Gabriel Piassarollo Garcia*
Gabriel Fiuza de Bragança**
Frederico Araujo Turolla***
A convergência de serviços e soluções de cidades inteligentes é uma realidade tanto no campo técnico quanto econômico-financeiro, mas os desafios legais do desenho e implementação de PPPs (Parcerias Público-Privadas) com escopo convergente foi, por muitos anos, limitada por desafios legais.
A promulgação da Emenda Constitucional nº 132 de 2023 endereçou parte desses desafios, ampliando o escopo dos serviços do art. 149-A potencialmente cobertos por garantias da contribuição específica da iluminação pública. Esse artigo foi inserido no texto constitucional pela Emenda 39 de 2002, prevendo custeio dos serviços de iluminação pública. A EC 132/2023 acrescentou a expansão e melhoria dos serviços de iluminação pública e agregou os sistemas de monitoramento para segurança e preservação de logradouros públicos – inclusive gerando discussão sobre a interpretação desse novo texto.
Com isto, abre-se o espaço para novos contratos de PPP de escopo ampliado, desta feita possibilitando a inclusão de serviços convergentes com mais segurança e responsabilidade. O novo escopo pode levar em conta conceitos como a inteligência urbana como um serviço (Urban Intelligence-As-A-Service, ou UIAAS). A formatação de uma cesta de serviços a serem empacotados em contratos de PPP, contudo, depende de características desses serviços. Ou seja, nem tudo que é UIAAS faz sentido em um único contrato de PPP. Alguns elementos deveriam ser observados inclusive na avaliação sobre a inclusão dos vários escopos previstos na Nota Técnica Conjunta nº 001/2025/SEPPI/CC/PR/SNDUM/MCID, que delineou diretrizes aos agentes estruturadores federais e subnacionais na modelagem de projetos de concessão ou parcerias público-privadas para implementação de soluções de cidades inteligentes.
O escopo de base para as PPPs de cidades inteligentes tende a continuar sendo o serviço de sistemas de IP (Iluminação Pública). Esse serviço reúne diversas características relevantes, começando pela sua ubiquidade no ambiente urbano. O risco de obsolescência tecnológica disruptiva se mostra baixo, representado apenas por soluções de bioluminescência e por grandes espelhos refletores espaciais hoje muito distantes de aplicações comerciais viáveis. A maturidade do segmento, que já conta com cerca de 150 contratos em aberto e outras centenas em estruturação, reforça a relevância do seu papel na transformação dos municípios brasileiros em direção às cidades inteligentes. A própria NT 001/2025 defende que, “sempre que tecnicamente viável, a modelagem deverá privilegiar o uso da infraestrutura do sistema de Iluminação Pública como base para a integração de serviços digitais e inteligentes, em especial para soluções de conectividade, segurança e monitoramento urbano” (62.2).
O item 56.2 na NT 001/2025 abrange a modernização de luminárias, com foco na eficientização do consumo de energia elétrica, a telegestão da rede de luminárias e os sistemas de dimerização da luminância, com redução de consumo por telecomando ou de forma adaptativa. Os serviços de telegestão e de dimerização poderiam ser considerados separadamente – já que em alguns casos não são exigidos do concessionário de IP – mas gozam de elevada complementaridade, por mostrarem baixa intensidade de capital e baixa probabilidade de obsolescência enquanto têm alta integração ao serviço de base.
A viabilidade técnica, contudo, não deveria ser o único direcionador para essa consideração na estruturação de contratos de parceria. Nem tudo cabe nos contratos de serviços de iluminação pública, mesmo com a ampliação do escopo da Cosip (Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública).
O que mais caberia no contrato de iluminação pública? Em primeiro lugar, deve-se preterir, nesta cesta de serviços, os que não são remunerados por disponibilidade, ou seja, que não guardam semelhança com o perfil de risco e remuneração da iluminação. As usinas solares fotovoltaicas de MMGD (Micro e Minigeração Distribuída), um candidato usualmente associado ao ambiente convergente, não parecem preencher exatamente esse requisito. Esses ativos apresentam alta intensidade de capex com relevante risco de obsolescência tecnológica pela evolução dos painéis e dos componentes que compõem o sistema. É preciso levar em conta também as mudanças e complexidades mercadológicas e regulatórias do setor elétrico, que exigem um acompanhamento especializado.
Em segundo lugar, é relevante identificar o potencial de aproveitamento dos excedentes da Cosip municipal, ou de ampliação de sua arrecadação, o que depende dos usos pretendidos e do ambiente político de cada município. É fato que, dada a limitação de arrecadação, a inclusão de serviços pode ser financiada por receitas garantidas de outras formas – como a tradicional vinculação de repasses do Fundo de Participação dos Municípios. É preciso, entretanto, avaliar se a inclusão desse segmento de receitas com garantia fora da Cosip aumenta a percepção de risco do projeto como um todo, assim como o impacto sobre o nível de comprometimento do fluxo do fundo municipal.
Nessa perspectiva, serviços que envolvem alto capex com elevado risco de obsolescência tecnológica disruptiva podem agregar riscos elevados ao contrato, aumentando o custo final da própria iluminação pública. Tendem, assim, a ser pensados separadamente em boas estruturações – evitando-se “forçar a barra” no empacotamento, como já se fazia em alguns casos anteriores à EC-132. A NT 001/2025 preconiza, por exemplo, sistemas de mobilidade urbana (56.1) como elementos fundamentais das políticas municipais de cidades inteligentes, mas muitos desses serviços listados na Nota Técnica devem ser vistos com cautela quando observados sob o ponto de vista da estruturação de um contrato cuja base é o serviço de iluminação pública. Por outro lado, os serviços dos sistemas de informações ambientais sobre poluentes e balneabilidade (56.3) e de monitoramento e difusão de parâmetros e informações que contribuem para a previsão de desastres naturais (56.4) apresentam características mais amigáveis ao escopo de base da IP.
O avanço dos municípios em direção aos serviços convergentes de cidades inteligentes depende, portanto, da escolha de bons desenhos contratuais das parcerias público-privadas, com escopos cuidadosamente planejados para o sucesso do conjunto de serviços. Em regra, na estruturação de novos contratos, os serviços finais é que devem ser pensados, em vez do simples foco na disponibilização de equipamentos.
O bom aproveitamento da estrutura de garantia oferecido pela Cosip, mesmo com a ampliação trazida pela emenda constitucional, pode ter alcance limitado. Apesar da ampliação, o cuidado em não agregar numerosos serviços de baixo capex, que poderia comprometê-la, deve ser estudado e aproveitado com sabedoria pelos municípios.
*Gabriel Piassarollo Garcia é sócio e líder da prática de Energy da Pezco Economics.
**Gabriel Fiuza de Bragança é sócio sênior e diretor-executivo da Pezco Economics.
***Frederico Araujo Turolla é sócio fundador da Pezco Economics.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.





