Fábio Vasconcellos*
As ruas repletas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, nas manifestações de 7 de setembro, demonstraram claramente que o capitão consegue mobilizar, mas isso não diz tudo. Nessa altura do campeonato, só estão com Bolsonaro os mais aguerridos, o núcleo duro para quem não importa o que ele faz ou deixe de fazer. Esse grupo teve muitas oportunidades de abandonar o presidente ou, pelo menos, repensar o apoio, mas não o fez.
Eleitores aguerridos têm uma característica importante. O forte envolvimento que mantêm com o presidente e seus valores sugere que estão mais inclinados a fazer o que for possível para defender o seu líder. Foi isso que Bolsonaro vinha sinalizando para a tropa. O presidente fez inúmeras declarações sugerindo que estava sendo tolhido pelas instituições, em especial o STF (Supremo Tribunal Federal). É como se dissesse “o líder está em apuros e precisa da ajuda de vocês”.
Eleitores com forte identificação com o presidente e sua agenda reacionária diante de uma liderança que pediu “ajuda”; bingo: “ruas cheias, presidente forte”. Foi um truque, um efeito de imagem. Concentrados em dia e hora e com apelo e participação do presidente, as ruas enquadradas pelas telas pareciam demonstrar um amplo domínio de Bolsonaro, com aprovação em alta e apoio dos brasileiros, entidades representativas e outros poderes.
Na verdade, o que vimos foi um presidente com capacidade de mobilização dos seus liderados, nada mais. No dia 7 de setembro, o presidente não agregou um só apoio, não motivou nenhum brasileiro, a não ser quem já está com ele, a subir no seu barco. Não precisou muitas horas para que essa hipótese fosse claramente demonstrada. Apreensivo com as reações aos seus discursos, Bolsonaro patrocinou, com dinheiro público, uma viagem do ex-presidente Michel Temer de São Paulo para Brasília para que ouvisse o óbvio: “Presidente, você errou e está cada vez mais isolado”.
A carta assinada pelo presidente Bolsonaro tem muitos significados. Vamos nos ater ao mais óbvio. Quem faz uma carta para a nação, com o teor do que vimos, demonstra minimamente duas coisas: 1) errou e 2) teme os efeitos dos seus erros. Naquele momento, Bolsonaro deu um nó na cabeça dos seus seguidores, que na véspera haviam entendido diferente. Se era uma liderança forte, com amplo apoio popular, por que recuar? Afinal, como Bolsonaro gosta de se referir em uma leitura equivocada de democracia: tem que ouvir a voz da maioria.
Não era maioria. Era um fragmento, um percentual mínimo que hoje ainda mantém apoio firme ao presidente. A tropa disposta a entrar no barco de Bolsonaro hoje é uma minoria barulhenta, que sabe manejar as redes, símbolos e espaços públicos. Esse ímpeto faz parecer maiores do que são, mais expressivos do que são, mais significativos do que são. Ocuparam a praça em 2018 e lá estão desde então. Muitos, é verdade, desistiram.
Passado o choque da carta à nação, a tropa tomaria um outro susto dias depois. Com a iminência de uma paralisação nacional dos caminhoneiros, muitos deles apoiadores das bandeiras do bolsonarismo, como fechar o STF ou ver aprovado o impeachment dos ministros da Suprema Corte, tiveram que liberar as rodovias a pedido do presidente. Segunda constatação do bolsonarismo: o líder recuara mais uma vez. Parêntese: Havia um quê de distopia naquela paralisação: a) o presidente queria apoios às suas pautas; b) a paralisação envolvida quem paga caro pelo diesel; c) mas era favorável ao presidente que, em um lance derradeiro, c) notou que era melhor encerrar a manifestação.
Passados os dois choques no bolsonarismo, a questão em suspenso agora é “o que fazer com Bolsonaro?”. No interior do bolsonarismo, os dois recuos sugeriram que a banda pode não tocar exatamente como Bolsonaro faz parecer diante das câmeras e microfones. Isso não quer dizer sinal para deserção geral. O bolsonarista raiz não vai abandonar Bolsonaro, ele vai buscar justificativas, ainda que isso implique em contorcionismos, como fez dias depois. A preferência por Bolsonaro entre esses brasileiros antecede o próprio Bolsonaro. Portanto, para esse grupo a pergunta “o que fazer com Bolsonaro” é mais uma pista para a busca de novas e controversas justificativas de apoio do que um ponto de inflexão que ponha em xeque o “ficar” ou “sair”.
Resta a pergunta “o que fazer com Bolsonaro” para o restante do Brasil. Essa pergunta deriva de uma série de outras questões: a carta terá um efeito pacificador? Nasceu um novo Bolsonaro? Haverá agora a tão propalada “os poderes são independentes e harmônicos”?
O que fazer com Bolsonaro quando a inflação bate à porta, quando há risco de falta de energia, desemprego em alta, baixo crescimento, quase 600 mil mortos pela Covid ou um desgaste permanente para a nossa democracia? Um brasileiro ao menos tem uma resposta. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, decidiu o que fazer com Bolsonaro: diga ao povo que ele fica.
A despeito do mundo visto só pelo deputado, um exercício simples de lógica sugere que são mínimas as chances da versão “Bolsonaro Pacificador”. O presidente tem uma natureza confrontadora, foi eleito nessa lógica, atuou por três anos nessa modalidade, por que mudaria agora? Mudaria porque percebeu risco no horizonte para o seu mandato, risco de prisão dos filhos ou risco para o projeto da reeleição, alguém diria. Ora, nesse caso, estaríamos lidando com uma liderança sagaz, com grande capacidade de interpretação de cenários e cujos cálculos políticos orientam escolhas que maximizam seus ganhos. Sim, estaríamos.