Regulação por incentivos pode ser caminho para financiar investimentos em resiliência das redes

da Agência iNFRA

A regulação por incentivos pode ser o caminho para ajudar no financiamento da mitigação e recomposição de redes de energia diante de eventos climáticos extremos. Trata-se de um modelo que vem sendo adotado em vários países do mundo, como forma de incentivar as empresas a investirem na resiliência das redes e a terem recursos extras para fazer esse enfrentamento.

“Eventos grandes não podem ser previstos, então é importante que as empresas tenham um financiamento adicional quando for preciso. Tem que existir uma combinação do financiamento anterior, para o investimento em resiliência, e um financiamento quando necessário para apoiar os esforços extras das concessionárias depois dos eventos”, afirmou Grant McEachran, diretor de Assuntos Regulatórios da S&C Electric Company, do Reino Unido, no encontro “Eventos Climáticos Extremos: Experiência Internacional e Impactos nas Redes de Energia Elétrica”, que foi realizado na última quarta-feira (11), em Brasília (DF), pela Agência iNFRA e o Instituto Abradee (assista à íntegra neste link).

Durante o painel “Impactos, mitigação e recomposição de redes diante de eventos climáticos extremos”, McEachran disse que há várias formas no mundo de se medir a resiliência nas redes, mas que as entidades de regulação de vários países têm lidado com o tema de forma semelhante.

Experiências internacionais
Ele citou o exemplo do Reino Unido e da Austrália, onde os órgãos reguladores publicaram orientações e medidas em casos de eventos extremos que afetam o setor elétrico, como a necessidade de planejamento prévio, formas de financiamento dos investimentos em resiliência e reforço na comunicação antes, durante e depois de cada ocorrência.

Como resultado, houve 55% de redução no indicador de frequência de interrupções no Reino Unido e de 62% de queda na duração das interrupções. “Parte disso se deve ao nosso arcabouço regulatório, com incentivos pelos resultados das empresas, que foram premiadas por uma performance excelente para ter a melhoria”, afirmou McEachran.

O diretor da S&C Electric Company destacou que o foco da regulação precisa ser o cliente, dando-lhe confiabilidade de atendimento. “O que vemos é que as ameaças climáticas são diferentes em cada país, mas as respostas geralmente são parecidas. A regulação tem um papel a desenvolver em cada um deles, e no caso do Brasil é preciso considerar a realidade local e as próprias dificuldades de resiliência do país.”

Outra experiência estrangeira citada foi a dos Estados Unidos. Michael Spoor, ex-vice-presidente da Florida Power, voltou a mencionar a experiência no país, que desenvolveu redes de assistência mútua, em que várias empresas prestadoras de serviços essenciais, as chamadas utilities, compartilham pessoal e equipamentos em caso de eventos extremos com companhias da mesma região geográfica.

“Uma das coisas interessantes que a indústria tem nos EUA é esse aspecto de assistência mútua. Se olharem para a minha empresa, nunca tivemos recursos para responder a esses eventos maiores. O que facilitou é que todas as utilities reconheceram a importância de se ajudar dentro desse esforço”, explicou.

No caso norte-americano, não há nenhum ressarcimento financeiro às empresas por essa cessão, por se considerar um trabalho de solidariedade, segundo Spoor. “Não é para poder ter lucro, a empresa cobre tudo isso para fazer esse apoio e não tem nenhum tipo de reembolso para fazer essa ajuda. É ajudar hoje sabendo que pode precisar de ajuda amanhã”.

No Brasil ainda não há uma regulamentação sobre o compartilhamento de equipes, o que não impediu as distribuidoras brasileiras de já adotarem iniciativas de cooperação mútua. O assunto está em debate pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), por meio da CP (Consulta Pública) 32/2024. As primeiras experiências no país foram vistas neste ano, com a cessão de equipes de várias distribuidoras para auxiliar na recomposição das redes do Rio Grande do Sul após as enchentes de maio.

