Guilherme Reisdorfer*
No dia 7 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o PL (Projeto de Lei) 7.063/2017, que altera as leis de concessões e PPPs (Parcerias Público-Privadas). A matéria segue agora ao Senado Federal.
O texto aprovado revela a exclusão de temas polêmicos e parece sinalizar alinhamento político para viabilizar a tramitação célere do projeto. Foram retiradas três propostas sensíveis: (i) as concessões por adesão (celebração de novas outorgas por outros entes diversos, vinculadas a concessões existentes); (ii) o controle prévio dos projetos por tribunais de contas; e (iii) o uso de fundos constitucionais para áreas essenciais. Em medidas variáveis, esses temas tinham potencial de suscitar dúvidas de constitucionalidade.
O PL mescla práticas já adotadas em outras leis, em nível regulamentar e contratual, com evoluções incrementais e inovações propriamente ditas. De modo geral, os diversos pontos do PL articulam três objetivos: (i) promoção de segurança jurídica e estabilidade regulatória, (ii) abertura à consensualidade e à flexibilidade na estruturação e na gestão dos contratos; e (iii) promoção de economicidade e eficiência.
Talvez a inovação mais marcante seja a consagração das chamadas concessões multimodais, que envolvem a agregação de serviços e obras distintas em um único contrato (art. 5º, § 1º). A solução de escopos agregados amplia a flexibilidade na formação de projetos sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro. Mas cautelas são necessárias: a verticalização de atividades econômicas apartadas – como a junção de empreendimentos rodoviários ou ferroviários com empreendimentos portuários, por exemplo – ensejará providências regulatórias coordenadas e, em certos casos, poderá suscitar discussões de ordem concorrencial.
Entre as práticas já consolidadas, destacam-se previsões sobre distribuição objetiva de riscos (art. 2º, II e III, e § único), prazo para análise de pedidos de reequilíbrio (art. 23, IV-B), adoção de contas vinculadas para gestão de recursos (art. 23, § 2º, I) e medidas cautelares para reequilíbrio (art. 9º, § 6º). As regras para reequilíbrio são benéficas, mas representam avanço modesto. Seria oportuno estabelecer regras gerais para operacionalizar os reequilíbrios cautelares e admitir também medidas parciais de reequilíbrio, para determinar formas céleres de equacionar valores incontroversos.
Há previsões relevantes para blindar as concessões de pressões políticas. Destacam-se a regra de que novos benefícios tarifários pressupõem decisão cautelar ou definitiva que viabilize o reequilíbrio contratual (art. 9º, § 7º) e a admissão de reajuste tácito, a ser operacionalizado diante do silêncio do poder concedente (art. 29, § 1º). Esta última previsão é especialmente relevante em concessões municipais, onde o tema é foco de intensa judicialização, sobretudo em anos eleitorais. O texto aprovado admite, ainda, a possibilidade de cobrança de tarifas para serviços indivisíveis (art. 9º, § 8º), o que tende a pacificar debates antigos e ampliar as possibilidades de arranjos remuneratórios.
Entre os avanços incrementais, destaca-se a autorização de uso de aporte de recursos às concessões em geral (art. 23-B), que propicia vantagens fiscais e na precificação dos projetos. Também são bem-vindas as regras sobre transferência da concessão ou do controle societário da concessionária, com possibilidade de modulação de exigências de qualificação técnica e econômico-financeira, obrigações contratuais e penalidades preexistentes (art. 27, § 5º).
De outra parte, há previsão de uma série de infrações relativas ao mérito e ao processamento de pedidos de reequilíbrio que podem ensejar multa (art. 23-D). São regras que, se mantidas, deverão ter a atenção das concessionárias e dos próprios entes que a aplicarão, pois meras discordâncias em relação às premissas fáticas e jurídicas do pleito de reequilíbrio (e sobre as providências processuais para quantificação) não podem ser qualificadas, por si sós, como infrações.
Um tema que está na pauta dos últimos anos – o das concessões em crise – aparece amplamente disciplinado, com normas sobre intervenção na concessionária, sobre o acordo tripartite entre concedente, concessionário e financiadores e garantidores e sobre a administração temporária da concessão ou da concessionária pelos financiadores e formas de extinção dos contratos (arts. 27-A, § 5º, 32 e 35). Essas regras incorporam a experiência dos últimos anos e constituem base relevante para o relacionamento entre stakeholders, que favorece a segurança jurídica e a governança da concessão.
Há ainda outras novidades que, embora não tenham recebido tanto destaque até o momento, são de grande relevância. É o exemplo da previsão de que os contratos poderão prever a suspensão ou redução de certas obrigações das concessionárias em caso de inadimplemento do poder concedente (arts. 23, § 2º, inc. II, e 29, § 2º). A previsão, que supera o dogma de que o concessionário não pode suspender a execução de suas obrigações em face do inadimplemento estatal, tem potencial de reduzir a judicialização e mitigar situações crônicas de desequilíbrio contratual.
Em síntese, o texto que segue ao Senado ainda suscita debates, mas representa notável evolução. Sem subverter a realidade com alterações radicais, reflete diagnóstico adequado dos problemas práticos e traz regras aptas a estabelecer bases mais seguras e eficientes para o desenvolvimento das concessões públicas.
*Guilherme Reisdorfer é doutor e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) e sócio da Siqueira Castro Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.