Roberto Rockmann*
Entidades que representam consumidores se preparam para participar da discussão sobre o processo de renovação ou não dos contratos de distribuição, que envolve cerca de 60% do mercado cativo do país. Há preocupação de que as discussões possam acarretar aumento de tarifas. A Frente Nacional dos Consumidores de Energia já começa a se articular para realizar reuniões em Brasília com o governo federal e a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
“Ainda não pusemos os olhos como deveríamos por outras questões da agenda regulatória, mas agora é um dos nossos focos e nos dedicaremos a isso, até porque pode trazer prejuízos. É essencial que os consumidores tenham protagonismo nessa discussão”, afirma o presidente da entidade, Luiz Eduardo Barata. “Estão sendo discutidas renovações ou prorrogações de contratos que irão durar 30 anos sob um novo contexto.”
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) também acompanha de perto o assunto. “Entendemos que seria importante que o Ministério de Minas e Energia também estivesse aberto para discussão prévia com as entidades da sociedade civil que olham o consumidor, que é quem paga a conta no final. Entretanto, como o processo envolve a realização de audiências públicas, ainda iremos participar”, informou a entidade em nota. Procurado, o Ministério de Minas e Energia “esclarece que está atento a esta situação e que está atendendo a todas as solicitações de reunião, buscando sempre o diálogo com todos os setores e temas de responsabilidade da pasta”.
‘Não há dinheiro sobre a mesa’
Nesta semana, o governo federal anunciou que deverá lançar a CP (Consulta Pública) sobre o tema em duas a três semanas. O processo está atrasado. Em comunicação ao TCU (Tribunal de Contas da União) no fim de março, o Ministério de Minas e Energia informou que ela seria lançada em 10 de abril.
O teor da CP ainda é motivo de especulação, mas o governo tem defendido publicamente as contrapartidas sociais, como eficiência energética e GD (Geração Distribuída) solar para a baixa renda. O presidente da EDP Brasil, João Marques da Cruz, deu alguns recados na teleconferência com o mercado nesta quinta-feira (4). Disse que não gosta do termo contrapartida e enfatizou que não há dinheiro sobre a mesa, que as revisões tarifárias são um processo em que se pode compartilhar os ganhos com os usuários e com o mercado.
Neste momento há uma queda de braço entre o governo e as distribuidoras em relação ao processo. As distribuidoras envolvidas no processo defenderiam não colocar mais dinheiro sobre a mesa, nem com outorga nem com investimentos atrelados à eficiência ou GD solar. A ideia delas seria realocar recursos já existentes e direcioná-los para esses fins. Contrapartida seria sinônimo de recompensa, de que há dinheiro sobre a mesa.
Para um especialista, hoje haveria muitos recursos destinados à modicidade tarifária que entram de forma pulverizada para todos os consumidores, como PEE (Programa de Eficiência Energética), e rubricas específicas, como receita de reativo e ultrapassagem. Se tais recursos fossem focados em quem realmente precisa, consumidores de baixo poder aquisitivo, o impacto social seria muito maior. Haveria pelo menos R$ 3 bilhões dessas rubricas que poderiam ser destinados.
Contrapartidas sociais
Outro ponto que causa polêmica é a contrapartida em relação à GD solar e à eficiência energética, dois pontos que podem reduzir o mercado das distribuidoras, o que, a depender de como for feito, pode ensejar pedido de reequilíbrio tarifário futuro em razão de exposição involuntária das empresas.
Há também incerteza sobre o TCU nesse processo. O presidente da EDP, na teleconferência, enfatizou que em 2015 a revisão de algumas distribuidoras foi feita sem cobrança de outorga, com aval do órgão de controle. O então ministro do TCU José Múcio, hoje ministro da Defesa, conduziu o processo, e sua decisão contrariou a área técnica do TCU. Há incerteza sobre a posição do órgão de controle hoje. No fim do ano passado, quando o governo Bolsonaro estava trabalhando na consulta pública sobre o tema, a indicação era de que o TCU manifestou que havia ganhos sociais a serem compartilhados.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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