacidade de armazenamento ao sistema.
Necessidade de regulamentação
A contratação de flexibilidade prevista na MP ainda vai precisar de regulamentação pelo MME (Ministério de Minas e Energia) e pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Henrique Reis afirma que o conceito não precisaria constar em lei para ser regulamentado, mas que a inclusão na MP pode dar certo “conforto” para o governo realizar essa contratação.
Contudo, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) já havia identificado a necessidade de flexibilidade no sistema e, em 2024, o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) indicou que os estudos fossem submetidos ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) até o final deste ano.
“A discussão não termina com a inclusão em lei. Ali, dá-se conforto para a norma infralegal, para que o governo faça os leilões. Pode-se também discutir leilões combinatórios, de potência e flexibilidade, mas nesse caso os produtos virão de forma apartada e cada um valorado à sua forma. Hoje, se você olhar para um leilão de reserva de capacidade, ele contrata flexibilidade, mas é um subproduto”, explicou.