Marisa Wanzeller e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
Wilson Ferreira Júnior, ex-CEO da Eletrobras e presidente do Conselho de Administração da Matrix Energia desde 7 de outubro, avalia que o curtailment ou constrained-off é um “efeito definitivo”, tendo em vista que uma operação “mais confiável” do sistema elétrico exige um “um despacho ligeiramente menor de renováveis”. Na visão do executivo, as baterias seriam a forma mais “inteligente e rápida” de mitigar esse problema, que representa uma perda de receita para os agentes.
“É certo que o curtailment é um evento como era o GSF das hidrelétricas. (…) Nas intermitentes, solar e eólica, você não tinha esse problema, porque elas estavam sendo despachadas preferencialmente às demais fontes, especialmente à hidrelétrica. Agora, obviamente em função da própria confiabilidade que o sistema está requerendo, ela faz um despacho menor e gera esse curtailment, que é uma perda de receita para essas usinas”, afirmou.
O executivo falou pela primeira vez desde que deixou a antiga estatal e abordou temas como a restrição na geração de fontes intermitentes, as perspectivas para a abertura do mercado, a reforma do setor elétrico e o posicionamento da comercializadora nesse cenário.
A Matrix é uma plataforma digital que opera nos mercados de comercialização, geração e também armazenamento de energia. A empresa entrega soluções para clientes conectados tanto na alta tensão (Grupo A) quanto na baixa tensão (Grupo B), respectivamente, além de ser uma comercializadora de gás natural.
O chairman destacou que está contente em “voltar para o setor em um momento em que ele está se abrindo, onde a competição vai ser determinante”, e de estar em uma plataforma que “oferece essas possibilidades”.
Leia os principais trechos da entrevista:
Agência iNFRA – Como é estar de volta ao setor nesse momento de abertura do mercado, agora na Matrix Energia?
Wilson Ferreira Jr. – Eu fui chamado para ser um executive chairman, fruto da visão dos dois acionistas, Duferco e Prisma, para contribuir com o desenvolvimento da governança da Matrix, onde o processo decisório é determinante, principalmente para evolução e crescimento dos negócios. A Matrix conta com um time executivo de primeira linha, liderado pelo Rubens Misorelli, que tem mais de 20 anos de experiência no setor. Ele também foi de bancos, o que traz para a posição não só a experiência do setor, mas também uma visão financeira muito pragmática. Então, eu estou muito feliz por estar aqui nesse momento ímpar do setor elétrico, na área do setor de energia em que mais inovação será criada a favor do cliente.
E como a empresa trabalha no mercado de GD (Geração Distribuída)?
A GD explodiu de alguma maneira, e o mercado tem um volume de energia excedente por força desse crescimento, dos incentivos que foram oferecidos, e a Matrix também desenvolveu alguns projetos. A gente tem mais de 120 MW (megawatts) próprios nessa atividade, mas ela também se beneficiou porque esse excesso de GD, ele está sempre à procura de clientes do outro lado, e se você não tiver o cliente, se você não tiver o PPA [Power Purchase Agreement] pra essa GD, você não consegue viabilizar a construção nem financiar.
A abertura de mercado vai competir com a GD?
Esse mercado vai se abrir. Você já teve a abertura do Grupo A neste ano inteiro. Ainda tem 76 mil consumidores de fora, mas já tem 35 mil atendidos por comercializadoras. Então, é um mercado que ainda remanesce, as pessoas vão tomar decisões, a gente também está experimentando esse ingresso no nosso grupo, mas a gente tem que se preparar para um mercado que vai ter um volume de gente que coloca essas empresas em uma exposição maior.
A distribuidora é regulada, ela faz, teoricamente, no limite do que é permitido a ela. Ela tem custo regulado, ela tem limite para atender cliente. Eu até brincava assim que, na verdade, na distribuidora o cliente é o consumidor dela. Ele não tem a opção de fazer escolha.
