Opinião
27/10/2025 | 14h00

Por que atualizar a Lei 8.987 é urgente e crucial à eficiência nacional

Foto: Divulgação

Juliano Heinen*

A Lei nº 8.987/1995 (Lei Geral de Concessões de Serviços Públicos) foi um marco essencial para o desenvolvimento da infraestrutura no Brasil, ao instituir o regime de concessão e permissão. No entanto, o cenário econômico e regulatório de 1995 é substancialmente diferente do atual, dado o enorme amadurecimento do setor, o surgimento de mecanismos complexos como as PPPs (Parcerias Público-Privadas) – Lei nº 11.079/2004 – e a evolução jurisprudencial e doutrinária. Tudo isto demonstra que a legislação original se tornou insuficiente para conferir a segurança jurídica e a atração de capital necessárias para os projetos de infraestrutura do país.

Precisamos mudar esse cenário normativo, e rápido.

Para tanto, tramita no Congresso Nacional o PL (Projeto de Lei) que visa à alteração ou à consolidação da Lei nº 8.987/1995 (como o antigo PL nº 7.063/2017 e o atual PL nº 2.373/2025), ou seja, não se trata de reinventar o modelo, mas sim integrar, modernizar e detalhar o marco legal, buscando maior eficiência na gestão dos contratos e na prestação dos serviços.

Então, julgo que devemos conversar sobre os aspectos gerais das atualizações que se pretende à legislação brasileira de delegações de serviço público, fazendo a partir de dez destaques: 

1. Alocação e repartição de riscos: o art. 2º da Lei nº 8.987/1995 dispõe que a concessionária prestará o serviço “por sua conta e risco”. Vamos combinar que os contratos nunca foram assim construídos, porque uma série de deveres ou onerosidades futuras nunca foram e podem ser riscos atribuídos ao particular. Veja o caso mais paradigmático e até exagerado: os efeitos da inadimplência do Poder Público ou seu atraso em liberar áreas não poderiam ser suportados pelo privado. E convenhamos que essa era uma expressão que mais acolheu divergências do que pacificação, ou seja, dizia pouco ou dizia mal. 

O fato é que a legislação atual, de forma simplificada, atribui a maior parte dos riscos ao concessionário, resultando em tarifas mais elevadas e menor interesse de investidores, tendo em vista que os investidores sempre precificam o risco a eles atribuído. O Projeto de Lei propõe que o edital defina claramente uma matriz de riscos entre o Poder Público e o parceiro privado (incluindo eventos imprevisíveis como desastres climáticos), alinhando-se às melhores práticas internacionais e à Lei Geral de Licitações (Lei nº 14.133/2021, arts. 22 e 103). Portanto, o projeto concessionário deverá ser modelado a partir de uma distribuição ou alocação objetiva dos riscos, a qual deve ser clara, razoável e equilibrada, a direcionar as onerosidades futuras decorrentes dos riscos listados. Logo, quebra-se a ideia de que se presumem que as onerosidades futuras sempre sejam assumidas pelo particular, tendo em vista que pode ser até mais econômico uma lógica inversa. 

Com as alterações pretendidas, a distribuição dos riscos passa a ser um item estrutural e estruturante dos contratos de concessão, é dizer, não é possível admitir que o instituto seja construído de modo generalista ou presumido. Mas não só: a ideia de que os riscos devem ser atribuídos somente à concessionária também deve ser abandonada, para, em boa hora, customizar o tema de modo razoável, equilibrado e economicamente eficiente. 

2. Mecanismos de reequilíbrio econômico-financeiro: a falta de regras claras e céleres para o reequilíbrio tem sido fonte de litígios e paralisação de projetos. Por vezes, gestores negam-se a deferir reajustes por motivos abusivos e até ilegais, a fim de satisfazer seus interesses eleitoreiros. A proposta do novo marco busca regulamentar de forma mais precisa os procedimentos, prazos e métodos para efetivar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, com a participação obrigatória das agências reguladoras. 

Afinal, previsibilidade e segurança jurídica nunca são medidas demasiadas diante de cenários abusivos. Veja que a maior resiliência contratual reduz a probabilidade de paralisação ou colapso de projetos por falta de capital ou disputas, garantindo a continuidade e a expansão dos serviços públicos essenciais.

3. Consolidação normativa: o sistema normativo brasileiro já sistematiza e, em muitos casos, determina a integração entre legislações correlatas no tema das prestações de serviços públicos. E isso se dá implicitamente (caso do sistema de nulidades do art. 147 da Lei nº 14.133/2021) ou expressamente: basta ver a disposição do art. 186 da Lei nº 14.133/2021 a determinar a aplicação subsidiária da lei geral de licitações à Lei nº 8.987/1995. Na prática, isso acontece, e cito dois exemplos: a lei geral de licitações se “apropriou” de institutos clássicos das PPPs e concessões como o fornecimento e prestação de serviço associado, matriz de riscos, direitos da seguradora, garantias ampliadas etc. As licitações das concessões seguem a lei geral. Corretamente a proposta do novo marco das concessões pretende unir e harmonizar as regras de concessões comuns (Lei nº 8.987/95) e de PPPs (Lei nº 11.079/04), em total simbiose. 

4. Flexibilização de receitas e concessão multimodal: é pretendida a possibilidade de o objeto da licitação ser uma concessão multimodal (prestação de serviços e execução de obras conexas), o que inclui a associação de serviços e obras não afetos ao mesmo setor, desde que haja justificativa de eficiência econômica ou ganhos de escala. Ademais, o edital pode prever que receitas alternativas, complementares ou acessórias sejam auferidas, total ou parcialmente, pela concessionária, devendo-se dispor se essas receitas serão destinadas à modicidade tarifária ou à redução das obrigações de pagamento do poder concedente. A flexibilização e a busca por novas receitas incentivam a eficiência econômica e, potencialmente, resultam na modicidade tarifária ou na redução de custos públicos.

