Opinião

Opinião – Há remédio concorrencial para fusão entre Azul e Gol?

*Thiago Costa Monteiro Caldeira e **José Barreto de Andrade Neto

A associação norte-americana Airlines for America mantém um site que atualiza lista de empresas do setor aéreo, nos EUA, que entraram em processo de falência. Desde 1980, já soma 214 empresas. No Brasil, a partir da intensificação do processo de desregulamentação das tarifas aéreas, 11 empresas encerraram suas atividades entre 2001 e 2019, o que representa uma média superior a uma quebra a cada dois anos.

A máxima de que a forma mais fácil de se tornar um milionário é ser um bilionário e abrir uma empresa aérea vem sendo estudada com frequência pela literatura econômica. A pesquisa econômica baseada na análise de estrutura conduta-desempenho indica que as empresas aéreas são afetadas negativamente por características inerentes ao ambiente de atuação: i) o produto passagem aérea é homogêneo, o que leva a comparabilidade para a maior parte dos passageiros exclusivamente para o preço; ii) preços facilmente comparáveis (pela internet); iii) barreiras à entrada relativamente baixas, portanto a possibilidade de nova competição; iv) fornecedores de insumos atuando de forma concentrada (fabricantes de avião, motores, e fornecedores de combustível, em especial); v) estrutura de custos de curto prazo (altos custos fixos e baixo custo marginal); vi) entre outros. 

Dessas condições resultam que muitos mercados mundo afora operam com duas ou três empresas e, ainda assim, as empresas operam com frequência tendo lucro zero ou com prejuízo (no economês, o equilíbrio de Bertrand). Destaca-se que os ciclos do transporte aéreo são especialmente afetados pelas oscilações da economia. Por exemplo, diante de um crescimento econômico abaixo do antecipado pelas empresas, que por sua vez faz com que a demanda real seja menor do que a esperada quando da definição da oferta, as empresas aéreas tendem a ofertar tarifas abaixo dos custos médios e operar com margens de lucro negativas, mesmo com poucas empresas no mercado. Quando a oscilação econômica é acompanhada de uma alta do preço do petróleo e do dólar, os prejuízos tendem a ser maiores e duradouros.

Além disso, já se aventou, em fóruns internacionais, se o setor não é maculado pelo “romantismo da aviação”, em que bilionários entediados ou sheiks árabes abrem sua empresa aérea como divertimento e levam a desastres financeiros no setor inteiro. No Brasil, o histórico de prejuízos bilionários anuais se soma ao espólio da pandemia, que deixou o setor no chão por muitos meses e gerou um estoque de dívida difícil de resolver. 

Mas nem só de notícia negativa vivemos no Brasil, pois: 

  1. Desde o final da década de 90, com a desregulamentação e abertura do setor, até o ano de 2023, o preço médio do quilômetro para voar (o Yield) caiu 70% (em termos reais);
  2. Ao longo de 2012 a 2023, a operação da infraestrutura de aeroportos foi aberta à entrada de investidores. Hoje 95% do tráfego aéreo no Brasil ocorre em aeroportos concedidos a operadores privados estrangeiros e nacionais qualificados, com frequência premiados em competições internacionais;
  3. Em junho de 2019, lei autorizou que qualquer investidor estrangeiro possa estabelecer empresa aérea no Brasil e operar voos domésticos. Não há, portanto, restrições legais ou regulatórias de cunho econômico ou de “soberania” que impeçam a entrada de novos operadores, nacionais ou estrangeiros, no Brasil. 

Em resumo, há muitos anos (inclusive antes da pandemia) as empresas aéreas no Brasil operam sem lucro econômico que dê sustentabilidade à operação, ou seja, simplesmente não conseguem repassar aos preços os custos da operação. 

O que o governo deveria fazer na iminência de quebras e saídas do mercado? Uma possibilidade é nada fazer, dado que o problema do prejuízo é um problema dos acionistas, que transfere riqueza aos usuários do serviço aéreo operado abaixo do preço de custo. No passado, a regulação de rotas e tarifas, não apenas no Brasil, mas também nos principais países desenvolvidos, gerou tarifas mais caras e menos passageiros voando.

A fusão entre Azul e Gol levanta questões sobre qual a concorrência mínima que deveria existir no mercado nacional. Restarão duas empresas, Azul/Gol e Latam nos mercados principais, ou uma empresa apenas em muitas. A saída de um competidor certamente facilitará o repasse de custos (remuneração do investidor inclusive) para o preço. Se o repasse será excessivo, a ponto de indicar a necessidade de “remédios concorrenciais”, caberá ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) analisar. 

Uma possibilidade é que o remédio seja aplicado apenas onde há efetivamente barreiras à entrada não econômicas, a saber, os aeroportos congestionados em que a entrada de novo operador (com capital estrangeiro, quem sabe!) hoje é inviabilizada no curto prazo por restrição de capacidade. Congonhas, Santos Dumont (em alguns horários) poderiam, a nosso ver, ser objetos de análise pelo nosso órgão de defesa da concorrência. 

A preocupação em relação ao aumento da concentração em aeroportos congestionados em decorrência de operações de fusões e aquisições também encontra amparo na Resolução 682/2022 da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), que dispõe sobre as regras de alocação de slots e monitoramento do uso da infraestrutura aeroportuária. A norma prevê a possibilidade de limitar a participação de slots de empresas aéreas e de limitar o aumento da participação em decorrência de operações de fusões e aquisições, e ressalva, de forma expressa, a competência dos órgãos de defesa da concorrência de atuarem nos casos concretos.

*Thiago Costa Monteiro Caldeira é doutor em Economia, professor no IDP e consultor legislativo da Câmara dos Deputados.

*José Barreto de Andrade Neto é mestre em Economia.

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