Opinião

Opinião – Concessões de parques: contexto e desafios no Brasil

André Paiva*, Fábio Tieppo**, Laura Frare*** e Mariana Palandi****

Em uma publicação do último ano, a Forbes apontou o Brasil como o melhor país do mundo para ecoturismo. Segundo o governo federal, o ano de 2023 marcou um pico de visitação dos parques nacionais brasileiros, com registro histórico de 11,8 milhões de pessoas, 15% a mais que o total de 2022.

Porém, em que pese o enorme potencial, inclusive podendo atrair turistas estrangeiros, o que se percebe é que o ecoturismo ainda é pouco explorado, principalmente quando comparado com outros países.

Conforme dados do Índice de Desenvolvimento de Viagens e Turismo do Fórum Econômico Mundial, o Brasil é apenas o 26º colocado no ranking de competitividade do setor.

Segundo outro estudo, realizado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) em 2019, com base em 120 unidades de conservação federais, para cada R$ 1,00 investido nessas unidades, são gerados R$ 15 em benefícios econômicos, o que demonstra a grande vantagem deste tipo de investimento para a economia como um todo.

Uma das alternativas para permitir melhorias nas estruturas e estimular o turismo é a concessão de parques para a iniciativa privada. Esta modalidade de contrato, que envolve a transferência temporária da gestão e operação dos parques para entidades privadas, tem sido cada vez mais considerada como uma estratégia para aprimorar a conservação ambiental e promover o ecoturismo.

O Brasil possui 74 parques nacionais, muitos dos quais com um grande potencial a ser desenvolvido. A concessão do Parque Nacional do Iguaçu em 1998 marcou o início de um movimento incipiente de transferência da gestão de áreas protegidas no país.

Durante quase duas décadas, esse processo permaneceu relativamente estático, com apenas quatro parques federais concedidos até 2016. No entanto, a partir de 2018, observou-se um aumento substancial no número de concessões, abarcando, além dos parques nacionais, também parques estaduais e municipais.

Entre as concessões mais proeminentes dos últimos anos, destacam-se aquelas realizadas nos parques nacionais de Jericoacoara (que fará investimentos de aproximadamente R$ 116 milhões em infraestrutura, além da aplicação de R$ 990 milhões em operação e gestão ao longo do contrato) e da Serra Geral e de Aparados da Serra (que farão investimentos de R$ 260 milhões), com grandes operadores como Grupo Cataratas e Urbia.

Além disso, a presença de empresas como Lagoa Aventuras, Parquetur e Soul Parques em parques municipais e estaduais, como o Parque da Catacumba, no Rio de Janeiro, e o Parque Estadual de Vila Velha, no Paraná, evidencia a diversidade de players envolvidos nesse mercado.

Um dos principais desafios enfrentados para a concretização das concessões de parques é o financiamento sustentável das operações, uma vez que a maioria das modelagens financeiras considera uma parte significativa de sua receita proveniente da cobrança de ingressos dos usuários.

Como estratégia para viabilizar economicamente essas concessões, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estabeleceu linhas de crédito direcionadas para o apoio a projetos de conservação ambiental e desenvolvimento sustentável em parques no Brasil, como o Fundo Clima e o Finem.

Além disso, o BNDES Crédito ASG promove práticas empresariais sustentáveis, enquanto o BNDES Debêntures em Ofertas Públicas incentiva o uso de instrumentos de mercado de capitais para projetos sustentáveis.

O fato de tais concessões estarem ancoradas nos preços dos ingressos aos usuários constitui ainda um risco para a viabilidade do projeto. Muitas vezes a modelagem pode considerar de forma incorreta o efeito da elasticidade-preço da demanda e superestimar a quantidade de visitantes. Por exemplo, um aumento de preço pode desestimular a visitação, a depender da sensibilidade da demanda por turismo ao valor dos ingressos.

Nesse sentido, há um risco político associado à cobrança de montantes muito elevados, como exemplificado por protestos por parte de empresários locais de uma cidade do Rio Grande do Sul, que alegaram que o valor do ingresso cobrado teria reduzido a quantidade de visitantes na região.

Para mitigar tal risco, é possível que os modelos econômico-financeiros dessas concessões considerem a existência de receitas acessórias, como a exploração de publicidade, estacionamentos, restaurantes, lojas de conveniência, eventos, atividades guiadas, entre outros. Dessa forma, o preço do ingresso poderia ser reduzido, permitindo um maior fluxo de visitantes.  

