Por que Angra dos Reis (RJ) recusou R$ 700 milhões para fazer seu saneamento?


Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Uma cidade com 220 mil habitantes, habituada a fazer projetos de parceria com a iniciativa privada, decide recusar a garantia de pelo menos R$ 700 milhões de investimentos públicos nos próximos 20 anos para fazer o saneamento dentro de um projeto integrado de maior parte do estado.

Agora, poderá ter que sozinha cuidar de todo o investimento para coletar e tratar 97% do esgoto e chegar com água para os 10% da população que falta, possivelmente sem ajuda de recursos federais para cumprir a meta em um tempo menor, de 13 anos.

Parece uma decisão difícil, mas foi o que Angra dos Reis, um balneário turístico no sul do Rio de Janeiro, fez ao não aderir ao bloco de saneamento que está sendo preparado para a concessão dos serviços de água e esgoto das cidades fluminenses atendidas pela estatal estadual de saneamento, a Cedae.

Dos 64 municípios hoje atendidos pela companhia estadual, Angra e outros 16 não aderiram. Desconsiderando as nove cidades fora da região metropolitana, que têm um sistema diferente de adesão, o índice de não adesão foi de quase 30%.

Sistema de blocos
O sistema de blocos que o BNDES montou na modelagem das concessões de saneamento – a primeira foi leiloada na semana passada em Alagoas – é o modelo incentivado pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico. A tentativa é ter o maior número de cidades num só bloco e assim criar um formato em que lugares com menor viabilidade possam ser melhor atendidos por serem suportados por outros de maior, o chamado filé com osso.

Angra dos Reis, no caso, estava sendo subsidiada num bloco que teria uma região da capital fluminense, a AP 5, como uma espécie de garantidora. Nessa região da capital vivem 1,5 milhão de pessoas. Em todos os outros oito municípios do bloco inicialmente previsto, moram 600 mil.

A previsão era que Angra recebesse o maior investimento do bloco, atrás apenas da AP5, mas foi aí que começaram os problemas na visão dos gestores municipais. André Luiz Pimenta, secretário-executivo de Planejamento e Gestão Estratégica, e Alexandre Giovanetti, superintendente de Políticas Públicas, relataram que não é possível garantir que esse investimento será suficiente para atender a toda a população.

Eles explicaram que os dados que foram apresentados aos representantes da cidade nos encontros sobre o bloco Cedae referiam-se a estudos da Cedae, que hoje atende a apenas 10% da cidade. Os outros 85% abastecidos por uma empresa municipal e os 5% atendidos em sistemas próprios não estariam contemplados no projeto. O BNDES informa que o investimento era para toda a cidade (texto completo abaixo).

Desde 1982 sem contrato
A Cedae chegou na cidade em 1952, quando ela era praticamente uma vila de pescadores com cerca de 20 mil pessoas, para um contrato de 15 anos, renovável por mais 15 anos. Em 1982 acabou o contrato e também os investimentos, segundo os secretários.

A cidade cresceu, tem duas usinas nucleares e recebe milhares de turistas ao longo do ano. A Cedae ficou com o filé, a área central turística. Mas não dava conta de atender a periferia, cheia de áreas de morros, relatam os secretários. Por isso, foi criada a empresa municipal (SAAE) no início dos anos 2000. 

Como não há acordo entre as duas empresas que atendem à cidade, os secretários informaram que não há como avaliar quanto vai custar sanear a cidade até 2033 ou 2040, a depender do critério que seja usado.

“Não podemos validar os números deles”, disseram em entrevista à Agência iNFRA, lembrando que somente um estudo mais detalhado poderá avaliar o real custo do saneamento do município.

O município está na Justiça para encampar a área atendida pela Cedae, entendendo que todos os investimentos estão amortizados. E, depois disso, quer fazer sua própria concessão. Para isso, conta com três MIPs (Manifestações de Interesse) que já foram enviadas para análise.

Carteira de PPPs
Angra dos Reis tem seis processos de parceria com a iniciativa privada em andamento, um deles marcante para o setor – os projetos estão disponíveis neste link. O município decidiu fazer, ainda no início da pandemia de Covid-19, o leilão para a concessão da iluminação pública da cidade.

Mesmo com toda a insegurança do momento, o leilão foi bem sucedido e marcou a primeira licitação do setor na pandemia e o contrato deve ser assinado nos próximos dias. 

Pimenta e Giovanetti dizem que a cidade tem equipe qualificada e multidisciplinar para fazer as análises e seguir com o processo de parceria no saneamento em busca do objetivo que segundo eles é o principal: ter 100% da cidade atendida.

A cidade, porém, não sabe como vai obter os recursos para realizar a tarefa de universalizar seu saneamento. O prefeito da cidade, Fernando Jordão, que criou em seu primeiro mandato como prefeito a empresa de saneamento, disse que quer o BNDES como parceiro e ligou para o presidente do banco para explicar as razões da não adesão ao modelo. 

“Não fechamos as portas”, disse o prefeito.

Aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, que tem casa na cidade, Jordão afirma que a decisão de várias cidades têm relação com o abandono ao longo de anos que a empresa de saneamento estadual teve com os investimentos no interior.

“A Cedae nunca investiu em água em Angra. A Baixada também reclama. Não reclamo do atual governo em relação a isso. Foram todos”, disse Jordão.

BNDES: Meta de universalização seria atendida, mas independentemente de valor no estudo

Em nota à Agência iNFRA, o BNDES explicou que o projeto de concessão dos serviços de água e esgoto do Rio de Janeiro previa a universalização de cada uma das cidades atendidas, independentemente do valor de investimentos que consta nos estudos.

“O projeto desenvolvido prevê o atendimento dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em todas as áreas urbanas dos 64 municípios atualmente atendidos pela Cedae. No caso de Angra dos Reis, o projeto abrange toda a área urbana e não somente os 15% operados atualmente pela Cedae”, informa o banco.

Ainda segundo o texto, a previsão de investimento teve como base projetos de engenharia realizados para cada um dos 64 municípios “após visita de campo por consultoria técnica especializada”. A nota explica ainda que, independentemente do valor estipulado, o vencedor teria que executar os serviços.

“Cabe esclarecer que o valor projetado é referencial, cabendo ao futuro concessionário realizar suas próprias projeções para atender as metas de ampliação previstas em contrato. Portanto, independente do valor estimado, o futuro concessionário teria a obrigação contratual de realizar investimentos que garantissem o acesso a 99% da população urbana ao abastecimento de água e 90% ao esgotamento sanitário”, informa o texto.

Procurada, a Cedae não respondeu aos questionamentos da Agência iNFRA sobre a falta de investimentos na cidade e sobre a tentativa de encampação da concessão.

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