Paulo Cesena*
O leilão da concessão da Rodovia de Integração do Sul (“RIS”), agendado para o próximo mês de novembro, pretende inaugurar uma nova etapa das concessões de rodovias federais.
Foram introduzidas modernizações contratuais a partir de reflexões do poder executivo, agência reguladora e órgãos de controle.
Estão entre as novidades regras rígidas para inclusão ou exclusão de obras, compartilhamento de parte dos ganhos de receita da concessionária por meio de investimento em faixas adicionais das rodovias, e imposição pela agência reguladora de obras de melhoria.
Percebe-se uma preocupação de reforçar o rigor do cumprimento das obrigações da concessionária, fechando lacunas para futuras interpretações jurídicas que respaldem justificativas do agente privado por descumprimentos contratuais.
Porém, tendo como base os pedidos de esclarecimentos que investidores nacionais e internacionais apresentaram à ANTT e que preenchem 200 páginas, percebe-se que ainda sobram lacunas contratuais e regulatórias que, de fato, aumentam a percepção de insegurança jurídica do negócio.
Ainda que estas lacunas possam ser “precificáveis” ou classificadas como “risco do negócio”, tê-las no radar é de fundamental importância para as partes envolvidas, neste e nos futuros leilões.
Uma dessas lacunas é o risco das obras atualmente sob responsabilidade do DNIT. O edital estabelece que, se a construtora contratada pelo DNIT não entregar a obra nas especificações da ANTT, a Concessionária deverá fazer prontamente todas as correções sem direito a reequilíbrio econômico-financeiro.
Quando solicitada pelos investidores que reconsiderasse essa alocação de risco, a ANTT indicou que é uma questão fechada.
Quando solicitada a publicar os contratos vigentes do DNIT em prol da transparência e isonomia, a agência indicou que caberá a cada licitante realizar suas próprias apurações.
Ainda que o volume de obras do DNIT possa não ser relevante, cabe a reflexão: faz sentido criar esta referência para o marco regulatório?
O mesmo se aplica ao passivo ambiental da rodovia e às licenças ainda a serem emitidas. Seja qual for o valor das futuras compensações ou remediações exigidas pelos órgãos ambientais, o edital estabelece que é risco exclusivo da concessionária.
Talvez o racional seja que não se tratam de obras de grande complexidade do ponto de vista ambiental e que resultarão em grandes compensações, mas, novamente, não valeria consolidar a prática de se estabelecer um valor máximo de responsabilidade do investidor, permitindo-o precificar o investimento? Este e o exemplo anterior das obras do DNIT são os tão comentados riscos não gerenciáveis.
Um atenuante no edital é a expressa indicação que os custos de remediação de vícios ocultos nos ativos transferidos à concessionária são responsabilidade do Poder Concedente.
Mas os investidores não obtiveram sucesso na definição mais clara do que pode ser caracterizado como vício oculto, como por exemplo aquilo que não puder ser identificado mediante uma auditoria detalhada seguindo melhores práticas internacionais.
É um julgamento de mérito que só ocorrerá se e quando tal evento se materializar. Nesta altura, restará à futura concessionária ser diligente na comprovação de vícios ocultos e confiar na razoabilidade do poder público.
Também se questionou a seguinte previsão contratual: se as obras da concessionária atrasarem, aplica-se automaticamente um fator de desconto na tarifa de pedágio, independentemente de quem deu causa para o atraso. Trata-se de um reequilíbrio econômico-financeiro automático.
Entendido; porém os custos adicionais que a concessionária incorreria não deveriam ser compensados simultaneamente? É o caso típico de risco de descasamento, econômico e financeiro.
No caso das obras de melhoria impostas pela agência reguladora, seria mais equilibrado excluir tal obrigatoriedade caso estes investimentos resultem na queda do “rating” da concessionária, como já é previsto nas novas concessões paulistas.
E se tudo der errado na concessão, e for decretada a sua caducidade, o edital prevê que a indenização que o acionista receberia para pagar as dívidas da concessionária seria deduzida de “danos causados a União”, sem muita clareza de como se apura a extensão destes danos. É o caso de risco político; se materializado, a alternativa é ir ao Judiciário.
Colocando tudo em perspectiva, o maior rigor no cumprimento de obrigações pela concessionária e uma alocação de risco mais pesada refletem, a meu ver, a busca da sociedade por um resultado mais efetivo do programa de concessões rodoviárias. Isso é justo.
Mas seria igualmente importante que estes aperfeiçoamentos viessem juntos com maior rigor no fortalecimento da segurança jurídica, que ao final do dia reverterá em tarifas mais econômicas e melhores serviços aos usuários das rodovias.
Especificamente sobre a RIS, e considerando que não deverá haver muitas divergências entre os investidores sobre as projeções de tráfego e a taxa de retorno almejada, tem-se a impressão de que vencerá aquele que acredita que fará os investimentos o quanto mais econômico do que as projeções oficiais.
E com isso abre-se a folga para absorver os riscos acima mencionados, e outros que se notam ao longo das 200 páginas de pedidos de esclarecimentos.
*Paulo Cesena, Executivo na área de Infraestrutura