Diferentemente das grandes concessões de infraestrutura, como as de rodovias e aeroportos, os investimentos necessários para concessões de parques são relativamente menores.

No primeiro caso, o percentual de investimentos costuma ser muito superior aos gastos operacionais, sendo esperado um grande desembolso inicial e um longo prazo de arrecadação para recuperar tais investimentos.

No segundo caso, por sua vez, há uma parcela relativamente maior de custos operacionais, ou seja, as receitas obtidas servem principalmente para cobrir os custos do próprio período, além de remunerar os investimentos.

Essa modelagem traz um risco de alavancagem operacional, que sujeita tais modelos a uma maior sensibilidade de choques econômicos no curto prazo.

Outro risco associado a tais projetos é o não cumprimento de obrigações por parte do Poder Público. Por exemplo, junto com a concessão do Parque Nacional dos Aparados da Serra, era esperada uma melhoria nas estradas de acesso. Porém, parte das vias continua a ter difícil acesso, o que prejudica a atratividade da visitação.

A existência destes riscos pode elevar a rentabilidade requerida pelos investidores para os projetos, ou ainda demandar uma modelagem jurídica que permita o reequilíbrio econômico-financeiro em situações específicas. Assim, é fundamental que o contrato preveja uma matriz de riscos detalhada, proporcionando segurança para o investidor.

Na prática, as modelagens propostas nos estudos de viabilidade econômica apresentados pelo Poder Público indicam retornos conservadores. Por exemplo, o material apresentado pelo BNDES na modelagem do fluxo de caixa da concessão do Parque Nacional de Jericoacoara considera um WACC (Weighted Average Capital Cost  ou Custo Médio Ponderado de Capital) de 9,38%.

Obviamente, cada licitante possui uma estrutura de financiamento própria e, eventualmente, pode considerar eficiências ou sinergias não capturadas nos estudos públicos, desta forma podendo obter uma rentabilidade superior.

Da mesma maneira, cada licitante possui uma aversão a riscos distinta, fato que influencia a valoração dos lances ao longo do processo de licitação.

De todo modo, é necessário que a rentabilidade desses contratos satisfaça os investidores em termos dos riscos mapeados tanto pelos investimentos requeridos quanto pelas incertezas atreladas à própria operação do contrato durante a sua vigência.

Em suma, embora as concessões apresentem desafios como a dependência de receitas de ingressos e riscos políticos, elas também oferecem uma plataforma para inovação e melhoria das infraestruturas dos parques.

A diversificação das fontes de receita e o apoio financeiro de instituições como o BNDES podem mitigar alguns desses riscos. Modelos bem estruturados de concessão que considerem receitas acessórias e um planejamento detalhado para o equilíbrio econômico-financeiro são essenciais para a viabilidade e o sucesso desses projetos. Com a devida gestão e investimento, as concessões de parques nacionais no Brasil não apenas promoverão a conservação ambiental, mas também impulsionarão o ecoturismo, posicionando o país como um destino de destaque no cenário global.

*André Paiva é consultor na Tendências Consultoria, onde trabalha principalmente em projetos envolvendo reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos. É mestre em Economia Aplicada pela ESALQ/USP e bacharel em Ciências Econômicas pela Fecap. Possui MBA em Gestão Financeira e Econômica de Tributos pela FGV-SP.
**Fábio Tieppo é consultor na Tendências Consultoria, onde atua em projetos de infraestrutura, incluindo reequilíbrio econômico-financeiro de contratos em concessões e assistência técnica em perícias. É mestre em Teoria Econômica pela FEA/USP. Bacharel em Engenharia de Produção pela Poli/USP e em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com pós-graduação em Administração pela FGV-SP.
***Laura Frare contribui para a elaboração de estudos econômicos com temáticas diversas na Tendências Consultoria. É graduanda em Ciências Econômicas pela PUC-SP e bacharel em Filosofia pela FFLCH/USP.
****Mariana Palandi é consultora na Tendências Consultoria, onde atua em projetos envolvendo estratégia de negócios e finanças corporativas, incluindo modelagem econômico-financeira de empresas de diversos setores. É mestre em Administração de Empresas pelo Insper e Bacharel em Ciências Econômicas pela PUC-SP..
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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