Reservatórios do Sudeste podem terminar o período úmido com até 90% do volume, diz ONS

Roberto Rockmann1

Com chuvas boas a partir dos últimos dias em todo o país, o cenário para o país encerrar o período úmido é positivo. Do jeito que estamos operando, as projeções da EAR (Energia Armazenada) para o final de abril de 2023 indicam que, no melhor cenário, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste estarão com 88% e 47% nos dados atuais, conforme a revisão feita no CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) de dezembro, diz o diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Luiz Carlos Ciocchi, que aponta que o cenário de abundância traz outros desafios para a operação.

Ele aponta, porém, que o cenário de abundância traz outros desafios para a operação. Em paralelo, o ONS tem discutido com o segmento de GD (geração distribuída) solar e o Inmetro a padronização de conversores (que transformam a luz solar em energia), de forma a evitar problemas como os ocorridos na Europa em que a falta de uniformização e o avanço da tecnologia levaram a blecautes.

Ciocchi destaca ainda, em entrevista à Agência iNFRA, que em 2023 um dos temas mais relevantes será a conexão dos geradores à rede básica. A seguir, os principais trechos da conversa:

Agência INFRA – Ano passado foi a gestão da escassez em uma estiagem histórica. Agora são reservatórios no nível mais elevado em 11 anos. Como está o cenário para os próximos meses?
Luiz Carlos Ciocchi – Ano passado, em 16 de dezembro, as chuvas tinham começado, houve uma antecipação e isso deu uma diferença importante. Neste ano, as chuvas começaram no fim de outubro, mas não uniforme. Choveu muito no Sul primeiro, depois teve bastante chuva no Nordeste, o Norte começou a reagir por último e o Sudeste teve uma reação melhor nesta última semana. Resumo: não é nenhuma chuva excepcionalmente boa, mas boa. Do jeito que estamos operando, as projeções da EAR [Energia Armazenada] para o final de abril de 2023 indicam que, no melhor cenário, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste estarão com 88% e 47% nos dados atuais, na revisão feita no CMSE de dezembro.

A perspectiva para 2023 é boa então?
Sim, bastante positiva, apesar de que o período chuvoso é sempre imprevisível. Dá para atravessar sem grandes problemas.

Sem acionamento de térmicas?
Até porque, mantidas as condições do conflito da Ucrânia e Rússia, o preço e a disponibilidade da molécula serão fatores muito complicados em 2023. Vários atores que trouxeram GNL [gás natural liquefeito] nos últimos anos no Brasil terão oportunidades na Europa, porque esse GNL está valendo ouro por lá.

Em 2024, tentar prever como estará seria chute demais?
Sem dúvida, não se sabe como será a solução da crise entre Ucrânia e Rússia, como será o inverno agora.

Como está o desafio de operar com reservatórios cheios e trabalhar com as hidrelétricas com defluências mínimas menores, o que pode por exemplo ter impacto sobre peixes em algumas bacias?
Quando você tem uma crise pela falta, a sociedade e os agentes têm um sentimento de solidariedade. Quando se faz a gestão da abundância, não há esse sentimento, é uma questão psicológica. Os reservatórios vieram antes da eletricidade, para regularização de cursos d’água. Quando se precisa, por alguma razão, aumentar as vazões desses reservatórios, em muitos casos se veem esses cursos já bastante diferentes dos originais. Isso faz com que, quando se aumentam as vazões, pode se deparar com vários problemas. Há questões como afluências de hidrelétricas como Jupiá, Ilha Solteira, impacto sobre peixes.

No rio São Francisco, a diferença de vazões pode ter impacto sobre comunidades ribeirinhas à jusante. Trabalhar com isso é difícil, há inflexibilidades hidráulicas trabalhadas com a ANA [Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico] e o trabalho tem sido muito bem coordenado e dado certo. É uma preocupação.

Estão sendo feitas consultas públicas com a ANA sobre defluências mínimas e esses pontos?
 A ANA acabou de concluir uma consulta pública sobre a bacia do rio São Francisco. Está sendo concluída uma sobre as bacias dos rios Grande e Paranaíba. O trabalho é feito em cooperação para garantir a boa administração dos recursos hídricos. Quanto mais armazenar, melhor.

