iNFRADebate: Lixo é energia e solução ambiental

João Carlos Mello*

Levar o lixo para fora. Levar o lixo separado para fora. Levar o lixo não reciclável para fora e encaminhá-lo a um processo de valorização que agregue benefícios ao setor de saneamento e à saúde pública do País. Uma das grandes lições do homem moderno nos centros urbanos, a destinação adequada e ambientalmente correta dos RSU (Resíduos Sólidos Urbanos), ainda está para ser assimilada como um valor coletivo, compartilhado por toda a sociedade, mas há avanços importantes que precisam ser comemorados, como no setor energético.

As usinas de geração de energia que utilizam RSU como combustível, chamadas também de URE (Unidade de Recuperação Energética de Resíduos), participam desde 2021 dos leilões públicos de novos empreendimentos de atendimento ao mercado das distribuidoras de energia elétrica, concessionárias do serviço público, reguladas e fiscalizadas pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). A inclusão desses projetos de recuperação energética de RSU como tecnologia candidata a atender os contratos de energia provenientes dos leilões públicos foi uma importante iniciativa do governo federal para reduzir os custos e os severos impactos ambientais do lixo gerado.

Isso porque, ao conciliar tratamento e soluções de destinação do lixo urbano, as UREs cumprem dois papeis importantes – a de produção de energia elétrica e térmica e a de destinação sustentável em larga escala do RSU.

De um lado, a introdução da recuperação energética na matriz de fontes energéticas alternativas do país permite dar um passo adiante para o necessário desvio de resíduos de aterros sanitários e, consequentemente, aumentar a vida útil – especialmente tendo em vista a escassez cada vez maior de espaços para enterrar o lixo urbano – e trazer receitas adicionais nesse novo modelo integrado e sustentável para as cidades. De outro lado, o potencial da produção de energia no Brasil com foco na geração por RSU apresenta números atraentes para o setor de saneamento e para o setor elétrico nacional. Trata-se de uma aliança necessária para a nação brasileira.

Quando o assunto é desenvolver uma boa solução de saneamento para os resíduos sólidos urbanos, é preciso contextualizar, ter ideia da realidade no entorno. Por ano, o país produz cerca de 82 milhões de toneladas de lixo, e só pouco mais de 3,9% são reciclados ou encaminhados para compostagem, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, elaborada pela Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). Também é responsável por produziraproximadamente, um quilo de lixo plástico por habitante a cada semana, o que resulta, no ranking mundial, em uma posição de 4º maior produtor de lixo plástico no mundo, com 11,3 milhões de toneladas, segundo dados do Banco Mundial e WWW (World Wildlife Fund).

Visto como um problema ambiental grave enquanto lixo, o RSU, quando combustível das UREs, tem entrega nos aterros em torno de 85% de seu volume, segundo o Índice de Coleta Nacional, cujo volume diário é de cerca de 250.000 toneladas por dia, valores típicos do RSU no âmbito nacional, enquanto o potencial energético com URE é da ordem de 30 TWh/ano.

E, ao se considerar o consumo de eletricidade em 2019, em torno de 650 TWh/ano, segundo Balanço Nacional de Energia 2019/2020, elaborado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a conversão integral do RSU com tratamento térmico geraria energia elétrica correspondente a cerca de 4% da geração nacional. Pode-se depreender a partir desse dado que a participação mínima na matriz energética brasileira seria suficiente para um impacto ambiental enorme em benefícios para o setor de saneamento.

Desse modo, fica claro que a intenção e a vocação da geração energética por recuperação de RSU não supõem concorrência no mercado elétrico com outras fontes de geração, mas sim encontrar seu lugar enquanto solução ambiental amigável, sustentável e benéfica em serviço de saneamento.

A experiência internacional reforça esse caminho. Países membros da União Europeia, Estados Unidos, China, Índia, entre outros, incluíram a geração energética com RSU como prioridade no tratamento desses resíduos que, além de obterem uma destinação sustentável, contribuem para a geração de energia elétrica limpa, renovável e firme, atribuindo maior confiabilidade e estabilidade ao sistema elétrico.

Um dos belos exemplos da aplicação de URE é a da comunidade europeia. Conforme levantamento da ABREN (Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos), as UREs em operação na comunidade europeia processaram cerca de 270 milhões de toneladas por dia em 2016. Essa difusão da utilização de URE na comunidade europeia começou na década de 90, com diversos incentivos dos governos locais e, atualmente, abrange todos os países. É um exemplo útil como referência para entender que é necessário que o Brasil desenvolva, de forma decisiva e pragmática, a adoção da URE com os leilões públicos de compra de energia pelas distribuidoras. Essa é uma política pública de interesse de todos, e, com certeza, também do MME (Ministério de Minas e Energia), que capitaliza agora esta oportunidade dos leilões de energia.        

É preciso dizer que os méritos do processo de recuperação de RSU nem sempre são entendidos como realmente positivos. A desinformação, muitas vezes pela falta de clareza nas ideias e pela incompreensão acerca dos RSU e sua destinação, pode levar a manifestações públicas equivocadas sobre o tema.

O importante é que, nesta fase de maturação em que se encontra o setor e seus empreendimentos, há material informativo rico, volumoso e confiável, técnico e didático, à disposição nos principais canais de comunicação para quem deseja se informar. É possível, portanto, conhecer como funcionam, esclarecer dúvidas, aprofundar, saber o que faz ou não sentido.

A experiência do mercado nacional demonstra a confiabilidade das informações sobre os benefícios do sistema de recuperação de RSU. Os primeiros projetos puderam ser desenvolvidos por terem despertado interesse de investidores com apoio do poder público. Os principais  aspectos positivos que chamaram a atenção foram:

  • saneamento – melhoria no tratamento do RSU, eliminação de chorume, solução para lixões e melhorias nos aterros controlados;
  • sociais – geração de empregos e aspectos socioeconômicos colaterais, como triagem e separação de produtos recicláveis nos pontos de coleta;
  • ambiental – controle de emissões (líquidas, gasosas e sólidas);
  • sustentabilidade – produção energética com vapor e energia elétrica;
  • econômicos – receitas com o recebimento do RSU e com a venda de energia elétrica, créditos verdes, produtos recicláveis e subprodutos com a consequente geração de renda e imposto.
*João Carlos Mello é CEO da Thymos Energia.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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