“Sedentário”, setor de rodovias é desafio para Transportes executar plano de 100 dias

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O setor rodoviário ganhou atenção especial do novo ministro dos Transportes, Renan Filho, na largada do governo. Destaque no plano de 100 dias da gestão na parte de obras públicas, e também com algum direcionamento para as concessões, essa área no entanto tem problemas que o próprio ministro reconheceu que serão um desafio para a execução das propostas apresentadas.

Fazendo uma analogia, ele comparou o setor a um “sedentário” que vai ter que voltar a fazer exercício físico. 

O baixo orçamento nos últimos anos para obras públicas no setor levou ao que é chamado de desmobilização das companhias que realizam obras. As que ficaram, hoje têm baixo número de pessoal especializado, poucos equipamentos e dificuldades financeiras para iniciar as empreitadas, segundo relatos colhidos pela Agência iNFRA junto a representes dessas empresas.

“Temos vários desafios para aplicar os recursos neste ano. Este é um: a desmobilização, o sucateamento das empresas, o desestímulo das empresas para prestar serviços ao governo federal”, disse Renan Filho na entrevista de apresentação do plano de 100 dias.

Para se ter uma ideia, o R$ 1,7 bilhão que será empenhado imediatamente para os 100 dias de obras corresponderia a quase metade do orçamento de todo o ano de 2023, caso não houvesse mudança no teto aprovada no fim do ano passado. 

Agora, o valor total a ser gasto em 2023 será perto dos R$ 20 bilhões, visto que, além de R$ 18 bilhões do orçamento deste ano, há ainda os R$ 2 bilhões que puderam ser empenhados no fim do ano passado e serão pagos neste ano. O gasto anual estava girando em média nos R$ 7 bilhões.

Renan reverbera a tese que ganhou força dentro do ministério e do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) de que foi o teto de gastos que levou ao problema com as rodovias. Mas os problemas das empresas com o órgão são mais antigos. 

Os representantes das companhias reclamam que os modelos de contratação levam a problemas para a execução posterior. Os prazos para se licitar uma obra no modelo RDC Integrado (que prevê a realização de projeto e obra pela mesma empresa) são exíguos e impedem um estudo adequado para realizar as propostas, por exemplo. 

Também apontam que o órgão usa modelos de licitação que permitem a entrada de empresas sem capacidade na disputa. Não há sequer uma regra para que se indique se os preços apresentados são exequíveis, como exige a lei de licitações. Em geral, o resultado tem sido a inexecução.

O órgão também demora a solucionar problemas de equilíbrio de contrato. No fim do ano passado, as empresas tiveram que judicializar um pedido para que os contratos passem a refletir os custos dos principais insumos, que subiram muito além do índice reajustador anual. A judicialização já havia ocorrido seis anos atrás, quando os preços dos insumos asfálticos dispararam e o órgão não fez mudanças nos contratos.

A estimativa das empresas é que desde 2014 os insumos asfálticos, que podem representar quase metade do custo a depender da intervenção, já tenham aumentado mais de 350%. Mas as tabelas de preços do órgão demoram a refletir essas alterações ou nem captam inteiramente, reclamam os representantes das companhias.

A alegação no governo é que os preços dos insumos são riscos assumidos pelos contratados e, portanto, não haveria necessidade de reequilibrar. Mas, com preços descontrolados, margens baixas, atrasos e paralisações, e poucos contratos em execução, o fato é que as companhias acabam tomando prejuízo. Para minimizar isso, passam a trabalhar o mínimo que podem. Assim, as obras param ou andam em ritmo muito lento. Isso das que ficaram.

“Quem pode sair, já saiu. Algumas querem voltar, mas nessas condições vai ser difícil”, disse um engenheiro que já trabalhou no setor.

“Preço justo e serviço de qualidade”
Segundo o ministro, haverá medidas para tentar reduzir o impacto dos vários anos de baixo orçamento nas companhias executoras. Ele prometeu diálogo com as empresas para agilizar pagamentos e garantir contratos “bons para a sociedade”, que ele mesmo definiu como “preço justo” com “serviço executado com qualidade”.

Renan citou ainda a necessidade de aumentar o volume de CAP (Cimento Asfáltico de Petróleo) produzido no Brasil e importado. Mas outros insumos também podem ter problemas, com por exemplo máquinas e equipamentos para o setor e mão de obra especializada.

Renan Filho fez uma analogia para explicar o problema em que o setor se encontra:

“É como aquele cidadão que vinha há dez anos sem fazer atividade física e se propõe a voltar aos treinamentos. Todo ano ele diminuía a capacidade cardiovascular, aumentava a gordura. E agora ele vai ter que voltar a correr um pouco mais. Não é moleza para o cidadão e não é moleza para o Estado botar a máquina para andar. Mas nós vamos enfrentar esse desafio. Melhor esse que o outro, que é ficar deitado na cama sem fazer exercício”.

Rodovias concedidas
No setor de concessões rodoviárias, os desafios não são menores. O próprio ministro explicou que quase cinco mil quilômetros de rodovias concessionadas estão em processo de relicitação, o que corresponde a algo perto de metade das vias federais concedidas.

Quando entram no processo de relicitação, as rodovias param de fazer ampliações e melhorias na via e passam a cuidar só da manutenção. Mas o fato é que algumas das cinco concessões em devolução já mostram deterioração até mesmo dos padrões de manutenção mínimos, segundo técnicos do próprio governo.

O projeto de relicitar rodovias segue travado e nenhuma até o momento tem proposta pronta para ser levada para o mercado. Durante a coletiva, Renan Filho indicou que há uma tentativa de acelerar a solução para que essas rodovias possam voltar a investir. 

Segundo ele, um diálogo será aberto envolvendo a Casa Civil, a Controladoria-Geral da União e o TCU (Tribunal de Contas da União) para apresentar mudanças que possam fazer com que esses contratos possam voltar a ter investimentos, inclusive com a possibilidade de mudanças legislativas. Ele disse que levou o problema ao presidente Lula.

“Comentei com o presidente da República que eu tenho a sensação de que, se destravarmos isso, vamos ampliar mais a atração de capital privado do que com novas concessões rodoviárias em áreas menos rentáveis. É uma avaliação que vamos fazer”, disse Renan.

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