ONS estuda novo produto com maior previsibilidade para a indústria reduzir o consumo


Ludmylla Rocha e Leila Coimbra, da Agência iNFRA

O diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Luiz Carlos Ciocchi, disse que está estudando junto a órgãos do setor um programa similar ao recém-suspenso programa de redução voluntária de demanda para grandes consumidores.
 
A ideia, porém, é ter um produto de energia, e não de potência, informou, em entrevista à Agência iNFRA. Ele reconhece que a medida não é adotada em outros países, mas diz que pode contribuir com a operação do sistema e também com as empresas que participarem, por conta da previsibilidade.
 
“A gente está estudando e espera que tenha alguma coisa para o ano que vem. Precisa ter uns ajustes aqui, acolá, do ponto de vista regulatório, do ponto de vista de mercado, mas, enfim, é uma iniciativa que eu acho que vai ser bem legal”, revelou.
 
Ciocchi explica que a diferença está na continuidade do fornecimento pela empresa que participar: “Você pode contar com aquela energia firme, ou seja, todo dia de segunda a sexta, ela [a indústria] vai colocar 10 MW, diferente da potência, que eu só preciso naquele momentinho e acabou”.
 
O diretor-geral do ONS abordou também a melhora das condições do sistema elétrico, os próximos passos em relação às medidas excepcionais tomadas e mudanças estruturais do setor. Leia os principais trechos da entrevista:
 
Agência iNFRA: é um consenso que a situação do sistema elétrico melhorou, mas como o senhor vê o panorama geral?
Luiz Carlos Ciocchi: Realmente a situação melhorou, e a pergunta é: por que melhorou? Eu tenho duas respostas básicas para isso. A primeira é que a chuva chegou, digamos assim, dentro da expectativa da média.
 
O período chuvoso normalmente começa em meados de outubro. No ano passado, a chuva começou em meados de dezembro. Ou seja, são dois meses [a menos] de chuva. Então, mesmo que não tenha chuva na média, ou acima da média, dá uma diferença enorme nas nossas previsões e nos nossos reservatórios esses dois meses.
 
Agora, desde setembro, outubro do ano passado, que a gente vem na luta, no enfrentamento da crise hídrica. É despacho fora da ordem de mérito; é mudança de vazão de alguns reservatórios como Jupiá, Porto Primavera, Ilha Solteira; tentar segurar as águas nas cabeceiras dos grandes reservatórios, em Furnas, a todo custo; é aumentar a importação.
 
Uma série de coisas, incluindo também outras atividades mais técnicas do ONS, como o critério N-2 para o N-1 no eixo de transmissão do Nordeste para cá, procurando aproveitar a boa safra dos ventos e solar que a gente teve. 
 
Então, todas essas ações, primeiro, permitiram que a gente não morresse na praia em agosto. Em agosto, muitos “especialistas” diziam que era inevitável o racionamento, era inevitável o apagão.
 
Então, a situação melhorou, sim. Óbvio, é indiscutível, a água chegou, maravilha. Mas as ações que foram tomadas é que permitiram que essa água, agora, ela possa ser útil, ela possa ser utilizada da melhor forma possível.
 
O fornecimento de ponta, que foi onde tinha mais risco, agora está garantido?
A questão de ponta era realmente uma preocupação. Em muitas das simulações que a gente fazia, tinha que invadir a reserva operativa, e uma invasão significativa.

Com a chegada dessas águas e com as termelétricas que a gente tem disponível, isso aí posso garantir para você que não tem nenhum risco a mais para essa situação, nenhum risco. Reserva operativa mantida em excesso, não tem problema.
 
A indústria não precisa mais ser chamada para deslocar consumo no horário de ponta?
A resposta da demanda é um projeto, é uma coisa que se faz no mundo todo e é uma coisa que a gente estava tentando fazer no Brasil já faz algum tempo.
 
No meio da crise, a gente fez uma coisa muito mais rápida, com uma aceitação muito boa, diga-se de passagem, por parte das indústrias, das empresas. Nós estávamos bastante satisfeitos. Daí, como é um produto para a ponta, precisar você não precisa mais agora, como eu te falei.
 
