Marisa Wanzeller, da Agência iNFRA
Os custos do curtailment ou constrained-off, como são chamados os cortes de geração solar e eólica determinados pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), deveriam ser compartilhados com a MMGD (Micro e Minigeração Distribuída), avalia o diretor de Assuntos Econômicos e Regulatórios do Instituto Acende Brasil, Richard Lee Hochstetler.
Um monitoramento realizado pela entidade elencou o curtailment como tema de maior impacto no setor em 2024 e constatou que o fenômeno deve se agravar ao longo dos próximos anos caso não haja adequação regulatória. Segundo o instituto, parte disso se deve à expansão da Geração Distribuída, especialmente de energia solar, segmento que não é impactado pelos cortes de geração de energia atualmente.
“Do jeito que está a regulação, a geração distribuída passa impune nisso. Ela não está sujeita a nenhum curtailment e a nenhuma repartição desse custo. Esse é um dos pontos que surge de desigualdade de tratamento e parte do problema está nessa expansão descoordenada da GD”, avaliou Hochstetler à Agência iNFRA.
O Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo divulgado pelo ONS no último mês indica que a MMGD deve atingir cerca de 50 GW (gigawatts) de capacidade instalada até 2029, se consolidando como a segunda maior fonte de geração elétrica do país. Contudo, as projeções mostram que tal expansão pode levar a cortes de cerca de 40 GW de eólica e fotovoltaica centralizada, a fim de “garantir o equilíbrio entre carga e geração no sistema e mitigar o risco de perda de controlabilidade da frequência”.
“Embora a expansão da MMGD seja um vetor significativo para impulsionar a transformação energética, ela também impõe desafios consideráveis à operação dos sistemas elétricos modernos. Entre esses desafios estão o controle de frequência e tensão, a necessidade de maior flexibilidade operacional e a gestão das restrições e gargalos na rede de transmissão, características que podem se intensificar com a expansão de recursos conectados diretamente às redes de distribuição e não controláveis”, destacou o operador.
Custos
Para Richard Lee Hochstetler, é importante que os custos do curtailment não recaiam apenas sobre os agentes, mesmo que isso possa significar mais gastos para os consumidores. Eles que terão de arcar com o ressarcimento do prejuízo gerado aos empreendimentos por meio dos ESS (Encargos de Serviços do Sistema).
“Quando a gente fala de ressarcimento, sim, isso recai sobre os consumidores, mas é menos custoso do que um aumento de prêmio de risco que vai ter ao longo dos próximos anos para todos os novos empreendimentos à medida que você percebe uma alocação de riscos desatrelada de qualquer aspecto gerenciável e minimamente previsível para os agentes”, destacou o diretor.
“Querer alocar esse risco para os próprios agentes e responsabilizá-los de alguma forma pode ser muito problemático, porque aí a percepção de risco do sistema vai aumentar muito e vai tornar muito mais custoso a captação de recursos para para novos empreendimentos lá na frente”.
Dados do Instituto Acende Brasil mostram que em 2024, cerca de 8,4% do potencial de geração dos parques eólicos foi desperdiçado por curtailment. O percentual chega a 13% nos parques fotovoltaicos. Juntos, os prejuízos representam cerca de R$ 1 bilhão.
Ressarcimento
Atualmente, só podem ser ressarcidos cortes classificados pelo ONS como “indisponibilidade externa”, ou seja, quando o escoamento de energia é prejudicado pela indisponibilidade de instalações de transmissão. Já as outras classificações para o curtailment, “confiabilidade elétrica” (atendimento de requisitos para preservar a rede) e “razão energética” (geração de energia superior à demanda), não são passíveis de reembolso.
Para o instituto, é preciso uma adequação regulatória que permita ressarcimento para cortes definidos por “confiabilidade elétrica”. “Eles têm as mesmas características, que é uma coisa que está fora do controle das geradoras e que não era previsível”, ponderou o diretor.
Segundo Hochstetler, uma mudança de política operativa da magnitude que ocorreu após o apagão de agosto de 2023 “estava fora de qualquer qualquer radar, inclusive do próprio ONS”. O evento ocorrido em 15 de agosto de 2023 levou o operador a um ajuste na operação “para representar com maior aderência o comportamento das fontes renováveis variáveis”, o que “tem impactado o escoamento de geração renovável no Nordeste, aumentando o curtailment dos geradores para manter a confiabilidade do SIN [Sistema Interligado Nacional]”, diz o Plano da Operação Elétrica divulgado pelo ONS.
O Instituto Acende Brasil ainda defende que parte dos cortes classificados como “confiabilidade elétrica” sejam tratados como “indisponibilidade externa”, já que se devem a atrasos de linhas de transmissão e subestações que estavam previstas para entrar em operação. “Na medida que essa confiabilidade foi afetada pela transmissão, faria mais sentido classificar isso então como por indisponibilidade do que por confiabilidade”, explicou Hochstetler.
ANEEL
Ainda em dezembro de 2024 a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) abriu uma terceira fase para a CP (Consulta Pública) 45/2019, que trata sobre critérios operativos para redução ou limitação de geração. A consulta vai até 10 de fevereiro deste ano e integra processo sob relatoria da diretora Agnes Costa.
O diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, chegou a se manifestar em novembro sobre o tema e disse que os custos dos cortes de geração não podem ser imputados aos consumidores: “O ponto que nós estamos fazendo hoje é tentar aprimorar possibilidades de remuneração pelo curtailment. O que a gente não pode, de maneira alguma, é buscar a solução mais fácil, que é simplesmente imputar esse custo ao consumidor de energia elétrica”.