O seguro garantia em Mato Grosso e a esperança de destravar obras paradas no país

Isadora Cohen*, Fernando S. Marcato**, Felipe Schwartz*** e Murilo Tambasco****

Nessa semana, o governo do Estado de Mato Grosso lançou um emblemático edital para a construção das obras de pavimentação da rodovia MT-430, entre os municípios de Confresa e Vila Rica. Serão 50 quilômetros de pavimentação.

Pode parecer algo simples, sem alta tecnologia ou complexidade. Mas da forma como foi feito, além de transformar o escoamento de grãos naquela região, pode ajudar a destravar obras paradas no Brasil.

E o que há de mais interessante neste edital? A cláusula de retomada e o arranjo estabelecido com a seguradora que será contratada pela empreiteira para assegurar o bom andamento da obra.

Antes de explicar o instituto, vale a pena contextualizar a inovação. Mato Grosso apresenta a maior malha rodoviária do país. São quase 35 mil quilômetros.

Mas a realidade é que menos de 17% desta malha é pavimentada, o que faz com que a maior produção de grãos do Brasil (e uma das maiores do mundo) não tenha saída adequada para seu destino final.

O escoamento envolve um custo logístico enorme, justamente, por não contar com rodovias suficientemente adequadas e equipadas para que os caminhões trafeguem com segurança e tranquilidade.

É verdade que o Governo tem feito um esforço hercúleo para aumentar o percentual de estradas pavimentadas. Em 2019, o Estado investia R$ 1,5 bilhões em rodovias. Em 2023 esse número já era de R$ 4,5 bilhões.

Esse esforço, porém, vem sendo prejudicado por empresas que paralisam suas obras em função de dificuldades financeiras, técnicas e descontos irresponsáveis nas licitações.

Então, por maior que seja o esforço das equipes do Estado, mais de 85% das obras contratadas (de pavimentação, recuperação e manutenção das rodovias estaduais) desde 2019 estão atrasadas e estão fora do cronograma estabelecido pelo poder público.

Dez por cento dos contratos firmados pelo Estado já foram rescindidas em função dos atrasos ou dificuldades de avanços. O que acontece ali, infelizmente, não é uma exceção. Mas o Estado inovou na solução, que está estampada no edital de pavimentação desses 50km da MT-430.

Para entender melhor: a Lei 14.133/2021 (a nova lei de licitações) estabelece a possibilidade de uma garantia de execução de obra, a ser contratada pela empreiteira, para assegurar o cronograma e a qualidade da execução para o Estado. É o chamado “seguro garantia”.

Com valor de cobertura de até 30% do investimento a ser realizado, tal seguro é aplicável para obras de grande vulto, assim qualificadas, as obras de mais de R$ 200 milhões.

No caso de Mato Grosso, uma primeira inovação foi requalificar esse patamar de investimentos. É que no contexto do Estado, não são apenas as obras de mais de R$ 200 milhões que devem ser consideradas vultuosas. Por meio de um conjunto de normativos e legislações, estabeleceu que as obras de grande vulto seriam aquelas maiores do que R$ 50 milhões. 

Então, para obras de R$ 50 milhões ou mais, já se aplica a regra do seguro garantia com patamar de cobertura de 30% do valor da empreitada. 

Mas a grande inovação está nas cláusulas de retomada previstas nos editais. Caso a empreiteira deixe de cumprir o contrato e isso comprometa o bom andamento da obra, o Estado poderá acionar a garantia. Assim, a seguradora contratada pela empreiteira poderá fazer o step-in da obra.

Na prática, isso significa que a seguradora poderá escolher uma nova contratada para concluir as obras no prazo e no valor estipulado.

Em outras palavras: em caso de inadimplemento pela empreiteira, o governo poderá acionar a garantia. Isso engatilha duas possibilidades para a seguradora; ou bem ela paga o sinistro de 30% do valor da obra; ou bem realiza o step-in.

Caso escolha a segunda opção, a seguradora deve procurar no mercado uma outra empreiteira, que será indicada sem a necessidade de licitação. A nova empreiteira receberá os pagamentos como se fosse a empreiteira original, e a própria seguradora poderá complementar a remuneração no limite dos 30% do valor de cobertura. Para a seguradora, será uma hipótese mais vantajosa, já que ao invés de arcar com os 30% “de cara”, poderá otimizar essa indenização se a converter em pagamento de uma empresa mais eficiente do que a original.

Claro que esse não é um produto gratuito. O mercado securitário e de empreiteiras ainda devem calibrar o valor desse seguro garantia. Mas até nisso Mato Grosso pensou e, na planilha de orçamento da obra da MT-430 já previu uma rubrica específica para isso. Diversas entidades da federação tem buscado Mato Grosso para, quem sabe, inspirar uma revolução positiva. Há esperança de um Brasil com menos obras paradas e mais desenvolvimento.

*Isadora Cohen é advogada, sócia-fundadora da ICO Consultoria e vice-presidente do InfraWomen Brazil.
**Fernando S. Marcato é advogado, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito SP e mestre em Direito Público Comparado pela Universidade Paris I: Panthéon-Sorbonne.
***Felipe Gurman Schwartz é advogado pela FGV Direito SP, bacharel em Administração Pública pela FGV EAESP (FGV Escola de Administração de Empresas de São Paulo) e consultor da ICO Consultoria.
****Murilo Tambasco é consultor econômico-financeiro na ICO Consultoria, graduado em Economia pela FACAMP (Faculdade de Campinas) e pesquisador do NEC-FACAMP (Núcleo de Estudos em Conjuntura da FACAMP).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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