A diferença desse movimento de mercado é essa, o que a gente já faz para os clientes que são atendidos pela Matrix é entender de fato a necessidade dele e de que maneira eu posso ajudá-lo. Não é só uma questão de preço. Óbvio que o preço é uma variável importante e que a companhia agora consegue competir, mas não é só isso.
Eu vou dar um exemplo, que é um terceiro negócio em que nós estamos hoje envolvidos, que é o negócio de baterias. As baterias evoluíram muito nos últimos anos e você pode utilizá-las no sistema elétrico, para sua fábrica, para o seu comércio e para o seu empreendimento. E por que isso é importante? Porque se vocês olharem o preço da energia na ponta, e agora a gente tem esse comportamento horário, tem variações de preço expressivas. E a bateria pode ser um elemento para duas coisas. A primeira, é para você carregar a bateria fora da ponta e descarregar ela na ponta. Você consegue fazer uma arbitragem de tal maneira que aquela demanda que você tinha contratado na ponta, que é por vezes cinco a seis vezes mais cara do que fora da ponta, ela possa ser atendida por uma bateria.
Além disso, se for olhar um pouco hoje as preocupações que os consumidores têm, não quero nem fazer comentário sobre o tema que aconteceu aqui em São Paulo da falta de energia, mas obviamente você tem também, de alguma maneira, o serviço de distribuição, o serviço interruptível. Imagina que você tem um supermercado ou um posto de gasolina e você tem uma interrupção da concessionária de energia. Você tem a chance de não ter essa interrupção se você tiver uma bateria carregada, e ela funciona do tamanho que você dimensionou. Então você acaba tendo um nível maior de confiabilidade do seu sistema.
É um negócio que dá um ganho, e a estratégia da companhia que a gente desenvolveu aqui é de oferecer esse tipo de produto de graça. Nós investimos para que o cliente tenha uma redução adicional dos seus custos e nós conseguimos rentabilizar o nosso equipamento dessa maneira.
E qual a vantagem das baterias comparadas aos geradores?
As pessoas que não têm uma bateria e não tem energia elétrica, tem que usar um gerador normalmente a diesel. A bateria é bastante competitiva em termos de tamanho e certamente ela é muito mais barata do que um gerador a diesel no seu funcionamento. E ela tem a vantagem de ficar verde. Porque, se as empresas tentam ser sustentáveis, serem verdes, você pode usar energia elétrica de fonte renovável.
E mais recentemente, olhando um pouco do que está acontecendo no setor, você tem o curtailment, que está acontecendo especialmente nas eólicas. Esse efeito é definitivo, porque o sistema operando de uma forma mais confiável, você tem um despacho ligeiramente menor de renováveis. É certo que o curtailment é um evento como era o GSF das hidrelétricas. As hidrelétricas tinham só, talvez como uma contrapartida, que elas criaram o MRE [Mecanismo de Realocação de Energia], que é quase um seguro entre elas, mas o GSF passou a afetar todas as hidrelétricas.
Nas intermitentes, solar e eólica, você não tinha esse problema, porque elas estavam sendo despachadas preferencialmente às demais fontes, especialmente à hidrelétrica. Agora, obviamente em função da própria confiabilidade que o sistema está requerendo, ela faz um despacho menor e gera esse curtailment, que é uma perda de receita para essas usinas. E uma forma de elas mitigarem esse efeito negativo é com baterias. Talvez seja a forma mais inteligente e mais rápida de evitar esse problema. Nós já estamos trabalhando também em uma oferta específica voltada para esse setor das intermitentes.
Eu coloquei para você algumas atividades que a gente está fazendo, mas só para trazer da beleza que é você voltar para o setor num momento em que ele está se abrindo, num momento onde a competição vai ser determinante, e você está numa plataforma que está te oferecendo essas possibilidades, seja no mercado que está migrando, o Grupo A, principalmente, que tem um período de migração, seja especialmente esse mercado de GD, que é um mercado que vai crescer bastante, a gente tem certeza que a perspectiva de abertura do próprio Grupo B vai estimular ainda mais esse mercado.