União Europeia
O coordenador-geral do Gesel/UFRJ (Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Nivalde de Castro, também defendeu a regulação por incentivos, com reconhecimento tarifário de parte dos custos desses investimentos nas redes, como um modelo que pode ser seguido no Brasil.

Castro citou os exemplos da Itália, que foi o primeiro país da União Europeia a tomar medidas sobre a resiliência das redes, e de Portugal, que adotaram o modelo de regulação por incentivos aliado à busca por modicidade tarifária.

“A nível da experiência italiana, eles colocaram na regulação um plano de investimento que contemplava um plano de resiliência, em que você é remunerado por evitar o efeito do impacto do evento climático extremo. Se a distribuidora conseguir evitar, recebe esse incentivo tarifário. Se o evento afetar o serviço, ela tem até 72 horas para recompor”, explicou.

“Isso é regulação por incentivo, em que as empresas evitam ao máximo que um evento extremo afete a sua rede, e faz isso através de investimentos prévios, e que, caso ocorra, busca-se resolver rapidamente”, defendeu Nivalde de Castro.

Ele ressaltou que no resto da União Europeia ainda não há um consenso sobre quais os procedimentos específicos a serem tomados nesses casos, mas que há um entendimento geral de que os custos e prejuízos da recomposição das redes não podem ser totalmente suportados pelas distribuidoras.

Penalidades podem ser ineficientes
Walmir Freitas, professor do Departamento de Sistemas e Energia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), acredita que o modelo com incentivos traz mais resultados do que a regulação por penalidades, o que, segundo ele, pode começar a criar outros problemas no setor elétrico.

“Criar uma regra de penalidade não vai resolver o problema. É algo temerário. A penalidade, ela tem sim que existir para os casos mais extremos, tem que ter um limite. Mas não é por aí que vamos resolver tudo. O caminho é o incentivo. Só assim as empresas poderão investir em tecnologia”, afirmou.

Freitas diz que é preciso ter um arcabouço nacional que trate do tema desde já, o que trará resultados apenas no médio e no longo prazo. Além disso, ele defende uma maior transparência e diálogo com a sociedade sobre a dificuldade de recompor as redes, sobre o modelo de árvores usadas nas cidades ou mesmo sobre a inviabilidade financeira de projetos como o de enterramento de fios.

“Eventos extremos demandam soluções extremas. A gente tem que fazer planejamento, precisa de investimento tecnológico, mas no Brasil a gente ainda faz mal a própria comunicação. Nós não comunicamos à sociedade o quão difícil é fazer esse trabalho. Isso tudo precisa mudar.”

De acordo com o CEO do Grupo Energisa, Ricardo Botelho, considerando as dimensões continentais e as desigualdades socioeconômicas do Brasil, é um desafio evoluir na regulação para ter um equilíbrio entre o investimento para aumento da resiliência de forma conjugada com a modicidade tarifária. Mas há caminhos.

“Nenhuma calamidade é igual. Isso precisa ser levado em consideração quando a gente discute com o regulador. Temos que observar prudência para não impor soluções regulatórias que não levem isso em consideração. Quando vemos regulamentos propostos com condições e prazos inexequíveis, é preciso ter muita cautela. É preciso pensar em soluções que sejam adequadas”, disse o executivo.

Botelho afirmou ainda que o desafio dos eventos climáticos extremos requer colaboração de todos e que o segmento de distribuição é apenas uma parte dessa solução. “Isso é uma jornada, uma jornada longa, que tomou 20 anos no caso da Flórida. Não é algo que se faz do dia pra noite. Portanto, a gente precisa pensar nisso com cuidado e ter em mente que podemos melhorar, mas que não tem dinheiro no mundo que faz uma rede ser 100% à prova de catástrofe.”

Arborização e previsão climática
As concessionárias de energia elétrica devem estar inseridas nos debates sobre cidades arborizadas, apesar de não serem as responsáveis pelo manejo arbóreo em regiões urbanas. A conclusão é dos participantes do painel “Desafios e possibilidades para centros urbanos em eventos climáticos extremos”.

