Roberto Rockmann*
Cerca de R$ 50 bilhões em investimentos para colocar em operação projetos com 7 GW (gigawatts) de potência instalada de usinas eólicas estão à espera de resolução do impasse em relação à falta de conexão na rede de transmissão. Isso ocorre em meio à corrida de ouro das renováveis, provocada pela lei 14.120, que concedeu descontos na tarifa de transmissão para projetos com outorga até 2 de março de 2022.
Boa parte desses projetos está com contratos de longo prazo de energia vendidos, já tem acordos assinados com fornecedores de máquinas e equipamentos e conta também com financiamento de bancos, mas hoje está com cronograma incerto em razão de o acesso à rede estar limitado diante da enxurrada de pedidos. Cerca de 200 GW em projetos foram solicitados em razão dos subsídios concedidos até 2 de março de 2022.
Esses 7 GW em projetos eólicos estão com cronograma adiantado e poderiam avançar com a devolução de empreendimentos que têm outorga, mas não têm condição de colocar o parque de pé ou têm interesses especulativos.
Resolver essa questão é prioridade na agenda de curtíssimo prazo da presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologia), Elbia Gannoum, que deve se reunir com o diretor geral da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), Sandoval Feitosa, nesta semana em Brasília. Nas contas da entidade, outros 7 GW de projetos que entraram na corrida não têm condições ser operacionais.
Uma ideia presente seria realizar “uma limpeza de base”. A proposta é que os projetos com CUST (Contrato de Uso do Sistema de Transmissão) assinados e que não conseguiriam entrar por qualquer razão fossem devolvidos pelos empreendedores sem cobrança de penalidade pela ANEEL. Aí seria liberada margem de escoamento para os projetos com condições de entrar nesse período, como os 7 GW de eólicas em estágio avançado.
A realização de um leilão reverso em que projetos pudessem ser descontratados é inspirada em um passado recente. Foi feita no governo Temer, mas se referia a projetos de geração em um momento em que o setor vivia uma sobreoferta de projetos. Agora o calcanhar de aquiles é a transmissão.
Esse hoje é um dos grandes problemas a serem resolvidos no setor elétrico. Para ter uma ideia, o país levou mais de 100 anos para chegar a 200 GW de capacidade, o mesmo montante que foi solicitado de projetos na corrida de ouro das renováveis. Isso leva preocupação entre advogados de que uma judicialização possa se alastrar. A lei estipulou que, para obter o desconto na conexão, os empreendimentos deveriam pedir a outorga até 2 de março de 2022 e teriam o prazo de 48 meses para se tornarem operacionais.
Hoje há empresas com liminares para não pagar CUST, há projetos que têm recebido parecer de acesso do ONS (Operador Nacional do Sistema) com restrições e entrada a depender de obras de expansão futuras de transmissão ou a serem ainda licitadas. Já a ANEEL ampliou a fiscalização sobre o andamento das obras e tem sido rígida sobre mudanças nos empreendimentos. Isso tem levado a questionamentos administrativos e a consultas de empresas em relação à saída judicial por conta da dificuldade de acesso à conexão.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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