Alertas sobre impossibilidade de limite de voos no Santos Dumont vieram da Secretaria de Aviação Civil do ministério

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

Os alertas dados ao ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, sobre a impossibilidade de se fazer uma limitação de voos para o Aeroporto Santos Dumont (RJ) para apenas duas cidades, São Paulo e Brasília, foram dados pelos técnicos da SAC (Secretaria de Aviação Civil) e corroborados pela Conjur (Consultoria Jurídica) da pasta.

Agência iNFRA teve acesso ao parecer de 3 de agosto da Conjur da pasta alertando que “a atual proposta de limite de origem e destino do Aeroporto do Santos Dumont, permitindo voos oriundos apenas de e para Brasília e Congonhas não pode ser implementada através de ato infralegal, haja vista se tratar de uma restrição na atividade econômica fora das balizas legais hoje existentes”.

O documento se baseia no parecer dos técnicos da SAC sobre o pedido formulado pelo governador do estado e pelo prefeito da capital ao ministério para estabelecer esse tipo de restrição por unidade. Numa reunião com o presidente Lula em junho, houve o compromisso do governo de aceitar essa restrição, mesmo com informações que já circulavam de que ela seria inviável tecnicamente.

Os agentes públicos da secretaria analisaram em seu parecer que “fica claro que a medida impacta negativamente a qualidade regulatória do transporte aéreo brasileiro, prejudicando a segurança jurídica e o ambiente de negócios do país”. 

Avaliaram ainda que, “ao restringir artificialmente a liberdade de escolha dos passageiros, a medida proposta gera distorções (aumento de preços, redução de oferta, barreiras à entrada), dificultando, assim, o acesso da população aos serviços de transporte, em particular pelos indivíduos de renda mais baixa”.

E também que, se a medida fosse tomada na forma como os governantes fluminenses queriam, “poder-se-ia incorrer em um processo regulatório que reverteria os benefícios econômicos e sociais gerados pela flexibilização regulatória da aviação civil brasileira – que teve início na década de 2000, vem sendo gradualmente implementada há cerca de vinte anos e quase quadruplicou o tamanho do transporte aéreo em relação aos números do final da década de 1990”.

Os técnicos da SAC recomendam ainda que o ministério evite “que escolhas de política pública em nível local, de qualquer que seja o ente federativo, prejudiquem o ambiente setorial de todo o país” e que, se a demanda dos governantes fosse aceita, era necessária uma lei que pudesse ser aplicada somente no caso excepcional e temporário do Santos Dumont “a fim de reduzir a contaminação do ambiente regulatório e jurídico estabelecido em nível nacional”.

A Conjur não só concorda com o parecer da SAC como avança para indicar que, se a proposta fluminense fosse aceita no formato pedido, haveria afronta à Lei de Liberdade Econômica, configurando “abuso de poder” regulatório pelo Estado. E relembra ainda que houve uma proposta da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) mais adequada, que faria uma restrição por capacidade do aeroporto, sem afetar portanto o direito de escolha das companhias aéreas.

Proposta da ANAC
A proposta da ANAC faria as restrições a partir da próxima temporada de voos, que começa em outubro, restringindo a capacidade da unidade, que hoje opera com mais de 10 milhões de passageiros ao ano. 

As propostas, que chegaram a ser conversadas nos grupos de trabalho formados para tratar do tema, é que o Santos Dumont pudesse operar com entre seis e sete milhões de passageiros, mas a diretriz da agência não chegava a esse ponto, nem controlaria quais tipos de voos. 

Depois da nota da Conjur, houve uma reunião do ministro com os representantes fluminenses que insistiam na proposta de restrição local. Mas a solução acabou sendo uma busca por conciliar em parte o que a ANAC tinha proposto com o que os governantes desejavam.

Por meio do Conac (Conselho Nacional de Aviação Civil), um orgão superior de política pública setorial, o ministério aplicou diversas restrições ao Santos Dumont alegando necessidade de obras na unidade, entre elas a construção da nova RESA (Runway End Safety Areas) e da implantação do E.M.A.S. (Engineered Material Arresting System), ambos equipamentos de segurança, o que naturalmente restringiria o número de operações.

Brasília fora
Para cumprir essas restrições operacionais, a Resolução 1 do Conac indicou uma distância máxima de origem e destino das aeronaves comerciais que vão usar a unidade a partir de 2 de janeiro de 2024, somente até a finalização das obras.

Em nota, o Ministério de Portos e Aeroportos lembrou que o parecer da Conjur “orienta que as mudanças solicitadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro e pelo Governado do Estado, de limitar os serviços aéreos no Santos Dumont somente aos voos com origem ou destino nos aeroportos de Congonhas e Brasília, sejam feitas via Projeto de Lei”.

Lembra ainda que “a Resolução assinada pelo ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, no entanto, define que as operações no Santos Dumont devem ser planejadas observando a distância máxima de 400 quilômetros de seu destino ou origem, em aeroportos de voos domésticos (o que não inclui Brasília, como solicitado pelo governo do Rio)”.

BH na mira
Em tese, os voos no Santos Dumont ficarão restritos aos aeroportos de São Paulo (SP) e Vitória (ES), além das cidades fluminenses atendidas por voos comerciais. Há indicações, no entanto, de que com a restrição seja possível retomar voos para o Aeroporto da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), com uso de aeronaves menores, de acordo com uma fonte.

A intenção anunciada dos governantes fluminenses é que, com as restrições, parte dos voos vá para o Aeroporto do Galeão, que recuperaria assim a sua capacidade de ser um hub internacional, independentemente de quem vai operá-lo. Sem voos nacionais, as companhias aéreas estrangeiras deixaram de usar a unidade, na visão dos governantes locais.

Além das restrições legais explicitadas nos pareceres, os técnicos da SAC e da ANAC também têm dúvidas sobre se essa política vai funcionar economicamente, ou seja, se de fato os passageiros vão se transferir para voar pelo Galeão nas mesmas quantidades que voavam para o Santos Dumont.

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