Sérgio Brazolin, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do estado de São Paulo, destacou a necessidade de um trabalho conjunto entre os ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. Se por um lado o governo federal lançou em junho deste ano o programa Cidades Verdes Resilientes, por outro, discute-se no setor elétrico se há necessidade de suprimir árvores para evitar quedas sobre redes de energia em eventos extremos, afirmou o especialista. “Arborização tem que ser discutida também como uma questão para manutenção da rede elétrica”, destacou o especialista.

Brazolin apontou que as concessionárias de energia podem atuar junto ao poder municipal pensando em um plano de manejo preventivo integrado com as prefeituras. “Se as concessionárias não estiverem juntas na construção de políticas de arborização urbana, está errado”, afirmou.

Além disso, ponderou que é possível que as distribuidoras invistam em tecnologias, como automatização de inventários, para indicar à gestão urbana árvores que precisam de atenção. “Não é função das concessionárias cuidar da arborização, mas têm que ser parceiras e podem fazer investimentos e pesquisa aplicada.”

Conciliação de infraestruturas
Rose Hofmann, sócia da Deltainfra Consultoria e consultora legislativa na Câmara dos Deputados, apontou para a necessidade de conciliação das chamadas “infraestruturas cinzas”, de concreto, com as “infraestruturas verdes”, as árvores.

No seu entendimento, o momento é oportuno para unificar uma política nacional que trate da arborização e determine funções, com obrigações e responsabilidades, para os diferentes atores envolvidos na gestão das árvores.

Hofmann destacou que existem projetos de lei no Congresso Nacional que visam definir objetivos, diretrizes, compartilhamento de atividades, “quem faz o quê”, tanto em momentos de condições normais quanto em momento de crise. Segundo ela, a preocupação com o manejo arbóreo e resiliência das redes também perpassa o Poder Legislativo, mas é preciso subsidiar os parlamentares  com informações para a tomada de decisão.

“O parlamento reage quando coisas catastróficas acontecem buscando dar uma resposta para a sociedade”, disse a palestrante.

Um dos pontos levantados pela vice-presidente de Regulação, Institucional e Sustentabilidade da Neoenergia, Solange Ribeiro, foi a necessidade de indicar a atuação de cada ente em momentos de crise: “Não é só o diagnóstico e o planejamento. A gente tem que ir até a questão da solução da crise. Quando a crise se estabelece, como é que entram os vários entes?”.

Dados meteorológicos
Também presente no painel, o meteorologista Pedro Regoto, do Climatempo, destacou a necessidade de se investir mais em produção de dados no país, para aumentar a acuracidade das previsões climáticas. Isso permite um maior preparo das distribuidoras para atuarem em eventos extremos.

“Quanto mais dado eu tenho, melhor eu treino meus modelos e mais acuracidade eu tenho”, disse o especialista. “A gente precisa de todas as formas estar juntos porque a meteorologia anda lado a lado com o setor elétrico.”

Regoto destacou que existe um gargalo no país quando há instalação de radares meteorológicos, que são as principais ferramentas hoje para alimentar as previsões, segundo afirmou. “Dados de um radar de meteorologia não dão informação só de chuva, mas de granizo, de eventos de média escala, que são os que derrubam linhas de transmissão e distribuição, de tornado. É uma ferramenta muito poderosa”, destacou.

O especialista destacou ainda a importância da atuação do profissional meteorologista para interpretar todo o conjunto de informações disponíveis e emitir previsões mais precisas.

Também foi mencionada a necessidade do trabalho de meteorologia antes, durante e depois dos eventos climáticos extremos. Além das previsões mais assertivas, Regoto afirmou que há necessidade de monitoramento das tempestades, por exemplo, “onde se formou e para onde vai”, e o pós-evento para a recuperação das infraestruturas afetadas.

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