Leila Coimbra, da Agência iNFRA
O diretor-geral da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), André Pepitone, acredita que seu principal desafio será fazer com que o setor elétrico retome a confiança no órgão regulador. Para ele, alguns dos problemas da área são de competência regulatória e podem ser resolvidos diretamente ali.
“O pior cenário é quando o agente vai procurar a solução para os problemas do setor no Congresso Nacional ou no Judiciário e não aqui na ANEEL, que é a casa da regulação”, disse Pepitone em entrevista exclusiva ao iNFRAEnergia, da Agência iNFRA, que comemora um ano.
Há um mês no cargo, Pepitone defendeu a retomada de grandes projetos hidrelétricos com reservatórios, que na visão dele podem ter seus impactos socioambientais mitigados a partir de uma maior interação com os órgãos envolvidos desde o inventário.
“A novidade agora é promover essa discussão do ponto de vista integrado. Promovendo uma grande discussão e mostrando os benefícios a todos”, disse ele em sua primeira entrevista exclusiva desde que tomou posse. A seguir, os principais trechos da conversa:
Qual o primeiro item da sua agenda à frente da ANEEL?
A primeira coisa, o primeiro desafio, é resgatar a confiança do setor na agência. É importante destacar que eu assumi há um mês, e o ambiente de interação do setor está um pouco fora da sua normalidade. Isso afeta as relações de confiança entre os agentes. Precisamos de medidas concretas e com foco na solução dos problemas.
Eu diria que são três os pontos cruciais, prioritários da agenda, e o principal deles é achar uma solução para o GSF (risco hidrológico). O segundo ponto é reequilibrar o MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), que hoje está desequilibrado; e o terceiro ponto é a questão das tarifas. A ANEEL tem a função de anunciar a tarifa, então fica com a agência todo o ônus do processo tarifário. Temos que buscar ações e medidas para contribuir concretamente com a redução dessas tarifas.
Como pretende resgatar a confiança do setor?
O pior cenário é quando o agente vai procurar a solução para os problemas do setor no Congresso Nacional ou no Judiciário e não aqui na ANEEL, que é a casa da regulação. Com o resgate da confiança do setor na agência poderemos iniciar esse ciclo virtuoso, para a retomada da normalidade que é fundamental para o saneamento dessas questões estruturais que nós estamos vivendo.
Sobre o GSF, há uma emenda ao PL (projeto de lei) 77/18, que propõe uma solução para o problema e tramita no Congresso…
A expectativa é que o projeto seja votado no dia 9 de outubro. Mas nós também temos iniciativas aqui do ponto de vista da regulação que não precisam de lei, que não precisam de decreto, e sim de um mero acordo do setor.
Além disso, sabemos que a emenda que tramita no Legislativo propõe uma solução para o passado, e o problema também precisa ser corrigido daqui pra frente. Nós já estamos atentos a isso.
O atraso nas linhas de transmissão, a antecipação de garantia física de usina estruturante, a questão de como quantificar a importação de energia e a geração fora da ordem de mérito, que ocorreu a partir de 2013, estão sendo tratados.
Agora, se não fizermos nada para resolver daqui para frente, em dois anos nós vamos estar diante da mesma situação, sentados nessa mesma mesa com esses mesmos números.
Então como resolver o futuro?
Estamos desenvolvendo com a nossa área técnica, conversando com o Ministério de Minas e Energia e a CCEE, e passa pelo reequilíbrio estrutural do MRE. E afeta a forma de contratar a energia, se é contrato por disponibilidade, ou o contrato por quantidade, que é remunerado pela quantidade que o agente gera. A forma como o sistema está sendo despachado impacta em grande medida também nessa questão.
Mas qual seria exatamente a proposta?
Assim que desdobrar esses trabalhos a gente conversa depois.
Na sua avaliação muitos dos problemas do setor não precisam de mudança na legislação para serem resolvidos?
É claro que existem medidas que precisam de lei. Ou seja: tem que haver a discussão com o Congresso Nacional. E tem ações que precisam do Ministério de Minas e Energia, o poder concedente, via decreto.
Mas existem ações imediatas que do ponto de vista regulatório dá pra gente buscar uma solução. Eu já te digo de imediato uma ação que está no âmbito da competência regulatória: a questão dos subsídios.
Se você olhar a conta de luz, considerando os impostos também, 40% é compra de energia e 12% são os subsídios. Essas são as duas maiores parcelas da conta de luz.
Quando eu faço a análise sem imposto, sem PIS/Cofins e ICMS, a parcela de energia corresponde a 48% e a parcela do subsídio por 16%. Então a gente tem que atacar essas duas frentes.
O que pode ser feito em relação aos subsídios?
Essa conta é elevada e vem crescendo nos últimos tempos. Um quarto do valor dos subsídios é para a área rural, e hoje temos um cadastro que precisa de atualização, precisamos saber se quem está lá faz jus ao recebimento do subsídio. Para você ter uma ideia, de 2017 para 2018 teve um aumento de 13% no valor do subsídio para a área rural.
Então, uma atuação da ANEEL que pode ter efeito imediato é exigir esse recadastramento. E será exigido a partir de 2019. Já houve o recadastramento do baixa renda, nós fizemos isso recente. Também devemos ter um recadastramento dos que têm o benefício para a irrigação e a aquicultura.
