Nestor Rabello e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
O cenário de escassez hídrica que tem atingido recordes nos últimos meses deve continuar crítico neste ano. Mas, a partir de 2022, as chuvas devem voltar, e acima da média – graças ao El Niño – disse o CEO do Climatempo, Carlos Magno, em entrevista Agência iNFRA.
Segundo o especialista, a tendência para este ano é de manutenção de um volume baixo de chuvas, especialmente na região Centro-Sul – a chamada “caixa d’água” do país, e que tem sido a mais prejudicada com a estiagem desde o ano passado.
“A gente está num estado muito crítico porque entramos no período seco com baixa reserva hídrica no Centro-Sul do Brasil, e a tendência é que essa recuperação só venha a acontecer no próximo período chuvoso, a partir do mês de outubro”, disse Magno. “A tendência é chover pouco mesmo, exatamente na região onde precisa chover para manter essa ‘caixa d’água’ cheia”, disse.
“Certamente vamos enfrentar um período de bandeira vermelha, de estado de atenção para a questão da água nos reservatórios […]. Se eu fosse um técnico que participasse do comitê de decisão do governo, eu certamente alertaria para uma decisão mais drástica”, alertou Magno.
Volume insuficiente nos reservatórios
O país registrou a pior afluência dos últimos 91 anos para o período de setembro do ano passado a março, segundo o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico). O comitê decidiu manter o despacho de térmicas fora da ordem do mérito para poupar os reservatórios na última semana, diante da previsão de chuvas esparsas no Sudeste e do início do período seco.
Diante desse contexto, Magno aponta que o volume de chuvas previsto para o ano ainda será insuficiente para recompor os reservatórios.
“Mesmo que haja precipitação acima do normal, como o volume esperado para essa época do ano é baixo, não será o suficiente para recuperar os reservatórios. E sim a partir de outubro, acontecendo precipitações acima do normal, poderemos observar uma recuperação [nos reservatórios] de 2021 para 2022”, disse.
2022: Fenômeno El Niño
Mas o fenômeno El Niño deve se estabelecer a partir do próximo ano, revertendo o atual cenário para uma melhora de chuvas no país. Ainda assim, há incertezas sobre o volume dessas chuvas, conforme o especialista.
“Até o fim deste ano, devemos ficar num período de neutralidade. A tendência é o El Niño se estabelecer a partir de 2022. A intensidade dele é que ainda está sendo considerada uma intensidade fraca. Mas ainda é muito cedo para afirmar se ele vai se intensificar ou não”, salientou.
O evento meteorológico acontece quando há o resfriamento das águas no Oceano Pacífico, provocando precipitações acima da média na região Centro-Sul do país. No momento, o regime de chuvas é afetado pelo La Niña, em que ocorre o efeito contrário, de seca nessa região.
Seca veio pra ficar
De maneira geral, o executivo aponta que o país continuará convivendo com um clima mais seco, conforme tem sido o caso nos últimos anos. Ele atribui isso, principalmente, ao desmatamento na região Amazônica, o que desregula as chuvas no restante do país.
“É uma tendência dessa área que a gente chama de ‘caixa d’água’ brasileira ficar cada vez mais seca por causa do aquecimento global e do impacto da redução da floresta amazônica que vem acontecendo sistematicamente nesses últimos anos. Isso é uma realidade. Então, essa tendência é uma que vamos ter que continuar convivendo com ela”, reforçou.
Sem atraso nas chuvas
Para o fim de abril, a previsão traçada pelo CMSE é que o armazenamento dos reservatórios dos subsistemas Sudeste/Centro-Oeste atinja o nível de 36%; o do Sul fique com 61,3%; o do Nordeste, com 66,9%; e o do Norte, com 83% da EAR máxima (energia armazenada). O período de seca tem início por volta de abril, com a fase de chuvas tendo início em outubro.
No entanto, diferente do ano passado – quando houve o atraso para a entrada do período úmido –, a tendência é não haver atrasos para o início das chuvas, em outubro. “Eu não acredito que isso aconteça neste ano. A tendência é que o regime de precipitação fique dentro do normal”, apontou.
Situação preocupa
Agentes e autoridades do setor elétrico têm olhado para a crise hídrica com preocupação nos últimos meses. Com o misto de temperatura recorde e falta de água, o governo tem aumentado a geração térmica, mais cara, o que também tem pressionado as tarifas de energia.
No fim do ano passado, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) retomou o mecanismo de acionamento das bandeiras tarifárias – que aumenta o custo das contas de luz para frear o consumo quando os reservatórios das hidrelétricas estão baixos.
Com esse cenário, está em análise uma alteração dessas bandeiras: a agência propôs um aumento de 21% no valor da bandeira vermelha no patamar 2, de maior custo adicional aos consumidores. O valor passaria dos atuais R$ 6,243 para R$ 7,571 a cada 100 kWh (quilowatt-hora) consumidos.
Ventos no Nordeste
Com o aumento de chuvas previsto para a região Centro-Sul nos próximos anos, a seca deve voltar a se concentrar no Nordeste. Isso, segundo Magno, deve resultar no aumento de ventos na região, onde se encontram os principais parques eólicos do país.
“Nosso grupo de cientistas chegou à conclusão que a tendência é de o vento na região Nordeste aumentar para os próximos dois anos, que nós passamos de certa forma por um período de chuva no Nordeste brasileiro que acabou diminuindo a intensidade dos ventos. Diminuiu e agora a tendência é de aumentar a intensidade dos ventos no Nordeste. Por um lado é bom, porque acaba compensando um pouco a questão de falta de água.”