Vamos a um exemplo de concessão multimodal: o objeto da licitação não é apenas a linha de metrô, mas também o direito de explorar comercialmente os espaços integrados às estações, como terminais rodoviários interligados, estacionamentos e, principalmente, empreendimentos imobiliários (serviço e obra não afetos ao setor de transporte) sobre ou ao lado de estações-chave. A justificativa é o ganho de escala e a eficiência econômica de ter a mesma concessionária gerindo a infraestrutura e a exploração comercial. O edital pode, assim, estabelecer que a concessionária aufira as receitas do metrô (tarifa) e as receitas acessórias/alternativas da exploração dos espaços comerciais e imobiliários (aluguéis, publicidade etc.). O instrumento convocatório ainda poderia obrigar que 70% dessas receitas alternativas (lucro dos shoppings, aluguéis de escritórios etc.) sejam destinadas à modicidade tarifária, permitindo que o valor do bilhete do metrô (tarifa) seja X, em vez de 1.5X. Os 30% restantes ficam com a concessionária como incentivo à busca por eficiência. Neste exemplo, a integração de setores (transporte + mercado imobiliário/varejo) e a destinação de parte das receitas não tarifárias garantem a viabilidade econômica do projeto e beneficiam diretamente o usuário do metrô com tarifas mais baixas.

5. Aporte de recursos em concessões: o poder concedente é autorizado a realizar aporte de recursos em favor da concessionária para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis. Esse aporte, que pode ser em dinheiro ou bens, deve estar vinculado ao cumprimento de metas de resultado, sendo medido e pago conforme a execução de etapas do cronograma físico-financeiro. Esta previsão viabiliza a modernização, aperfeiçoamento e ampliação de equipamentos e instalações, fortalecendo o instrumento da concessão.

6. Acordo tripartite e financiamento: o acordo tripartite entre poder concedente, financiadores/garantidores e concessionária, com o objetivo de assegurar a plena execução do contrato e a preservação dos interesses dos financiadores. O acordo pode prever as condições para a administração temporária ou assunção de controle pelos financiadores, sendo que essa administração temporária não acarretará responsabilidade aos financiadores/garantidores por obrigações ou tributos anteriores da concessionária. Ao reduzir o risco para os financiadores e garantidores, essas alterações incentivam novos investimentos.

7. Disciplina do reequilíbrio econômico-financeiro: é estabelecido o prazo de cinco anos para a prescrição da pretensão de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, contado a partir do início do evento causador do desequilíbrio. O texto impõe deveres de probidade e boa-fé a todos que participam do procedimento de reequilíbrio, prevendo a aplicação de multa de 1% a 10% do valor do pedido para quem formular pretensão destituída de fundamento ou praticar atos inúteis. Com isto, cria-se uma camada de segurança jurídica ao limitar o tempo para pleitos de reequilíbrio e combate o abuso do direito ao impor sanções por má-fé.

8. Intervenção e caducidade acelerada: a intervenção na concessão é delimitada para assegurar a adequação na prestação do serviço em caso de risco aos usuários, ao meio ambiente ou descumprimento grave do contrato. É concedido um prazo de 60 dias aos acionistas para apresentar um plano de recuperação. Caso o plano seja rejeitado ou não apresentado, o poder concedente pode instaurar imediatamente a caducidade, dispensando o prazo para correção de falhas. Esta regra visa a assegurar a continuidade dos serviços, acelerando a substituição da concessionária (caducidade) quando a recuperação se mostra inviável.

9. Extinção da concessão e relicitação: o projeto inclui a relicitação e o acordo entre as partes como novas hipóteses de extinção do contrato de concessão. A relicitação é um procedimento para a celebração de um novo ajuste negocial, pretendendo assegurar a continuidade da prestação dos serviços quando a concessionária demonstrar incapacidade de adimplir obrigações. Com isto, são oferecidos mecanismos legais e menos litigiosos para reestruturar contratos em crise, garantindo que a população não fique sem serviços essenciais.

10. Novos critérios de julgamento: o texto introduz novos critérios de julgamento nas licitações de concessão, permitindo que sejam adotados, isolada ou conjuntamente, critérios como o menor aporte de recursos pelo poder concedente, o menor prazo para exploração do serviço, e o maior percentual da receita destinada à modicidade tarifária. Também é previsto o critério da maior quantidade de obrigações de fazer, desde que não utilizado isoladamente. Estes critérios conferem maior grau de adaptabilidade dos projetos concessionários às necessidades públicas, e maior flexibilidade ao poder concedente para escolher a proposta que maximize o benefício público.

Por tudo o que foi dito, fica fácil perceber que a modernização da Lei de Concessões trará ganhos de eficiência que se traduzem em benefícios diretos para o Estado, o mercado e o cidadão. Em síntese, o Projeto de Lei não é apenas uma atualização técnica, mas um imperativo de desenvolvimento, porque pretende transformar um ambiente jurídico que se tornou excessivamente litigioso e inseguro em um ambiente de negócios moderno e previsível, essencial para destrancar o potencial de investimentos privados em infraestrutura. Ao otimizar a relação risco-retorno e garantir a estabilidade contratual, o Brasil angariará a eficiência necessária para oferecer serviços públicos com a atualidade, regularidade e modicidade tarifária que a população exige.

*Juliano Heinen é diretor jurídico estatutário na Iguá Saneamento. Consultor e advogado na área de infraestrutura, concessões e PPP.

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