Como fica essa estratégia de uso das baterias como diferencial para os clientes a partir do momento em que o governo passar a fazer leilão de bateria e isso realmente entrar na matriz?
O uso de baterias no sistema elétrico, isso já é usado no mundo inteiro. A característica principal de carga é que ela não é uma reta. Não há um consumo de energia de forma linear por todos os consumidores. Por isso você tem um aumento de pico, um aumento fora de pico. Tem momentos que você tem um consumo muitíssimo menor, você tem um muito maior. Então, a bateria é um instrumento importante para gerenciar essas diferenças de consumo e de pico de consumo de energia ao longo do dia.
Isso não é novidade aqui no Brasil também. A gente já tem algumas baterias colocadas, não só nossas, mas também de outros fabricantes no Brasil. Então, é algo que, eu diria assim, vai fazer parte muito da nossa vida. Com relação ao leilão, hoje você tem baterias de tamanho bastante razoável, então, é certa a decisão do governo de fazer um leilão.
Há sempre uma preocupação nesse momento que você tem que atender a ponta de carga do sistema, e é onde você tem algum stress, já manifestado por outros agentes, e o que a gente percebe é que você vai precisar de alguma coisa. Uma coisa é térmica, e tem um leilão previsto para o final do ano. E a outra coisa é bateria, que a bateria pode dar uma contribuição importante, porque você promove esse equilíbrio, tirando alguma coisa da ponta, e isso alivia o sistema na sua operação, e obviamente faz o carregamento dessas baterias em momentos em que você não tem tanto consumo de energia, e isso acaba sendo uma otimização do sistema elétrico, dos sistemas de transmissão. Então, eu tenho certeza, tenho convicção de que isso é o primeiro de uma série [de alternativas], nós vamos precisar de mais.
Você acredita que vai ter esse leilão de térmicas no fim do ano?
Está previsto para o final do ano, tem desafios aqui, mas eu acho que sim, o sistema precisa. E acredito firmemente que você vai ter o das baterias, que vão poder atender, inclusive, a esse momento de preocupação em relação à potência do sistema de uma forma mais rápida, porque a bateria, os pacotes que a gente faz aqui, a gente entrega em no máximo quatro meses. É algo que dá uma solução rápida para um problema que, às vezes, é grande.
Esse modelo também de negócios com baterias ele blinda essa volatilidade do PLD (Preço de Liquidação das Diferenças)?
Quando você está falando de um cliente, ele paga a tarifa em função do horário que ela tiver. Então, a TUSD [Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição], tem uma TUSD ponta e tem uma TUSD fora da ponta. Então, para o cliente que está instalando essa bateria do nosso pacote aqui, sim. Ela tira ele de um PLD mais alto e põe num PLD mais baixo.
Mas normalmente nossos clientes estão tendo um desconto adicional, por conta de eu instalar a bateria, a gente consegue dar um desconto pra ele em relação ao que ele já está pagando sem que ele faça nenhum investimento.
E o volume de baterias, consegue atender esse mercado crescente?
Sim, nós estamos nos preparando para uma demanda grande. Nós temos uma exclusividade da colocação de baterias Huawei no Brasil.
Como estão as expectativas quanto a um novo modelo do setor elétrico, que vem sendo prometido pelo governo? Como você vê pela frente a abertura do mercado? Como é que você vê o setor de energia em termos de cenários de agora em diante?
Acho que a gente está passando de novo por um momento de transição. Esse processo de abertura de mercado, ele tem que ter esse cuidado que se teve, ou seja, metade do volume de energia é ligado ao que a gente chama de Grupo A, no grupo de alta tensão. Esse mercado tinha até ano passado mais ou menos 3 mil e quase 4 mil clientes potencialmente livres, e a maior parte deles, 95%, já era livre.
Então já tinha uma escolha na sua distribuidora. Isso significava mais ou menos 25% a 30% do volume de energia do mercado. Agora se abriu o mercado para mais 100 mil [consumidores], ou seja, todo o restante do Grupo A nas suas diversas tensões acabaram se beneficiando dessa abertura que aconteceu agora em janeiro deste ano.
