Gabriel Tabatcheik, da Agência iNFRA
O Porto do Rio é um dos principais motores econômicos da capital e do estado, e também um grande gerador de negócios, impostos, emprego e renda. A CDRJ (Companhia Docas do Rio de Janeiro) constantemente trabalha para melhorar a competitividade desse espaço. Porém, para além dos projetos do órgão, quais são os seus desafios, na visão de quem usa essa estrutura?
Uma grande loja de departamentos tem a maioria de suas unidades instaladas nos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais. É de se supor que, por estarem mais próximas das unidades físicas das lojas, as mercadorias cheguem pelos portos do Sudeste. É a lógica, o custo em transporte seria menor.
Mas, na prática, isso não acontece. Para alguns empresários, vale a pena, por exemplo, receber todos os produtos pelo porto de Itajaí, em Santa Catarina, e bancar o custo do transporte rodoviário por centenas de quilômetros a mais. Ou seja, mesmo que os clientes estejam no Sudeste, os produtos acabam chegando pelo Sul. Por que isso ocorre? Por que é mais barato fazer o produto se deslocar mais?
O questionamento também foi levantado durante o iNFRALive – 110 Anos do Porto do Rio, evento realizado pela Agência iNFRA e pela CDRJ, com patrocínio do Sindoperj (Sindicato dos Operadores Portuários do Rio de Janeiro), do Pier Mauá, do Terminal de Trigo do Rio de Janeiro, da Triunfo Logística, da Multirio Terminais e do ICTSI Rio, e com apoio da associação Logística Brasil (Associação Brasileira de Usuários de Portos, de Transportes e da Logística). O programa completo está disponível neste link.
Um dos desafios que trava a competitividade do Porto do Rio está relacionado com o ICMS, o imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços, que se aplica sobre a importação. O ICMS é definido por cada estado, mas hoje em dia é proibido atribuir novos benefícios fiscais sem o consentimento das demais secretarias de fazenda do país. Isso foi definido pela Lei Complementar 160/2017 e pelo Convênio Confaz 190/2017 (Conselho Nacional de Política Fazendária). O que é permitido é copiar as regras já estabelecidas na tributação de estados da mesma região.
Filipe Coelho, diretor de Portos da Fetranscarga (Federação do Transporte de Cargas do Rio de Janeiro), explica que Santa Catarina e outros estados, antes da publicação dessas normas, zeraram suas respectivas alíquotas de ICMS em importação.
“O ICMS de entrada é zero. Então você só paga o ICMS da saída. Enquanto que, no Rio, o mesmo imposto na entrada é de 18%”, comenta.
O Rio de Janeiro não se antecipou nessa demanda e nem agiu para reverter a possível fuga de importação pelos seus portos. Para um membro de gestão de terminais privados, o estado sempre contou com outras fontes de impostos, como petróleo e turismo. Assim, a importação de novos produtos pelo porto não era uma prioridade e a questão foi ignorada, mantendo o ICMS no mesmo patamar.
“Aí veio a crise, o dinheiro encurtou, e percebemos que ficamos para trás nesse ponto”, disse.
A saída, portanto, seria copiar um benefício já estabelecido por outro governo de sua região. É disso que trata o Projeto de Lei 2.772/2020, em discussão na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). A proposta se baseia em regra aplicada no Espírito Santo, semelhante a que se tem em Santa Catarina. Em 2019, o Porto do Rio foi responsável pela arrecadação de R$ 1,6 bilhão de ICMS incidente sobre a nacionalização de cargas importadas, segundo dados do governo do estado.
Paralelamente, o Congresso Nacional trabalha para aprovar uma reforma tributária, por meio da PEC 45/2019 na Câmara dos Deputados e da PEC 110/2019 no Senado. A ideia é substituir o ICMS e outros impostos, como o ISS (Imposto Sobre Serviço), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e PIS/Cofins (Programa de Integração Social) por uma alíquota única, o IBS (Imposto de Bens e Serviços).
No que diz respeito a exportação, há uma preferência dos armadores para usar o porto de Santos (SP), uma parceria já consolidada há muitos anos. Isso ocorre, por exemplo, com a exportação de algodão. Dados da Anea (Associação Nacional dos Exportadores de Algodão) mostram que, no primeiro semestre de 2020, o Brasil exportou 800 mil toneladas do produto, uma carga que vale ao menos US$ 1,3 bilhão. Desse total, 96,2% saíram pelo porto de Santos, apesar de boa parte dessa produção ser do sul da Bahia, geograficamente mais próximo ao Espírito Santo e ao Rio de Janeiro.
