Nota sobre a diferença entre negociações, renegociações e reequilíbrios de contratos administrativos

Mauricio Portugal Ribeiro*

Apesar dos programas de renegociação de contratos estarem evoluindo no Brasil, continua a haver entre nós uma confusão conceitual que, em minha opinião, tumultua o processo de compreensão dos fundamentos teóricos das renegociações de contratos.

A confusão é entre os conceitos e o papel da atividade de negociação na execução dos contratos, da atividade de renegociação, como instrumento de alteração formal das regras contratuais, e da atividade de reequilíbrio dos contratos.

Creio que, do ponto de vista teórico, ninguém tem dúvida da ubiquidade da atividade de negociação para cumprimento dos contratos, particularmente nos contratos complexos e de longo prazo, como o são os de concessão e PPP.

Isso é uma consequência necessária da incompletude contratual e da própria natureza relacional dos contratos de concessão e PPP, que precisam de interação entre as partes durante a sua execução até mesmo para especificar as suas obrigações.

Mas, isso nada tem a ver com a ideia de renegociação dos contratos enquanto instrumento para mudança formal das suas regras.

Ao falarmos de programas de renegociação estamos nos referindo à possibilidade de alteração de contratos realizada por meio de uma negociação não balizada pelas normas previstas no contrato ou no próprio ordenamento, geralmente, com o objetivo de levar a condição de sustentabilidade econômico-financeira a contratos que a perderam.

Evidentemente, a atividade de negociação tem um papel nodal nos processos de renegociação dos contratos. As renegociações são o momento em que a atividade de negociação se projeta para além do cumprimento do contrato e se torna central para a sua alteração.

Já o reequilíbrio é uma atividade compensatória realizada como decorrência da atribuição de riscos no contrato. Todas as vezes que ocorre um evento que impacta, da perspectiva econômico-financeira, uma das partes do contrato, mas cujo risco foi atribuído a outra parte do contrato, surge o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro.

O reequilíbrio é um instrumento para cumprir a distribuição de riscos do contrato. Portanto, reequilibrar o contrato é, acima de tudo, cumprimento, execução de regras previstas no próprio contrato.

Por outro lado, não há dúvidas que o resultado da atividade de reequilíbrio é um aditivo contratual que, muitas vezes, altera dispositivos do próprio contrato.

Em artigo publicado vários anos atrás, demonstrei, por exemplo, que o reequilíbrio muitas vezes altera a própria distribuição de riscos do contrato. Portanto, a atividade de reequilíbrio se configura como cumprimento do contrato, mas, ao mesmo tempo, pode também ser um instrumento de alteração do contrato balizado pelas regras nele previstas.

E isso diferencia os reequilíbrios das renegociações. Enquanto os reequilíbrios podem alterar os contratos por meio da aplicação de regras previstas em lei ou nos próprios contratos, as renegociações são alterações dos contratos não balizadas por regras previamente estabelecidas no ordenamento jurídico ou pactuadas entre as partes.

Nesse contexto, é importante, por fim, entender qual o papel das negociações na atividade de reequilíbrio dos contratos. Considerando que a atividade de reequilíbrio é cumprimento de regras previstas no contrato, evidentemente que as negociações permeiam essa atividade.

Para exemplificar, costumo usar o caso da desagregação de rubricas no caso de um reequilíbrio baseado em um plano de negócios vinculado a um contrato de concessão.

Imaginem uma situação em que o direito do contratado ao reequilíbrio surja em virtude da variação do custo de um insumo qualquer da prestação de serviços objeto do contrato, por exemplo o CAP (Cimento Asfáltico de Petróleo).

No plano de negócios, esse insumo está agregado a outros em uma rubrica chamada “investimentos”. Para desagregar entre os custos de investimento, o valor específico do custo do CAP, será preciso que as partes negociem.

Isso porque se não há um registro nos estudos que deram base ao plano de negócios de quanto do valor dos investimentos se referia ao CAP, será preciso os técnicos das partes produzirem essa informação, sem a qual não será viável realizar o reequilíbrio pela variação do custo do CAP.

Nesse caso, portanto, a negociação é essencial para que se cumpra a exigência de reequilíbrio do contrato. E isso prova que o cumprimento de regras sobre reequilíbrio do contrato, assim como a execução de tantas outras regras dos contratos, muitas vezes, dependem de negociação entre as partes.

*Mauricio Portugal Ribeiro é sócio da Portugal Ribeiro Advogados, especializado na estruturação, nos aspectos regulatórios e no equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões comuns e PPPs. É também professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da FGV (Fundação Getulio Vargas), São Paulo (SP).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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