Ralph Terra*
Mesmo com uma vasta quantidade de recursos hídricos, o Brasil ainda enfrenta um problema significativo e estrutural: a perda de água. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), com base em dados de 2022, 37,8% de toda a água tratada no Brasil é perdida, seja por ligações clandestinas ou pelo próprio desperdício, gerando consequências profundas e que impactam diretamente a sociedade, seja pela desigualdade no acesso ou escassez em regiões já afetadas por secas. As explicações são inúmeras e passam pela falta de investimento em infraestrutura que, em muitos casos, não recebeu os recursos necessários ao longo dos anos, e pelos famosos “gatos”, que crescem principalmente em regiões periféricas.
O Novo Marco Legal do Saneamento (Lei Federal 14.026/2020) tem metas ousadas, como fornecer água à 99% da população, sendo este desafio ainda mais complexo, quando nos deparamos com uma população crescente e que vive em condições precárias. Se a água é item básico para a sobrevivência da raça humana, quando ela não chega, a ilegalidade domina. Como acontece em grandes metrópoles, o crescimento desordenado em busca de melhores condições de trabalho, favoreceu diversas práticas ilegais, gerando impactos sociais e econômicos que perduram por anos.
Devido à esta complexidade, em muitos locais, o acesso não é simples e as máquinas não conseguem avançar. E estas questões são mais antigas do que parecem. Após a vinda da família real portuguesa, em 1808, a população brasileira teve um crescimento sistemático, fazendo com que as obras de saneamento passassem a ser cada vez mais necessárias, mas o primeiro sistema de abastecimento de água encanada só foi construído entre 1857 e 1877, pelo Governo de São Paulo.
Temos atrasos históricos, mas que podem ser sanados. O trabalho é conjunto e conta com concessionárias e prefeituras, para desenvolvermos estratégias de engenharia e urbanização que resolvam o problema e garantam a dignidade de todos. Recentemente, recuperamos 257 km de redes em diversas cidades do Estado do Rio de Janeiro e 70% das operações foram realizadas por meio de um método não destrutivo, com furo direcional (MND), melhorando a velocidade da obra com menor nível de transtorno para a população local. A obra acontecia, aquela realidade mudava e o impacto era mínimo. Tudo isso por meio de avanços tecnológicos, que permitem que esta mudança seja realizada desta forma, algo impensável há alguns anos, quando a única solução era realocar pessoas e começar tudo do zero.
Em muitos casos, ainda se faz necessário, por questões diversas e que passam pela segurança, mas quanto menor o impacto, melhor para todos. Costumamos dizer que a rede nova melhora a eficiência e mata o ‘gato’. Estima-se que de um terço de toda a água tratada no Brasil não chega até as torneiras e isso parece impensável nos dias de hoje, quando contamos com recursos tecnológicos que podem auxiliar a solucionar a questão. Temos em mãos uma questão complexa e urgente, que deve ser enfrentada com a combinação certa de investimento, educação e inovação. Desta forma, acredito que o maior desafio da engenharia atual seja continuar provendo soluções que diminuam ainda mais este impacto e acelerem os processos de modernização das redes, fazendo com que a água chegue definitivamente e de forma limpa, em todos os sentidos da palavra.
*Ralph Terra é Diretor Comercial da Carioca Engenharia
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.