E os subsídios para as fontes de geração, qual o impacto?
Fontes incentivadas é uma outra discussão importante. Existem dois descontos. Um é o da fonte, que paga a tarifa-fio de geração. Isso em 2017 representou R$ 236 milhões e em 2018 subiu para R$ 258 milhões.
E o outro desconto da fonte incentivada, que a lei confere, é para quem compra dessa fonte, que também faz jus a 50% de desconto. E esse segundo desconto é o que está se revelando por demais elevado.
Aí, temos que perguntar para a sociedade, para os parlamentares, se a concessão desse subsídio ainda faz sentido. Hoje ele está garantido em lei, mas quem paga é a sociedade.
Qual o impacto em termos financeiros desse subsídio para o consumidor de fonte incentivada?
Em 2017 representou R$ 1,8 bilhão e em 2018 subiu para R$ 2,9 bilhões, um aumento de 57,6%. Esse valor é rateado por todos os brasileiros e tem potencializado o crescimento da tarifa de energia.
Chegou a hora de apresentar esses números para a sociedade e promover a discussão. O subsidio para estimular uma fonte a entrar na matriz é natural e razoável para o momento. Mas quando a tecnologia está madura, será que é necessário esse subsídio?
É importante colocar o desconto da fonte em questão porque hoje a tarifa de fio é calculada de uma maneira simplificada. Então a fonte de geração, como ela conecta numa tensão mais elevada, ela usa pouca rede, então a tarifa dela é baixa. Já o consumidor, que conecta na baixa tensão, usa bastante a rede então por isso que a tarifa dele é muito elevada.
Essa diferença entre pouco uso e muito uso da rede justifica a diferença dos valores: de R$ 258 milhões para R$ 2,9 bilhões. E com o avanço dessas fontes incentivadas no mercado livre, que tendem a expandir cada vez mais, a gente não tem o controle sobre isso.
Com a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas, há a necessidade de mais geração térmica. Dessa forma o peso da compra de energia na tarifa tende a ficar mais caro?
A geração ultimamente avançou com fontes intermitentes. E com esse cenário hidrológico desfavorável, a gente está precisando das térmicas.
Nós temos um parque térmico contratado com CVU (Custo Variável Unitário) elevado. Então seria uma boa política pública buscar a contratação de térmica, até para conviver com a intermitência que está cada vez maior, com o CVU baixo.
É uma ação importante do ponto de vista do planejamento: em vez da gente ficar contratando energia, a gente fazer a conta de trás para frente: eu pego a tarifa de energia, vejo o valor que quero chegar e diante desse valor eu faço o planejamento com as fontes que podem atender àquele valor.
Como você enxerga a participação da fonte hidrelétrica na matriz nacional, que vem perdendo espaço ao longo do tempo? Além da crise hídrica, os últimos grandes projetos hidrelétricos como os do Rio Madeira e Belo Monte têm problemas financeiros…
De todo o potencial hidráulico existente no país, nós exploramos apenas um terço. Tem um terço que não pode ser explorado por ser reserva indígena ou área de preservação ambiental. E o outro terço, que seria a fronteira a ser explorada, está todo na Amazônia.
Tivemos três projetos que abriram a fronteira da exploração na área amazônica. Esses projetos – Rio Madeira e Belo Monte – são extremamente exitosos do ponto de vista da engenharia.
Agora, a modelagem financeira desses projetos é desequilibrada. Belo Monte fez a repactuação do risco e está em um cenário melhor, mas as usinas do Madeira sofrem um desequilíbrio. No caso de Santo Antônio, estão com um desafio: conseguiram um aceno de reperfilamento da dívida pelo BNDES e agora têm uma decisão de conselho a ser tomada.
Há espaço na matriz energética nacional para a retomada da construção de usinas hidrelétricas com grandes reservatórios?
A gente entende que as usinas com reservatórios têm papel importante para o Brasil. E dentre os benefícios das hidrelétricas de grande porte a gente destaca a geração de empregos; o custo baixo de geração; a longevidade das instalações civis e eletromecânicas, que exigem apenas eventuais recapacitações, e o fato de que mesmo após a amortização dos investimentos as usinas continuam a produzir por baixo custo.
Se de um lado existem questões como as áreas de preservação ambiental e reservas indígenas, por outro lado o processo decisório que conduz a implantação dos projetos hidrelétricos evoluiu bastante em relação à transparência e a participação da sociedade civil organizada.
Então o desenvolvimento de hidrelétricas de médio e grande porte evoluiu bastante. O desenvolvimento de São Luiz do Tapajós (hidrelétrica de grande porte que teve o licenciamento recusado pelo Ibama) a gente entende que deve haver um grande debate com a sociedade mostrando todos os benefícios dessa fonte para a região.
A gente quer interagir com os órgãos ambientais desde o inventário, para mitigar os impactos. Buscar os pontos críticos na fase inicial e minimizar os problemas para viabilizar o investimento. A novidade agora é promover essa discussão do ponto de vista integrado. Promovendo uma grande discussão e mostrando os benefícios a todos.