Então o projeto de RVD (Redução Voluntária da Demanda) acabou mesmo?
Não, não acabou. Simplesmente a gente não precisou pegar ofertas, e a cada mês a gente vai fazendo a avaliação.
 
Em adição a isso, nós tivemos uma reunião com a Abrace [Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres]. A razão da reclamação [da suspensão, feita pela associação], eu acho que tinha ali uma desinformação, que estava misturando o que era energia com potência.

Não dá para comparar uma térmica que você contrata por seis meses para despachar sete dias por semana com um produto de ponta que você precisa daquela indústria para ela reduzir 50 MW só das 18h às 19h na quarta-feira, por exemplo, dia 24/11. 
 
Mas, eu falei para ele [ao presidente da Abrace, Paulo Pedrosa] que a gente deveria ter conversado melhor antes. Fizemos o nosso mea culpa, a gente soltou uma nota conjunta depois. 
 
Se não acabou, será retomado quando?
Então, estamos estudando, algum outro tipo de produto, não um produto de potência, mas um produto de energia, onde as empresas, através dos seus mecanismos de eficiência energética, mudanças de processos, possam colocar algum “excedente” da capacidade de geração a serviço do sistema interligado. Isso não é uma coisa comum no mundo. Pelo menos conversando aqui a gente não tem muita notícia disso no mundo.
 
A resposta de demanda é um produto de potência e isso existe em vários lugares no mundo, mas a gente está estudando, sim, e espera que tenha alguma coisa para o ano que vem. Precisa ter uns ajustes aqui, acolá, do ponto de vista regulatório, do ponto de vista de mercado, mas, enfim, é uma iniciativa que eu acho que vai ser bem legal.
 
Qual seria a diferença desse produto de energia para o produto potência?
A diferença básica é o seguinte, um produto de potência eu preciso para uma faixa de tempo muito pequena. Eu preciso atender um pico de energia. Eu estou operando aqui o sistema, vendo que a nossa carga está aumentando e às 18h eu não vou ter reserva operacional para aguentar isso aí, então eu preciso que alguém reduza o consumo, coloque uma potência ali por 30, 40, 50 minutos.
 
Um produto de energia é uma disponibilidade de, por exemplo, 10, 20, 30 MW, seja lá o que for, os números não são grandes como são usinas, mas o agente pode se comprometer todo dia a colocar firmemente uma energia das 18h às 19h, só para simplificar o nosso cálculo.
 
Então você pode contar com aquela energia firme, ou seja, todo dia de segunda a sexta, vai colocar 10 MW, diferente da potência, que eu só preciso naquele momentinho e acabou.
 
Sobre as térmicas e os preços, com essa melhora de chuva, entrada do período úmido, como é que você vê os despachos? As usinas mais caras serão desligadas? Qual faixa de preço que deve permanecer ligada?
O sistema está longe de estar voltando à normalidade. Mas a gente está agora numa situação mais confortável. Estando mais confortável, as regras excepcionais voltam para uma faixa de maior normalidade. E a normalidade é você despachar as térmicas por uma pilha, do CVU [Custo Variável Unitário] mais baixo para o CVU mais alto.
 
Então nós já estamos fazendo isso com algumas exceções. E que exceções são essas? Primeira exceção: se na época crítica a gente pediu, e a gente estava precisando de uma térmica X e ela fez uma oferta de R$ 2.000/MWh, por seis meses, e elas estão fazendo isso, a gente tem que cumprir esse acordo.
 
Então tem várias que a gente pediu para entrar em agosto até dezembro. Essas térmicas a gente está cumprindo aquilo que foi negociado.
 
Um outro fator é a posição geoelétrica delas. Dependendo da posição, as térmicas mais caras ainda são importantes para o sistema do ponto de vista elétrico, não do ponto de vista energético, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, que ainda precisam desse recurso. 
 