Livres desde então, as empresas estão recebendo propostas. Eu acredito que, como uma parte importante disso é o desconto, e você tem fornecedores como nós capazes de fornecer desconto, é porque a migração seja bastante grande.
Aí você vem pro chamado Grupo B. No Grupo B, de baixa tensão, nós estamos falando com 88 milhões de consumidores, começando talvez pelas pequenas indústrias, pequenos comércios. Então você tem que ter uma disciplina de como é que esse mercado vai ser liberado, assim como você teve uma disciplina entre 2002, e agora, em 2024.
Esse debate está acontecendo com o governo. Tem o projeto do deputado Fernando Coelho [União-PE], o [Projeto de Lei] 414. Esse debate está acontecendo agora. É preciso que ele exista para que você possa, de alguma maneira, fazer ajustes também entre as distribuidoras. As distribuidoras fazem um atendimento hoje cativo a esses consumidores. A contrapartida é que elas compram energia para esse volume. Os contratos das distribuidoras estão vencendo, então está reduzindo muito essa sobrecontratação. Praticamente não existe hoje, mas você tem que fazer as coisas de alguma maneira serem sincronizadas, vamos chamar assim, com o prazo de liberação dos consumidores.
Então, esse é um debate absolutamente necessário para que você possa manter as distribuidoras em equilíbrio. Isso é fundamental, porque elas te cobram o fio. Elas vão continuar com essa função de operar e manter o sistema de distribuição, tal qual você já tem as empresas de transmissão.
Então, esse é um ponto importante e também um debate que precisa ser feito. Mas não é só esse. Ao longo desse tempo todo teve também importantes encargos. Então não dá para o cliente sair e não levar, por exemplo, o seu pró-rata, encargos que estão lá na conta de energia. Isso também tem que ser objeto dessa atenção do proponente da política pública aqui, do regulamento, da lei que venha a se materializar nisso.
Esse debate já ocorreu no Senado e agora está na Câmara. Eu diria assim, é algo que tem que acontecer idealmente, rapidamente, ao longo dos próximos meses, pra que ele possa ser feito de uma forma adequada aqui, preservando os agentes econômicos que tomaram posições como a própria distribuidora, mas não só elas, os geradores, todos os agentes do sistema regulado de alguma maneira podem ser afetados por um processo de liberação sem o devido cuidado.
Eu sei que o Ministério, a ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica], estão bastante envolvidos nisso, para ter uma solução que seja, de fato, equilibrada para fazer essa migração. A migração, a oportunidade de liberdade do consumidor, é algo que o consumidor recebia uma atenção em função de um regulamento. As distribuidoras vão continuar tendo metas de qualidade ou de confiabilidade do seu sistema. Mas você não tinha uma atenção de alguém que fosse olhar para você e falar assim: “Eu quero energia verde, eu quero que essa energia tenha crédito de carbono, eu quero que essa energia seja fornecida dessa ou daquela maneira”, com um nível de flexibilidade que uma comercializadora pode fazer.
Eu acho que essa que é a vantagem que você teve, por exemplo, no sistema de telecomunicações, na comercialização do teu telefone, nas condições que você tinha, foram criadas várias para que uma delas fosse a melhor para você. É isso que esse processo de liberação do mercado cativo vai oferecer aos consumidores de energia elétrica. Não tenho dúvida disso.
Você acha que o PL 414 pode ser retomado ou que vai haver uma coisa totalmente diferente?
Veja, eu acho que esse PL 414 tem uma base muito importante e que já foi tratada no Senado. Isso foi objeto de uma contribuição de todos os agentes naquela ocasião. Acho que teve aperfeiçoamentos, teve debate no Senado e agora na Câmara. Assim, como base de um processo, ele é perfeito, na minha opinião. Já houve muita discussão em cima disso, podem ter aperfeiçoamentos, mas eu diria que ele tem a base regulatória, legal e necessária para que o processo seja adequado.