Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A segurança contra incêndio e o carregamento das baterias que abastecerão os eVTOLs são os maiores desafios projetados para o desenvolvimento dos locais onde os chamados carros voadores vão pousar e decolar.
A avaliação é das empresas que estão liderando o modelo de regulação experimental que a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) abriu na semana passada e que vai promover nos próximos quatro anos testes sobre como se dará o funcionamento dessas unidades, chamadas de vertiportos.
O sandbox de regulatório se antecipa até mesmo à criação formal dos primeiros eVTOLs, já que as unidades que podem transportar pessoas ainda estão em fase de homologação nas agências reguladoras de todo o mundo, inclusive na ANAC, que trabalha no modelo da brasileira EVE (a China homologou um tipo de eVTOLs, mas com restrições que impediriam o transporte de pessoas).
“Pretendemos não ser barreira ao mercado e construir o conhecimento e as soluções regulatórias junto com a indústria”, explicou o superintendente de Infraestrutura Aeroportuária da ANAC, Giovano Palma.
Nenhum país do mundo tem regra para vertiportos e a OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) planeja criar suas regras para o tema no final de 2026 para aplicação em 2029. Segundo Palma, é arriscado esperar tanto, já que há possibilidade de entre 2026 e 2027 já haver eVTOLs operando.
Sem aventureiros
Houve 38 inscrições para o sandbox, mas segundo Palma a grande maioria nem passou pelas etapas iniciais de documentação porque eram apenas ideias. O intuito do projeto já é fazer testes e por isso somente duas propostas mais maduras foram homologadas. “A ideia era não pegarmos aventureiros. É preciso saber o que está fazendo”, explicou Pedro Calcagno, gerente de Normas da superintendência.
O prazo inicial do sandbox é de dois anos, prorrogável por mais dois anos, o que deve ocorrer, já que os veículos ainda estão em fase de homologação e essa etapa deve se estender por mais tempo que o previsto inicialmente. Segundo Palma, não há obrigatoriedade de que após o fim do prazo a agência tenha uma norma específica para o tema.
Mas, de acordo com ele, a depender do desenvolvimento, é possível que normas específicas possam ser produzidas pela agência antes do fim do prazo do sandbox, como forma de regulamentar temas específicos a partir da experiência de troca de informações constante que haverá com os dois grupos. “Eles vão ter que lidar com a agência como uma periodicidade”, disse Calcagno, lembrando que o trabalho será sempre feito em cooperação entre eles.
Incêndios perigosos
A Agência iNFRA conversou com os responsáveis das duas empresas líderes dos consórcios formados para esses sandboxes e ambas mostraram que as baterias são hoje o maior desafio para a concretização de projetos de passageiros para esse tipo de veículo tripulado.
A Vertimob Infrastructure lidera a parceria num grupo que conta com SJK Airport (Aeroporto de São José dos Campos), EVE, Dassault, Voar Aviação Executiva e Engeletrica. Manuel Ayres, diretor de Desenvolvimento da empresa, explica que o desafio da segurança das baterias é a prevenção a incêndios.
Ele explicou que a propagação dos incêndios nesse tipo de equipamento não precisa de oxigênio e a necessidade de água para apagar é grande, além da emissão de gases tóxicos, o que eleva o desafio da prevenção e combate a incêndio nessas unidades. “Vamos ter que aprender como gerenciar esse universo novo”, afirmou sobre a complexidade do tema.
A PAX Aeroportos, empresa do grupo XP que é a concessionária dos aeroportos de Campo de Marte (SP) e Jacarepaguá (RJ), é a líder do consórcio que tem a empresa italiana Urban V, a Gol, a EVE, a Lillium, a Shaipher. Seu CEO, Rogério Prado, lembrou que os desenvolvedores de EVTOLs ainda não definiram padrões para as baterias, o que já é um desafio em si.
Sem helipontos
Os indicativos são de que as baterias seriam carregadas fora dos veículos e depois acopladas. Para ele, nada está “escrito em pedra” no momento. Ele aposta que haverá um natural afunilamento das tecnologias, mas o que está claro é que vai ser necessária uma estrutura robusta de energia para abastecimento.
Por isso, Prado não acredita que seria possível utilizar dos espaços que atualmente são usados para helipontos nos grandes centros urbanos. Prado lembrou que eles ficam em partes altas de edifícios, onde chegar com fiação necessária para abastecer pode ser uma operação complexa.
Outro problema para os atuais helipontos em grandes centros, para Bruno Limoeiro, diretor da Vertimob, é o processamento de passageiros, que para ele precisa ser muito mais ágil que o da aviação comum para que os eVTOLs sejam viáveis. Segundo ele, não faz sentido perder meia hora ou mais na etapa de chegada do passageiro e saída para o tipo de viagem urbana que está sendo projetada para os eVTOLs. A ideia é testar algo com menos de 20 minutos.
Há também o desafio do espaço nos heliportos, visto que os eVTOLs vão precisar girar várias unidades, e os helipontos só têm espaço para um veículo por vez. Por isso, segundo Limoeiro, outros pontos nas cidades onde seja mais fácil a chegada e saída de passageiros e tenham espaço para vários veículos, como shopping centers, podem ser mais interessantes e deverão estar nos testes que serão feitos dentro do sandbox.
Parceria com empresa por espaço
No plano da Vertmob, os espaços para os vertiportos serão feitos em parceria com empresas privadas ou até públicas porque, para ele, é inviável que o projeto seja economicamente viável se houver compra de áreas em centros urbanos para esse tipo de projeto no momento, que são caros. Na avaliação de Limoeiro, o desejo da indústria é no longo prazo atender ao transporte de massa com os veículos e, para chegar lá, será preciso já desde o início ter eficiência em todas as etapas da cadeia.
“Todos querem um transporte mais barato. O sonho é que a renda baixa tenha acesso e para isso toda a cadeia tem que ser eficiente”, explicou Limoeiro.
No curto prazo, porém, os eVTOLs estão sendo projetados para viagens executivas. Ele lembrou que o valor estimado para uma passagem entre o centro de São Paulo e Guarulhos está na casa dos R$ 1 mil, cerca de 40% do custo de um voo de helicóptero semelhante.
Brasil no caminho certo
As duas empresas elogiaram a iniciativa da ANAC para o tema, lembrando que o Brasil, por ser um dos lugares que está à frente desse processo por causa da EVE, um dos principais desenvolvedores e que pertence à Embraer, precisa estar à frente em todas as etapas do processo.
Rogério Prado lembrou que há também o desenvolvimento da EVE com o Decea, da Aeronáutica, de instrumentos para o controle do espaço aéreo, outro tema relevante para o desenvolvimento dos eVTOLs.
“O Brasil está trabalhando de maneira correta, com o desenvolvimento de grupos para estudos, fazendo as coisas novas num ambiente regulado. Isso cria um bom ambiente para o desenvolvimento”, disse Prado.