Quando a gente fala de usinas do Norte e do Nordeste, com a entrada das águas lá do Norte – Madeira, Xingu, usinas a fio d’água –, elas praticamente lotam o eixo de transmissão do Nordeste para cá. Então esses lugares não precisam mais de térmicas. Mesmo que a térmica seja barata, você não consegue alocar aquela térmica na carga, porque não consegue colocar aquela energia no sistema. 
 
Mas usinas com o CVU caro, como Uruguaiana, de R$ 2.500/MWh, foram autorizadas nos últimos dias. Elas vão operar agora a esse preço? 
Foram homologados o CVU de Uruguaiana e Cuiabá [no dia 23 de novembro] e aí elas entram na pilha normal. Quer dizer, muito provavelmente elas não serão despachadas agora. Elas já têm agora seu CVU, já estão dentro do sistema. Precisou, aí segue a regra que está estabelecida já há algum tempo.
 
O senhor comentou que, por conta da melhora, algumas medidas extraordinárias que foram tomadas já estão sendo reavaliadas. A flexibilização da transmissão do Nordeste para o subsistema Centro-Sul (N-2 para N-1) está nesse escopo?
Nós fomos autorizados a não seguir, como uma medida emergencial [flexibilização N-2 para N-1], e essa medida emergencial tem validade até 30 de novembro. Então, a partir daí nós não podemos mais fazer isso, a menos que seja uma situação, enfim, totalmente fora dessa questão, aí a gente faz e explica por que fez, como o Operador sempre faz.
 
E a gente está fazendo um estudo para ver se no ano que vem, mesmo na estação chuvosa, se tem algum benefício. Tem algumas obras importantes entrando e que talvez não haja diferença de aproveitamento de N-2 para N-1. Então, a gente vai conseguir trazer a energia que dá, mesmo no critério de N-2.
 
E em relação à importação de energia?
Algumas características de importação que são importantes de ressaltar. Primeiro: importação e exportação com a Argentina e com o Uruguai é prática nossa. Não tem nenhuma novidade nisso.
 
Segundo: essa importação, no período crítico, a gente sabia que eram questões de oportunidades, porque dependendo da temperatura, principalmente na Argentina, mesmo que eles queiram mandar energia, eles não têm. Então, muitas vezes a gente queria e eles não tinham como mandar. O Uruguai sempre teve uma estabilidade melhor.
 
E agora que a gente tem uma situação um pouco mais confortável, a gente também questiona preço. Numa hora de crise, a gente precisava muito e estava importando nos mesmos patamares das termelétricas mais caras.
 
Agora entra a questão comercial, eles percebem que a situação melhorou, então a gente não está mais querendo comprar energia a qualquer preço.
 
Estamos trabalhando com a energia da Argentina, que estão vindo ofertas em torno de R$ 1.200/MWh, R$ 1.500/MWh, compatível, e ainda cabe essa energia, principalmente na região Sul.
 
Agora que em 2021 a situação está mais confortável, qual a sua perspectiva para 2022?
Em termos estratégicos, o que a gente tem como orientação, como desejo e como responsabilidade é fazer a recomposição dos reservatórios da região Sudeste. Isso é importante, seja pela questão do uso múltiplo das águas, seja pela questão do atendimento das necessidades de todas as comunidades, todos os municípios lindeiros desses reservatórios – Furnas, Mascarenhas de Morais, Nova Ponte, Itumbiara, enfim, a lista toda.
 
Então, como estratégia, como desejo, a gente quer fazer isso. Conseguimos fazer isso numa estação chuvosa? Minha resposta é sempre não. A gente não consegue, não adianta querer se iludir, por mais água que chegue, a gente não consegue fazer isso.
 
Outra coisa, até por conta do que foi aprovado na lei que autorizou a capitalização da Eletrobras, todo o sistema elétrico brasileiro tem a obrigação de fazer essa recomposição em quatro anos. Isso está no horizonte, então a gente está trabalhando também com esse comando legal, que é necessário.
 
Nós, juntamente com a ANA [Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico], estamos desenvolvendo uma estratégia operativa para os reservatórios no período úmido e já trabalhando para desenvolver uma para o período seco, no sentido que a gente consiga fazer ao longo de 2022 a recuperação desses reservatórios, procurando levar o nível dos reservatórios em novembro de 2022 a uma situação melhor do que a gente está conseguindo chegar agora.
 
