Amanda Pupo, da Agência iNFRA
Com a tarefa de uniformizar a regulação do saneamento no país, que tem mais de 80 agências subnacionais, a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) colocou para funcionar um novo ambiente para resolver conflitos regulatórios no setor. Na Compor-ANA (Câmara de Solução de Controvérsias da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico), poderão tramitar procedimentos de mediação e arbitramentos que buscam dar respostas para a aplicação e a interpretação das normas de referência que começaram a ser editadas pela reguladora após o marco legal do saneamento, de 2020.
Oficializada em agosto, a Compor já tem um caso sob análise para ser admitido e, se aceito, começar a tramitar. Segundo apurou a Agência iNFRA, é um pedido de mediação feito pela CSA (Concessionária de Saneamento do Amapá), que assumiu a operação em 2022 no estado. Antes de aceitar a solicitação, a ANA precisa ouvir as outras partes que estão envolvidas na controvérsia.
A realidade diversa que os prestadores de serviço encontram no Brasil é um dos maiores entraves regulatórios do setor, e se tornou também um desafio para a ANA produzir suas normas de referência – foram mais de dez publicadas até agora. Por isso a expectativa de que o novo órgão administrativo consiga dar uma vazão mais célere, técnica e objetiva sobre as dúvidas e conflitos que surgirão a partir da aplicação das diretrizes de regulação.
A iniciativa de promover ambientes de solução consensual nas agências reguladoras não é inédita. A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) criou essa instância em 2023, com aprovação de um primeiro acordo no ano passado. O diferencial da ANA para as outras agências nacionais é de que, no saneamento, de titularidade municipal, o órgão não é o regulador direto dos serviços. Por isso as normas são de “referência”, o que cria uma camada adicional de complexidade à adesão.
O desejo é que as divergências e dúvidas que surjam para aplicação das normas sejam respondidas pela Compor, que é presidida pelo procurador-chefe da ANA, antes de as partes decidirem eventualmente acionar o Judiciário. A lógica pensada é de que, primeiro, os envolvidos tentem chegar a um consenso pelo processo de mediação, cujas regras foram aprovadas pela diretoria da reguladora há cerca de um ano.
Já a opção do arbitramento foi regulamentada recentemente pelo órgão, com publicação da resolução no mês passado. Mas nada impede que os interessados pleiteiam diretamente um pedido de arbitramento, sem ter acionado antes o instrumento da mediação.
Arbitramento
Relatora do processo sobre o arbitramento regulatório, a diretora Ana Carolina Argolo avaliou à Agência iNFRA que a ferramenta será um “excelente mecanismo” para que a ANA possa orientar de maneira personalizada os atores no setor de saneamento à medida que dificuldades apareçam. Diferente da mediação, em que o órgão atua para tentar compor um consenso, no arbitramento, o responsável dentro da agência vai propor um relatório que subsidiará a decisão da diretoria colegiada sobre a controvérsia.
Para Argolo, o envolvimento da diretoria é um dos pontos cruciais da norma pelo condão de harmonizar o entendimento da ANA. “A ideia é que as decisões sejam unânimes e encontrem o melhor caminho para resolução dos conflitos”, disse a diretora, lembrando que a diretoria também terá participação na análise da admissibilidade dos pedidos de arbitramento que chegarem ao órgão.
Argolo também destacou a diferença entre o processo de arbitramento regulatório e a arbitragem, disciplinada pela Lei 9.307/1996. Os mecanismos não se confundem e é possível, inclusive, que uma arbitragem privada já tenha sido aberta sobre o tema em discussão. Mas a resolução da agência cobra que, caso exista ação judicial ou processo de arbitragem sobre a matéria, eles deverão ter sido suspensos previamente à solicitação de instauração do arbitramento regulatório.
“A ideia é que o arbitramento seja uma opção mais célere e rápida para resolução desses conflitos”, disse a diretora. São 90 dias de prazo para a instrução do procedimento, que pode ser prorrogado por 30 dias. Já a decisão pela diretoria precisará ser dada em 30 dias – período passível de ser prorrogado com motivo justificado. Sobre a deliberação da ANA, as partes podem entram com pedido de reconsideração no prazo de dez dias para sanar “erro material, obscuridade ou contradição”.
Para a relatora da norma, embora a ANA faça o possível para considerar e consolidar a visão de diferentes atores para produzir suas normas de referência, é natural que dúvidas e controvérsias surjam diante das distintas realidades da prestação de serviços em todo o Brasil.
“Vai depender do tipo de contrato, da estrutura tarifária que uma região adota, por exemplo. Essas dúvidas vão aparecer”, pontuou Argolo, lembrando também da implementação da tarifa social no saneamento, cuja NR está em elaboração dentro da agência. Podem participar de um processo de arbitramento os titulares do serviço, as agências reguladoras infranacionais e as operadoras.
Demanda
Na avaliação do advogado Anderson Novais, sócio de Infraestrutura e Direito Público do Madrona Advogados, três normas de referência da ANA podem gerar maior demanda da Compor, seja por mediação ou arbitramento.
Uma delas é a NR 08/2024, que trata das metas progressivas para universalização do abastecimento de água e do esgotamento sanitário, incluindo a metodologia para o cálculo das metas. “É um ponto que tende sim a gerar questionamento, se, por exemplo, soluções individuais podem ser consideradas no cálculo da meta e em que cenário. Se soluções mistas podem ser consideradas no cálculo da meta, e em qual cenário”, levantou Novais.
A outra NR é a de número 06/2024, que estabelece os modelos de regulação tarifária dos serviços, abordando as alternativas contratual e discricionária. Neste caso, podem ocorrer discussões a respeito da interpretação da norma de referência, por exemplo, em casos concretos sobre o compartilhamento de ganho de eficiência do prestador com os usuários. Ainda em elaboração, a NR que trata da estrutura tarifária também é citada pelo advogado como possível geradora de controvérsias.
“A interpretação e a aplicação dessas normas nos casos concretos tendem sim a gerar alguns litígios entre prestador de serviço e a agência reguladora infranacional e ou titular município”, citou o advogado.
Novas normas no forno
Atualmente, o sistema da ANA aponta duas CPs (Consultas Públicas) abertas à contribuições sobre novas normas de referência – uma sobre critérios de contabilidade regulatória para serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário e outra sobre diretrizes para a gestão de redução progressiva e controle de perdas nos subsistemas de distribuição de água potável.
Há ainda uma tomada de subsídios ao processo de elaboração de NR sobre Revisão Tarifária para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, além de uma CP que começou na última sexta-feira (5) sobre a NR de indicadores operacionais da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos. Uma das normas mais aguardadas pelo setor, sobre estrutura tarifária e tarifa social, já teve o período de consulta pública encerrado, com expectativa de ser votada pela diretoria neste ano.
Nova diretoria
As novas NRs vão ser definidas já com uma diretoria reformulada após aprovação dos indicados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à ANA. Larissa Oliveira Rêgo já tomou posse na última segunda-feira (1º) e pode assim participar da reunião deliberativa da agência. Após a cessão de Cristiane Collet Battiston, analista de infraestrutura, pelo MGI (Ministério da Gestão e Inovação), a segunda nova diretora foi empossada na terça-feira (2). A cessão de Leonardo Góes Silva, concursado do Incra (Instituto Nacional de Reforma Agrária), é aguardada pela ANA para que o novo diretor possa integrar o colegiado.








