Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Com um diagnóstico de que as renovações antecipadas de concessões de ferrovias realizadas na gestão passada têm “vantajosidade questionável”, “falta de clareza” e “alto custo”, a Secretaria de Ferrovias do Ministério dos Transportes está avaliando mudanças nesse modelo.
A disposição do governo em mudar essa política vem suscitando dúvidas em representantes do setor sobre se haverá mudanças nos contratos já assinados, o que o ministério indica que não fará. Em uma reunião na semana passada com representantes de empresas, no entanto, restaram mais dúvidas que certezas sobre a questão.
Dando continuidade a um processo que começou no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, o então Ministério da Infraestrutura da gestão Jair Bolsonaro renovou antecipadamente contratos de quatro concessões ferroviárias – Malha Paulista, EFC (Estrada de Ferro Carajás), EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas) e Malha Sudeste.
O então ministro Tarcísio de Freitas, hoje governador de São Paulo, defendia o modelo afirmando que ele era capaz de trazer investimentos mais rápidos para desenvolver o setor ferroviário. As quatro concessões renovadas, que pertencem a Rumo, Vale e MRS, estimam realizar R$ 35 bilhões em novos investimentos a partir das renovações.
Sem a renovação, as ferrovias teriam que esperar o fim dos contratos, previstos para a partir de 2026, para iniciar um novo ciclo de investimentos nas malhas. Por isso, defendia o então ministro, seria mais vantajoso renovar antes e antecipar os investimentos. Três ferrovias, a FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), da VLI, a Malha Sul, da Rumo, e a Ferrovia Tereza Cristina estão com processos em andamento para renovar.
Durante os longos processos de audiência pública e de avaliação dos estudos pelo TCU (Tribunal de Contas da União), houve severas críticas à forma como o governo estava conduzindo as renovações, parte delas referente aos pontos que o atual governo agora questiona. Esses apontamentos foram feitos inclusive por representantes do então Ministério da Economia e constam em relatórios dos auditores do TCU.
No entanto, os técnicos do ministério, da agência reguladora e os ministros do TCU deram aval aos modelos, após muita negociação e mudanças. A ferrovia da Rumo foi renovada em 2020, as da Vale em 2021 e a da MRS em 2022. No entanto, Rumo e Vale já manifestaram interesse em rediscutir os investimentos previstos, alegando que eles estariam defasados, e a MRS avalia.
Numa reunião na última quinta-feira (18), integrantes do governo apresentaram os diagnósticos do GT (Grupo de Trabalho) instituído pelo ministro Renan Filho para tratar do tema e fazer sugestões de possíveis mudanças a um grupo de representantes do setor. Foi o sétimo encontro para tratar do processo e segundo um integrante da pasta “nada está decidido”.
WACC
Sobre o WACC (Weighted Average Cost of Capital), que pode ser definido como a taxa de retorno estimada ao investidor pelo capital aplicado em determinado projeto, as ferrovias renovadas tiveram WACC na faixa dos 10% a 11%, o que já era criticado como elevado, visto que eram investimentos de baixo risco. No entanto, esse cálculo é feito pela ANTT a cada três anos e avalia todo um passado sobre o setor, além de também projetar o futuro.
A proposta apresentada pelo GT é que as concessões do setor agora tenham uma banda de risco com quatro padrões que, nos cálculos apresentados, estariam hoje variando entre 5,62% (menor risco) e 11,64% (maior risco). Quanto maior o WACC, menos o concessionário tem de desembolsar em investimentos ou pagamento de outorgas, por exemplo.
Mas há um outro fator que pode também ser afetado por uma mudança do WACC, que são as tarifas teto de remuneração. Os contratos de ferrovia preveem uma tarifa máxima a ser cobrada pela concessionária aos usuários. Em geral, essa tarifa quase não é praticada, visto que ela tem um nível muito elevado, que na maioria dos casos faz com que o custo por transportar em outra solução logística seja melhor.
Reavaliação da tarifa teto
Na apresentação feita, um dos slides fala que “a tarifa teto pode ser considerada um parâmetro para precificação dos ativos” e que ela seria “a tarifa possível que (i) maximiza a receita da empresa (ii) respeitando a restrição orçamentária dos usuários”. E finaliza:
“A tarifa teto deve passar por um processo de reavaliação”, indicando que as concessionárias praticam preços “logo abaixo da alternativa mais cara”.
No encontro, estava presente a ex-secretária de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura Natália Marcassa, que desde o ano passado é a CEO do MoveInfra, uma associação que reúne empresas de infraestrutura listadas na B3, que tem a Rumo entre as associadas.
Natália, uma das responsáveis pelo modelo de renovação aprovado, defendeu o modelo utilizado, relembrou que eles foram aprovados pelos ministros do TCU e questionou se haveria mudanças nos contratos já assinados.
Questionamento sobre a política
De acordo com uma fonte que estava na reunião, o secretário de Ferrovias do ministério dos Transportes, Leonardo Ribeiro, indicava sempre que haveria respeito aos contratos, mas relembrou que havia pedidos de mudança por parte das próprias concessionárias.
Natália também questionou se era a melhor política para o governo que quer atrair investimentos fazer mudanças para as próximas renovações antecipadas, visto que elas são concessões com maior risco que as já renovadas. A Vale usa as ferrovias para transportar a própria carga e as malhas Paulista e Sudeste estão nas regiões mais desenvolvidas do país.
A FCA e a Malha Sul estão em regiões menos desenvolvidas, têm ferrovias mais deficientes e uma grande extensão que elas apontam que não teria viabilidade econômica e indicam que querem devolver ao governo na renovação.
Duopólio
José Manoel Gonçalves, que preside a Ferrofrente, defendeu a continuidade do processo indicando a importância de aprender com os erros do passado. Ele ressaltou a existência de um duopólio no setor, o que dificulta a competição, e lembrou da necessidade de se ampliar a malha.
Um ex-dirigente do governo e que já trabalhou no setor privado, que falou sob a condição de anonimato, diz que, para o passado, não acha possível que o governo faça mudanças no contrato sem aquiescência das empresas, o que seria bloqueado no Judiciário.
Ele lembra que foi crítico ao modelo utilizado, apontando que havia falhas metodológicas que precificavam as renovações aquém do que seria um valor adequado. No entanto, ele lembra que fazer isso para as futuras renovações provavelmente vai fazer com que elas não renovem e vai esticar o prazo dos investimentos somente para o próximo governo.
“Contratos serão cumpridos”
Em resposta a questionamentos da Agência iNFRA, o Ministério dos Transportes respondeu que o grupo de trabalho foi criado com o objetivo de discutir e sugerir uma atualização do modelo econômico-financeiro de renovação antecipada de contratos do modal ferroviário e tem até 45 dias para apresentar suas conclusões.
“Quanto aos contratos já renovados, o Ministério dos Transportes destaca que serão cumpridos nos termos de suas cláusulas”, diz o texto.