E a grande pergunta que você faz é a seguinte: e aí, a gente vai ter que estar despachando as térmicas? Sim. Todas? Não.

Fala-se que estamos num período de La Niña, então deve chover menos no período úmido no Sudeste, e não temos mais a CREG (Câmara de Regras Excepcionais de Gestão Hidroenergética). Se tiver algum problema, sem a CREG, como se pode tomar uma medida imediata?
Em ocorrendo, a gente faz o seguinte: tudo aquilo que a gente aprendeu, tudo aquilo que a gente fez neste ano, a gente fez de uma forma… e como eu falei para você, a CREG não tratorou as instituições, a gente discutiu, a gente trabalhou em conjunto. Então tudo aquilo que você falou e que a gente resolveu lá dentro da CREG, isso de certa forma já está orquestrado.
 
Então, por exemplo, a ANA: a gente já está mais ou menos apaziguado no sentido que tem algumas situações previsíveis ou prováveis de acontecer e que a gente já tem a salvaguarda colocada ali dentro.
 
O nosso principal problema no Ibama é com relação à usina de Jupiá e Porto Primavera por conta da piracema. Na piracema, você precisa ter uma vazão de 3.900 metros cúbicos por segundo para que os peixinhos consigam subir a cascata para se reproduzirem lá em cima. Então, até meados de dezembro, a gente está mantendo esses 3.900, depois nós vamos reduzir. Isso já está acordado com o Ibama, a gente já viu que essa operação é segura, dá para sair dos 3.900 e cair para 2.300.
 
Na sua opinião não será preciso recriar a CREG?
Então, eu diria que o aprendizado operacional, não o teórico de altas esferas, mas o prático do que acontece foi muito rico, foi muito grande no ano passado. E as instituições, não só o setor elétrico, reagiram muito bem. Isso, como a gente mostrou que dá resposta, dá resultado e, se acontecer, se entrar essa necessidade, ela vai entrar naturalmente e não vai precisar de nenhum comando adicional.
 
Eventualmente, vamos sempre colocar o condicional, se acontecer alguma coisa lá na frente totalmente fora de tudo isso que nós estamos falando aqui, aí a gente pode chegar à conclusão de que sim, a gente vai precisar de uma nova câmara de regras excepcionais. Mas, de novo, na minha percepção, eu vejo isso como muito pouco provável que a gente caia nessa situação.
 
A indústria e o setor reclamam muito da formação de preços por modelos computacionais, que não refletiria a realidade do valores. Como é que você vê isso?
Eu acho que a gente precisa aprimorar, tem espaço e tem a necessidade. A governança do setor elétrico é uma governança robusta, só que o preço da robustez significa que a gente não pode estar mudando as coisas de uma hora para outra. 
 
Então isso precisa ser bastante bem analisado, bastante bem calibrado com todos os envolvidos para que a previsibilidade impere. Para você fazer essas mudanças você precisa calibrar a regra do jogo. Dizer a partir de que dia a regra do jogo vai mudar para que todo mundo esteja preparado.
 
Então é isso que tem que acontecer, eu acho que a coisa está se movendo nessa direção. Tem mudanças significativas que a gente está estudando, avaliando para implementação, para que isso mude.

Isso não pode mudar, por exemplo, para entrar em vigor agora no dia 1º de janeiro, não pode mais, teria que ter sido aprovado até 30 de junho, então não dá. Mas existe essa necessidade de se fazer esse ajuste, sim. Eu acho que a gente não pode conviver muito mais com essa situação.
 
Vamos chegar a uma solução que vai zerar esse problema? Não, os modelos representam a realidade, eles não são a realidade. A situação hoje é que os nossos modelos não conseguem representar a realidade exatamente como ela está e os modelos adquirem uma característica de um otimismo muito grande com relação às chuvas baseado em projeções quando a coisa pode não acontecer, e quando não acontece, a gente tem isso.
 
Eu sou totalmente a favor e totalmente disposto a colaborar nessa direção.

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