Renato Ramalho*
O TCU (Tribunal de Contas da União), órgão de auxílio técnico ao Congresso, é uma das instituições com maior potencialidade de contribuir para o desenvolvimento de uma gestão pública mais eficiente no país.
Com corpo técnico altamente capacitado, vem assumindo um papel relevante no aperfeiçoamento de políticas públicas de impacto nacional.
Por exemplo, apresentou recomendações substanciais para a licitação da tecnologia 5G no Brasil, colaborando, inclusive, para uma maior conectividade nas escolas públicas de educação básica1.
Porém, em diversas oportunidades, verifica-se que o TCU extrapola as atribuições que lhe foram estabelecidas pela Constituição e atua em questões diretamente vinculadas à esfera de competência do Poder Executivo, que possui a missão constitucional de formular e executar políticas públicas.
Esse cenário se agrava na área de infraestrutura: há forte interferência do TCU em escolhas técnicas e políticas que deveriam ser definidas pelos órgãos do Poder Executivo2. Em consequência, provoca insegurança jurídica em contratações referentes a obras e a investimentos em setores estratégicos, como os de aeroportos, de portos e de rodovias.
No entanto, também é preciso reconhecer que há decisões em que o TCU sinaliza à sociedade que compreende qual seu verdadeiro papel institucional. É digna de elogios a postura do TCU quando demonstra respeito às competências do Poder Executivo, seja em relação aos órgãos formuladores de políticas públicas, como os ministérios, seja em relação aos órgãos de atribuições técnicas, como as agências reguladoras.
Foi o que ocorreu, recentemente, por meio da decisão do Tribunal proferida na sessão plenária de 1 de junho de 2022, ao analisar a 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias3.
A licitação tem como objeto a concessão de 15 aeroportos, localizados em seis diferentes estados. A estimativa de movimentação de passageiros é de mais de 30 milhões por ano. Os vencedores da licitação devem pagar ao governo o valor de partida mínimo (chamado de outorga inicial mínima) de aproximadamente R$ 1 bilhão, bem como aplicar em torno de R$ 7 bilhões em investimentos nas infraestruturas aeroportuárias envolvidas.
Durante o processo de análise do TCU, foram apresentadas sete representações e uma denúncia contra a referida licitação. As manifestações impugnavam diversos aspectos técnicos e políticos do processo: desde a inclusão de determinados aeroportos no objeto da licitação à capacidade das PPDs (pistas de pousos e decolagens).
Um exemplo se deu em relação ao Aeroporto de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Questionava-se a concessão do aeroporto em detrimento da sua delegação para o estado do Rio de Janeiro. O Tribunal, porém, concluiu que o tema se trata de “decisão de política pública de competência exclusiva do governo federal, não cabendo qualquer interferência do TCU sobre o juízo de conveniência e oportunidade feito pelo Poder Executivo”.
Outro ponto questionado nas representações e na denúncia foi a opção do Poder Executivo em executar a concessão através de blocos formados por diferentes aeroportos4. Segundo a modelagem desenhada, em cada bloco, havia aeroportos superavitários e deficitários. As receitas dos superavitários auxiliariam no financiamento de investimentos nos deficitários integrantes do mesmo bloco – estratégia denominada de subsídio cruzado.
Nesse sentido, o TCU rejeitou denúncia que impugnava a inserção do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no bloco denominado “SP/MS/MG/PA” (que envolvia outros aeroportos nos mencionados estados). Segundo o TCU, “a opção pela concessão em blocos é uma decisão de política pública de competência exclusiva do governo federal, não cabendo ao Tribunal interferir no mérito da decisão”.
A mesma denúncia também solicitava que, no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o Tribunal determinasse a redução na capacidade da pista de pouso e decolagem: pedia-se que o Tribunal a fixasse em 33 movimentos/hora, e não em 44 movimento/hora como definido no processo de concessão. A justificativa seria reduzir o ruído aeronáutico, a poluição do ar e o aumento do trânsito na vizinhança do aeroporto.
Apreciando o tema, o TCU mostrou respeito às competências da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), defendendo que “a definição da capacidade da PPD é decisão de natureza estritamente técnica, afeta aos órgãos reguladores competentes e estranha à atuação desta Corte”.
Quando o TCU respeita as alternativas técnicas e políticas escolhidas legitimamente pelo Poder Executivo em relação à modelagem das contratações em infraestrutura, demonstra observância às repartições de competência previstas na Constituição.
Com isso, o Tribunal assume um papel de colaborador na garantia da segurança jurídica e, consequentemente, na atração de novos investimentos para áreas estratégicas do país.