Fábio Vasconcellos*
A participação direta de Jair Bolsonaro na eleição de Arthur Lira (PP-AL) para comandar a Câmara dos Deputados, em fevereiro, e a recente nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil coroaram a entrada do chamado “Centrão” no Palácio do Planalto. Se antes tínhamos, supostamente, o governo do “contra tudo isso que está aí”, agora é declaradamente o governo “com tudo isso aí”. A mudança de orientação de Bolsonaro contraria a sua bandeira eleitoral, mas traz certo alívio, ainda que momentâneo, para quem é alvo de inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) e de quase 130 pedidos de impeachment na Câmara.
Não sabemos se esse escudo legislativo vai durar, porque isso depende da capacidade de coordenação do chefe do Executivo, ou se estamos diante do sequestro momentâneo de um presidente debilitado e com risco de derrota eleitoral no horizonte. Se essa segunda hipótese for verdadeira, há mais pragmatismo de curto prazo nessa relação do Centrão com Bolsonaro, alvo previsível nesse grupo, do que um projeto para formar um “governo de coalizão”.
Enquanto o teste da próxima crise não vem, talvez um ponto que mereça alguma atenção, até porque muito provavelmente estaremos discurtindo isso no próximo governo, é a sobrevivência e a força política desse grupo que acaba de aportar no Palácio do Planalto. Antes de seguir, porém, duas observações.
Embora não se interessem por disputar o cargo de presidente da República, muitos dos partidos que compõem o Centrão, com mais dias, menos dias, acabam ocupando cargos no Governo Federal. Há, portanto, alguma vantagem para essas legendas permanecerem sobre a alcunha do Centrão. Repetido ad infinitum no debate público, o termo “Centrão”, por outro lado, dificulta a responsabilização das lideranças que fazem parte desse bloco. Parte da sua sobrevida vem justamente dessa sombra que pode servir à crônica política, mas pouco contribui para que o eleitor identifique esses personagens e seus casos desviantes.
O Centrão, com a devida vênia, representa um grupo informal de parlamentares de diferentes partidos de direita e centro-direita da Câmara dos Deputados, quase todos com perfil fisiológico e inclinados a apoiar qualquer governo de plantão. Embora sejam de linha conservadora, não encontram muitas dificuldades para aderir a pautas com pouco aderência à sua base, desde que consigam identificar ganhos futuros, como, por exemplo, estar no poder em um eventual troca de comando no Palácio do Planalto. Apesar dessas características mais ou menos estáveis, qualquer análise histórica sobre o tamanho ou comportamento dessa bancada enfrenta algumas dificuldades.
Não há, por exemplo, um indicador claro de que esses partidos tenham participado integralmente e permanentemente desse grupo nas duas últimas décadas. Há entradas e saídas de partidos (casos recentes do DEM, MDB e do PSD), conforme negociações e disputas de cada contexto, e há ainda a participação individual de alguns deputados. Ou seja, o partido pode não integrar “formalmente” o Centrão, mas o deputado apresenta certa adesão às pautas e votações de interesse do grupo.
Apesar das fragilidades desse tipo de análise, vai aqui um esforço para tentar mensurar o tamanho do Centrão, olhando em uma perspectiva histórica. Para essa análise, considerei a atual composição do bloco e organizei os dados desde 2002. Atualmente, o Centrão seria formado por 237 deputados, mas esse número é uma estimativa, com algumas margens de erro dado o caráter informal desse grupo.
Como é possível verificar no gráfico, o Centrão ampliou o tamanho da sua bancada em quase 20 anos. Considerando os partidos da composição atual, em 2002, ele tinha 54 deputados. Passou para 97, em 2006, já no segundo governo Lula. Em seguida, o grupo manteve o crescimento nas eleições seguintes, até atingir os 237 atuais.
Para mensurar minimamente o tamanho do Centrão, considerei os deputados eleitos em 2018, mas com a atualização das bancadas. Hoje, nesse grupo, temos 11 partidos: PSC, PSL, PP, PL, PTB, Republicanos, Podemos, Avante, Patriota, Solidariedade e PROS. Muitos analistas não consideram PSL como membro do Centrão, provavelmente porque Bolsonaro deixou o partido ainda em 2019. Mas o PSL é quem mais vota conforme a orientação do governo, com taxa de apoio de 97%, conforme o “Radar do Congresso“. Além disso, o partido mantém características dos demais membros do Centrão.
Sem a participação do MDB e DEM, que decidiram abandonar o atual Centrão, além do PSD que, segundo o seu presidente Gilberto Kassab, é independente, esse grupo representaria hoje cerca de 46% da Câmara dos Deputados. Se incluírmos a bancada do PSD, o percentual chega a 53%. A prorpoção iria a 59% (305 deputados), se incluírmos o MDB, partido que não enfrenta muita dificuldade de transitar no meio do Centrão. A força política desse grupo chegaria, portanto, a quase o número necessário para fazer emendas à constituição (308). Não é pouca coisa, mas esse número não deve ser intepretado de maneira literal. O caráter informal do Centrão dificulta de algum modo o trabalho de coordenação e orientação dos votos.
De todo modo, a história recente das seguidas eleições dos partidos que compõem o Centrão demonstra que esse esse grupo político tende a jogar papel decisivo, seja pela sua força numérica sempre crescente, seja pela capacidade de se alinhar a qualquer presidente que esteja à frente do Palácio do Planalto. Em troca, o Centrão “promete” algum escudo protetor para presidentes fracos ou que enfrentam crises momentâneas, mas tudo isso com custos para o Executivo, que precisa abrir espaço e cargos para as lideranças desse grupo, bem como ajustar suas políticas públicas.
No contexto atual, seu interesse por cargos e recursos públicos, a posição ideológica mais à direita e a proximidade com a visão de mundo do presidente indicavam que a entrada do Centrão no governo Bolsonaro, aquele que era contra “tudo isso aí”, seria apenas uma questão de tempo. E esse tempo chegou.