Isso não foi sempre assim. Sérgio Mendes, diretor-geral da Anea (Associação Nacional dos Exportadores de Algodão), revela que o produto era exportado por muitos portos no passado.
“Começou a acontecer muito de partidas ficarem paradas, lotes de algodão a serem embarcados ficarem parados nesses portos, o navio passar reto e ir embora. Porque os armadores andaram fazendo uma economia grande em linhas de navegação. E Santos, por ser do tamanho que é, continua a ser muito respeitado. Então a possibilidade de um navio passar e não levar o seu contêiner, em Santos passou a ser muito menor”, explica.
Para competir por cargas como essa, o Porto do Rio precisa de diferenciais. Um diretor de uma empresa de logística apontou que uma vantagem poderia ser a profundidade.
“Se ficar claro para o armador que no Rio ele sempre poderá operar com navios mais carregados e maiores, isso poderá atrair os armadores”, explicou. “Com isso, parar no Rio passa a fazer sentido, isso se traduz em mais carga, o que significa mais dinheiro”.
CDRJ
Jean Paulo Castro e Silva, diretor de Relações com o Mercado e Planejamento da CDRJ, revela que a principal aposta do Porto do Rio para a melhoria de sua competitividade é o aprimoramento do acesso, tanto pelo investimento em infraestrutura quanto por meio de novas tecnologias.
“No acesso aquaviário, estamos evoluindo no ramp up para navios de 336 metros de LOA [comprimento] e, nesse mês de julho, já recebemos o MSC NITYA B, de 330 metros e capacidade para 12 mil TEUs. Com investimentos na sinalização náutica do canal da Cotunduba, estamos também próximos de implementar a navegação noturna nesse canal, o que ampliará em cerca de 6 horas o uso do canal, reduzindo custos com espera de navios que precisam trafegar no horário noturno”, disse o diretor.
“No lado do acesso terrestre, até o final deste ano será concluída a obra da Avenida Portuária, que ligará o porto até a Avenida Brasil, reduzindo o tempo de chegada ao porto, com efeitos positivos para o custo do tráfego por caminhão. Já está em fase inicial de operação a automação do agendamento do acesso de veículos, a qual também contribuirá para agilizar o acesso ao porto por esse modal”, complementou.
Segundo a CDRJ, o faturamento do porto carioca totalizou R$ 200,6 milhões em 2019. Em 2020, apenas no primeiro semestre, atingiu a marca de R$ 124,1 milhões. O valor representa alta de R$ 3,1 milhões ou 2,5% em relação ao mesmo período de 2019. Segundo dados do governo do estado, o porto gera cerca de 5.000 empregos diretos e 12.500 empregos indiretos.
Brasil
De acordo com o Fórum Econômico Mundial, a qualidade dos portos brasileiros não é boa. A entidade reúne dados de todos os países para medir a competitividade de cada um e traça comparativos periodicamente.
De um total de 139 países pesquisados, o Brasil ocupa a 103ª posição (dados de 2019), ao lado de Botsuana, Nicarágua e Ruanda. Em uma escala de 1 a 7, em que 1 significa extremamente subdesenvolvido e 7 quer dizer bem desenvolvido e eficiente, segundo padrões internacionais, a nota brasileira é 3,2. A boa notícia é que há evolução. Esse é o maior índice alcançado — em 2007, por exemplo, era 2,6. A média da América do Sul é de 3,7.
De acordo com a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), o minério de ferro, soja, petróleo e derivados e os contêineres são os principais produtos exportados em portos brasileiros, integrando mais de 80% das cargas. Na importação, sobressaem os contêineres (23,8%), adubos e fertilizantes (19,5%), petróleo e derivados (17%) e carvão mineral (13,5%). Os quatro itens perfazem 73,8% dos bens importados pela via portuária.
Para Francisval Mendes, diretor-geral substituto da ANTAQ, um fator crucial para a definição das características de um porto é sua capacidade em atrair linhas de navios internacionais.
“Isso se dá por vários fatores, tais como os preços praticados para os serviços portuários (cais, pátio e armazenagem), pela localização em relação ao mercado consumidor, pelas condições de infraestrutura e superestrutura do porto (berços, canal de acesso, conexões com outros modais, equipamentos, armazéns, áreas de apoio), bem como por sua associação com determinados armadores. Em especial, a associação existente entre um terminal e um armador dita a preferência deste em detrimento das escalas em outros portos”, definiu.