Roberto Rockmann*
A necessidade de criação de regulação para investimentos em eólicas offshore (alto mar) e a consequente política industrial para adensar a cadeia vêm ganhando importância no governo federal. BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e a estatal Petrobras estão discutindo avanços regulatórios no segmento. Isso pode abrir oportunidade para que o Projeto de Lei (PL 576/2021), que busca regular o segmento, possa ser colocado em votação nesse segundo semestre.
“É preciso regular o setor de eólicas offshore, que não compete com as onshore. O Brasil precisará dobrar sua capacidade nas próximas décadas para atender a potencial demanda de hidrogênio verde. Há empresas como a Petrobras prontas para investir na área. O BNDES vai estar ao lado do parlamento para regular essa esfera”, afirmou o presidente do banco, Aloizio Mercadante, na semana passada, em evento promovido pelo BNDES no Rio de Janeiro.
A Petrobras também está de olho na nova tecnologia, que deverá ser uma das frentes de investimento da empresa rumo à transição energética. Possivelmente, o primeiro investimento pode ser feito fora do Brasil, em países cujo marco regulatório está já consolidado.
“Não estamos descartando investir também fora do Brasil, principalmente em áreas como a eólica offshore, em que estamos construindo nosso marco regulatório ainda. Lá fora já tem leilões”, disse Mauricio Tolmasquim, diretor de Transição Energética e Descarbonização da Petrobras, no evento promovido pelo BNDES na semana passada. A empresa também busca avanços regulatórios no Brasil.
Para Tolmasquim, em um dos cenários prováveis do futuro, a demanda de petróleo pode cair 40% até 2050, enquanto as fontes renováveis ganham espaço, ficando mais baratas. O custo da energia eólica caiu 72% em dez anos, a solar, 90%, isso levou as eólicas a ampliarem em cinco vezes sua capacidade instalada no mundo, enquanto a solar cresceu 40 vezes. Isso levará a mudanças também na cadeia, o que abre oportunidades para a indústria nacional.
“A cadeia de suprimentos tem de ser vista quando se fala em transição e um programa para adaptá-la a uma nova realidade”, disse Tolmasquim.
Em 2025, o Brasil, assim como outros países, deverá apresentar novas metas de redução de emissão de poluentes globais, seguindo diretrizes acertadas no Acordo de Paris em 2015. Isso abre espaço para que a agenda de desenvolvimento energético e novas tecnologias como as offshores sejam discutidas.
“Estamos discutindo a governança da política climática, os temas e compromissos ambientais e climáticos e como eles se relacionarão, a ideia é debater com a sociedade a questão da eletrificação, a agenda de desenvolvimento energético, evolução da matriz, hidrogênio verde, isso faz parte da agenda de retomada nessa área”, afirma Aloisio Lopes de Mello, diretor da Secretaria Nacional de Mudança do Clima. Esse contexto favorece que a regulação do setor ganhe espaço na agenda do governo.
Projeto de Lei, passo número um
O primeiro passo para o desenvolvimento das eólicas offshore seria aprovar projeto de lei sobre o segmento. Hoje tramita o PL 576/2021, do então senador Jean Paul Prates, hoje no comando da Petrobras. O PL se explica principalmente pela necessidade de disciplinar a exploração e desenvolvimento da geração de energia em áreas do Mar Territorial, da Plataforma Continental sob domínio da União. “Estamos conversando para que isso avance no Congresso”, diz uma fonte do governo.
Por serem investimentos vultosos (um projeto acima de 1 GW pode superar R$ 15 bilhões), os investidores veem a necessidade de a regulação ser feita por lei. “Projeto de lei assegura maior segurança jurídica aos investimentos, assim como a exploração de óleo em alto mar é regulamentada da mesma maneira”, diz o presidente de uma empresa. Articula-se para que o PL possa ir à votação ainda esse ano.
Primeiro desafio
Há outros desafios além do Congresso e Senado. Hoje há uma fila de projetos renováveis em razão da corrida de ouro das renováveis. Pela lei 14.120, empreendedores que solicitaram outorga até 2 de março de 2022 teriam desconto na transmissão. Cerca de 200 GW de pedidos foram protocolados. Há projetos eólicos nessa fila e alguns desses empreendedores também olham as eólicas offshore. A solução de parte desse problema pode estar à vista.
Nessa semana, na terça-feira (13), a ANEEL deverá discutir o primeiro passo para resolver o imbróglio. O diretor da agência e relator da CP (Consulta Pública) 15/23, Helvio Guerra, deverá colocar em votação sugestões sobre a CP, que trata da anistia dos CUST (Contratos de Uso do Sistema de Transmissão) protocolados até o prazo para obtenção de descontos no uso do fio no SIN (Sistema Interligado Nacional) por fontes renováveis, como solar e eólica.
Contratação sob novo contexto
Outro importante desafio é a primeira contratação de projetos offshore diante de uma sobreoferta de projetos. A primeira contratação offshore deve ocorrer em um cenário totalmente distinto do visto na expansão das eólicas terrestres. Em 14 de dezembro de 2009, para apoiar a diversificação da matriz de geração elétrica, o governo federal realizou o primeiro leilão para contratação exclusiva de fonte eólica. O certame marcou um ponto de inflexão na indústria.
O Leilão de Energia de Reserva (LER nº. 03/2009) contratou 71 empreendimentos com uma capacidade somada de 1.805,7 megawatts (MW), ao preço médio de R$ 148,39/MWh (deságio de 21,49% em relação ao preço-teto de R$ 189/Wh). Foi o primeiro marco da expansão das eólicas, hoje a segunda maior fonte de eletricidade.
O novo modelo do setor elétrico, sancionado em 2004, tinha em 2009 o mercado regulado como grande fonte de impulso. Hoje, o cenário mudou completamente: as distribuidoras sofrem com sobrecontratação há alguns anos, a geração distribuída solar avança velozmente, e o mercado livre responde por um terço da carga do país.
Investimentos vultosos e nova tecnologia agora têm no ponto de partida um risco mais elevado. “Acho muito difícil o mercado livre ancorar os primeiros projetos”, diz um diretor de banco. Desde 2018, 75% da contratação de projetos eólicos tem sido impulsionado pelo mercado livre.
Indefinição sobre localização do cluster
Outro ponto a ser arbitrado é a localização do cluster principal da tecnologia. Hoje no Brasil os 170 GW de projetos que estão em análise no Ibama estão dispersos entre três regiões litorâneas brasileiras: Sul, Sudeste e Nordeste. Há dúvidas de qual será o cluster que terá o maior desenvolvimento quando a tecnologia ganhar espaço. Se nas eólicas em terra, os ventos alísios posicionaram o Nordeste na liderança de fator de capacidade do mundo, nas eólicas em alto mar a disputa tem outros tons.
Para o desenvolvimento do segmento, dois pontos são essenciais: 1) um porto industrial; 2) conexão. Sob essa ótica, Sul, Sudeste e Nordeste têm sistemas portuários que poderiam se tornar âncoras da nascente indústria offshore. Em conexão, o sistema transmissão Nordeste-Sudeste será reforçado até o fim da década por sistemas bipolos, que além do aumento do intercâmbio deverão trazer a unificação dos dois submercados.
No governo, há funcionários que veem com bons olhos a formação do cluster da indústria offshore no Sudeste. Primeiro, porque há muitos projetos de petroleiras no pré-sal que buscam uma parte de descarbonização com usinas offshore. Os projetos estariam perto do maior centro de consumo do país. E haveria ainda um efeito portfólio: exposição a ventos diferentes dos encontrados no Nordeste.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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