Opinião

Opinião – Armazenamento hidráulico como alternativa para confiabilidade do setor elétrico

Marisete Pereira Dadald*

Em 27 de setembro de 2024, o MME (Ministério de Minas e Energia) instaurou a Consulta Pública 176/2024, para receber contribuições à minuta de Portaria de Diretrizes para o LRCAP Armazenamento 2025, leilão de reserva de capacidade na forma de potência, com sistemas de armazenamento, previsto para 2025.

Essa é uma discussão relevante e necessária para o país, uma vez que os estudos, tanto da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) por meio do caderno de estudo do PDE (Plano Decenal de Expansão de Energia) 2034, como do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) por meio do PEN (Plano da Operação Energética) 2024, divulgado em 3 de setembro, indicam necessidade de potência para o atendimento aos horários de maior consumo, considerando que nossa matriz elétrica vem passando por mudanças significativas e precisará cada vez mais desse recurso de potência para garantir o atendimento às demandas de energia.

Contudo, há que se mencionar que a participação para este certame, conforme proposta do MME, está restrita a sistemas de armazenamento por meio de baterias químicas, desconsiderando os sistemas de armazenamento hidráulico – usinas reversíveis ou tecnologia de bombeamento – que possuem características únicas em relação ao custo e à vida útil secular, assim como as usinas hidrelétricas tradicionais. Em compensação, as baterias químicas possuem vida útil reduzida, devendo ser considerado o descarte, a destinação final ou a reciclagem desses equipamentos.

Por meio da Nota Técnica nº 125/2024/DPOG/SNTEP, que subsidia a minuta da Portaria em discussão, o MME aponta que “a inserção desses sistemas na matriz elétrica brasileira tem ganhado destaque nas discussões do Planejamento do Setor Elétrico nos últimos anos, devido à sua capacidade de resposta instantânea, flexibilidade operativa e locacional. E complementa que “esses sistemas são considerados potenciais candidatos para diversas aplicações no setor elétrico brasileiro, incluindo o provimento de capacidade de ponta. Além disso, o armazenamento de energia elétrica por meio de baterias já é uma solução amplamente adotada globalmente para múltiplas finalidades, como a oferta de serviços ancilares.

Sobre esses aspectos, ressalte-se que os sistemas de armazenamento hidráulico são baterias naturais, provedores de flexibilidade e atendimento à ponta de demanda, ou seja, fornecem plenamente todos esses serviços prestados pelas baterias, diferenciando-se dessas últimas pelo seu baixo custo com longa vida útil. Essas usinas fazem o bombeamento de água para um reservatório superior em momentos de baixa demanda ou de excesso de oferta, e a liberam para gerar energia em períodos de alta demanda, garantindo a capacidade de suprimento de potência ao sistema.

De acordo com a International Hydropower Association – IHA, esses sistemas representam atualmente a maior tecnologia nesse segmento do mundo, respondendo por mais de 90% do armazenamento de energia, superando em grande medida o sistema de baterias.

As usinas reversíveis são uma tecnologia existente, mas ainda pouco explorada pelo Brasil, e precisa ser endereçada por meio de contratação competitiva, valendo-nos do modelo brasileiro bem sucedido de leilões, a exemplo do anunciado leilão de baterias, pois o país possui um potencial estimado de 38 GW, em uma avaliação conservadora. Desse potencial, alguns projetos já possuem mapeamento da localização para implantação em estágio mais avançado, portanto, se esse produto integrar o leilão de armazenamento a ser realizado pelo MME em 2025, poderíamos introduzir essa tecnologia na nossa matriz. E, vejam, no mundo, essa tecnologia representa hoje 179 GW de capacidade, com previsão de crescimento de 50% até 2030 (240 GW). Somente na China – país com grandes investimentos nesse segmento – existe hoje cerca de 90 GW de projetos em desenvolvimento. Contarmos com sistemas de armazenamento hidráulico a partir de julho de 2029 é possível e um produto para tanto no leilão de 2025 poderia revelar tal viabilidade.

Por outro lado, a indústria nacional tem exportado equipamentos e tecnologia para outros países que estão investindo nesses sistemas de armazenamento hidráulico como uma solução de baixo custo e de longa vida útil, ou seja, a capacidade brasileira de fazer investimentos internos nesse segmento está subutilizada. Em contrapartida, temos importado baterias de outros países, como a China.

É importante mencionar que no atual contexto de transição energética, com a descarbonização e transformação da matriz elétrica brasileira, a partir da entrada massiva de fontes intermitentes de energia – majoritariamente representadas pelas fontes eólica e solar – os sistemas de armazenamento, tanto hidráulico como por meio de baterias, terão grande relevância na manutenção da confiabilidade do sistema, prestação de serviços ancilares e na modularidade de baixo impacto ambiental, pois possuem alta densidade de energia e baixo tempo de resposta operativa. Em Portugal, por exemplo, as usinas reversíveis possuem capacidade instalada de 6 GW e são utilizadas estrategicamente para aumentar a penetração de fontes renováveis com características de variabilidade.

Diante de um cenário iminente de necessidade de recursos que disponibilizem para o sistema flexibilidade, capacidade de resposta instantânea e de atendimento à ponta, a tecnologia de usinas reversíveis ou bombeamento é uma solução que não pode deixar de ser considerada pelo planejador e executor da política pública, principalmente por agregar o binômio segurança com modicidade tarifária, além de  favorecer grandes investimentos ao país, gerar emprego e renda, e garantir a manutenção da confiabilidade do sistema elétrico brasileiro.

**Marisete Pereira Dadald é presidente da Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica) e ex-secretária executiva do MME (Ministério de Minas e Energia).

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