Há uma discussão com o setor de GD (geração distribuída) solar sobre padronização de inversores (que transformam a luz solar em energia). Como está isso?
Primeiro, temos de falar sobre porque isso ocorre. Imagina que tem uma casa com painel fotovoltaico, ele injeta energia na rede, há uma alteração de frequência, a casa então passa a consumir, mas não injeta. Se isso ocorre em cascata, vêm milhares com o mesmo problema.

Na Europa, dois blecautes ocorreram por causa disso. Para minimizar esse ponto, começou-se a discutir com a GD solar e o Inmetro para padronizar os conversores, muitas vezes é software e ele pode padronizar isso, pode bloquear essa cascata. Fabricantes entenderam a situação. Estão trabalhando para que as próximas gerações venham com esse software. Se esse usuário estiver com a internet, alguns fabricantes dizem que eles podem fazer a instalação nos aparelhos e fazer a atualização.

Já há números de quanto fizeram essa padronização? Haverá uma mensuração?
Não tem essa mensuração de forma centralizada. As distribuidoras têm algumas coisas, porque sabem de algumas instalações que vendem energia, mas não há um levantamento geral.

Mas será preciso fazer um, para avaliar se há um problema?
Sim, será importante.

O Legislativo tem tido papel importante nas políticas do setor, como por exemplo na contratação de térmicas na lei que autorizou a capitalização da Eletrobras. Também se discute projeto que pode ter impacto sobre a GD solar. Como fica a cabeça do Operador?
Mesmo que o legislador tenha a melhor de suas intenções, como fomentar o uso do gás em áreas em que não há consumo, cria-se uma complexidade muito grande. Não estava nos planos da EPE [Empresa de Pesquisa Energética]. Não havia demanda para essa energia. Essa energia terá de ser transmitida, ou reforços ou ampliações da rede de transmissão, itens que custam muito. Quem irá pagar? A maior parte será o consumidor cativo. No leilão de 2 GW neste ano, não houve contratação de mais de metade, o mercado respondeu. Como será a demanda para o resto? Como vai ser a resposta do mercado? É uma boa pergunta. O nível de sobrecontratação das distribuidoras ainda é grande. Provável que não haja tanto interesse assim.

Um tema quente em 2023 será a conexão à rede básica?
Com certeza. Não cabe.

Os leilões de transmissão que serão feitos em 2023 poderão ter as linhas operacionais já esgotadas?
Pois é. Os leilões que foram licitados em junho deste ano entrarão em 2027 com sua capacidade esgotada. A solução de transmissão para 2027 é para viabilizar 10 GW. Até 2026, estamos com 11 GW de CUST assinada. Como a gente vai lidar com isso?

Há ainda receio em alguns elos da cadeia de transmissão de que poderá haver gargalos para atender esses leilões, que segundo estimativas do governo poderão movimentar até R$ 50 bilhões em 2023.
Os números começam a ser gigantes, outra escala. Há seis anos, falava-se de leilão de R$ 2 bilhões e agora se mudou.

Como iremos resolver essa questão do acesso à rede básica? Passa pelo leilão de margem de escoamento e mais alguma solução?
Uma das alternativas é o leilão, que a gente vê com mais facilidade de adoção e execução. Qual a lei básica da economia a ser aplicada? Quando se tem um recurso escasso, tem de alocar no custo da disponibilidade e oportunidade. A fila não é a melhor forma, como se vê com os leilões que entrarão com capacidade esgotada em 2027. Mas está escrito na lei que o acesso à rede é um direito. Mas qual o tamanho da rede? Ela não é infinita aqui ou fora do Brasil.

Vai ser preciso outra alternativa?
Acredito que sim. Precisaremos discutir essa questão. A transmissão está muito associada ao consumidor regulado, enquanto a produção e compra de energia, mais ligadas ao mercado livre. Já ouvi palestras de correntes diferentes em que podemos chegar a uma situação em que teremos uma energia das mais baratas do mundo, com os maiores encargos.

*Esta matéria foi atualizada em 20 de dezembro com os dados mais recentes enviados pelo ONS.

1 Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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