iNFRADebate: As Ferrovias, o Ministro e o Pará, por Adnan Demachki

Adnan Demachki*

Nos últimos dias, o Ministro de Infraestrutura Tarcísio Freitas gravou um vídeo, relatando os planos do novo Governo, na área de ferrovias. E para quem não conhece o Ministro Tarcísio do Governo Bolsonaro, ele ocupava a função de Secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parcerias e Investimentos do Governo Temer.

Só esse fato, induz-se a pensar que nada mudará. E pelo depoimento do agora Ministro, realmente nada mudará. São os mesmos projetos do PPI, que o Sr. Ministro insiste em dizer que o conceito do seu programa é “planejar a malha ferroviária”, quando Brasília deveria priorizar o “planejamento do desenvolvimento regional”.

No que se refere ao nosso Estado do Pará, a síntese (dito pelo Ministro) é a seguinte:

O Governo Federal (doravante usarei a sigla GF) deverá renovar de forma antecipada (3 anos antes do vencimento do contrato e sem nova licitação) por mais 30 anos as concessões das Ferrovias de Carajás e Vitória-Minas (Ferrovias da Vale) pelo valor de 4 bilhões de reais, enquanto o mercado claramente diz que as concessões das duas Ferrovias valem 20 bilhões;

O GF irá determinar que com esses 4 bilhões, a VALE construa uma nova ferrovia – não no Pará onde os seus projetos minerais e a sua ferrovia causam enormes impactos socioambientais (A Vale extraiu de 8 minas no Pará em 2017, mais de 187 milhões de toneladas de minério) – mas construir uma nova ferrovia no Centro Oeste, ferrovia essa chamada FICO interligando Água Boa no MT a Campinorte em GO, para transportar a soja do MT até a Ferrovia Norte Sul (que passa em Campinorte);

Alguém pode dizer: Mas o Pará já foi contemplado, pois a Vale duplicou a Ferrovia de Carajás. É verdade, mas ela tem o monopólio de transporte de minério dessa ferrovia que passa somente em 2 ou 3 municípios do Pará e leva o minério da Vale para o Porto de São Luís no Maranhão.

A ferrovia de Carajás atende à Vale e não ao desenvolvimento do Pará, ela resume-se a uma “correia transportadora de minérios da Vale”.

O GF através do Ministro, também não anunciou o planejamento da construção da perna da Ferrovia Norte Sul de Açailândia até Barcarena, cujo Fundo Ferroviário que o Governo Temer criou por Medida Provisória (MP) no final do ano passado, com recursos iniciais “assegurados” de R$ 1 bilhão, não foi à frente, já que a MP não foi aprovada pelo Congresso Nacional;

E por fim, o GF irá licitar a concessão da Ferrogrão para o setor privado, interligando Sinop-MT a Itaituba-Pará.

Há outras renovações e concessões, mas não no Estado do Pará. Pelo volume dos projetos, entende-se que pelos próximos 10 anos, essa será a agenda ferroviária do Governo Federal.

Bom, e quais são os impactos dessa agenda no Estado do Pará?

No Eixo Leste, nem a FEPASA – Ferrovia Paraense (projeto pronto, carga assegurada e empresas chinesas e russa interessadas) e nem a extensão da Ferrovia Norte Sul de Açailândia até Barcarena estão previstas.

Esta última por ser federal, até que contemplaria parte do nosso Estado, inclusive a minha cidade de Paragominas, mas não contemplaria o Sul do Pará como a FEPASA contempla;

O GF vai usar recursos que foram gerados em razão dos enormes impactos ambientais e sociais que a Vale causa ao nosso Estado, no Centro Oeste.

Esta decisão afronta a todos nós paraenses. E o maior beneficiado dessa agenda é a própria Vale. Veja, a Vale vai pagar um valor subestimado pela renovação da concessão de sua Ferrovia no Pará.

Indaga-se: o GF está concedendo só esse benefício pra Vale? Claro que não. Primeiro, ao determinar que a Vale construa a FICO no Centro Oeste e não Ferrovias no Pará, Minas Gerais e Espirito Santo, onde a Vale opera e causa impactos ambientais, o GF mantém o monopólio da Vale na exploração mineral, pois impede que novas mineradoras concorrentes surjam para explorar novas minas nos territórios que a Vale explora.

Ademais, o GF irá gerar novas receitas pra Vale. A Vale através de sua coligada na área ferroviária – a VLI Logística, opera 720 km da FNS – Ferrovia Norte Sul que vai de Porto Nacional (TO) até Açailândia (MA), trecho esse da FNS, que deverá passar a soja que virá do MT pela futura Ferrovia FICO.

Portanto, pelo tarifário da ANTT os proprietários dessa soja irão pagar para a VLI a bagatela anual de R$ 1,028 bilhão pela passagem da soja nesse trecho da FNS que a Vale detém.

Mas a FNS termina em Açailândia e em Açailândia tem Porto? Claro que não. A soja tem que ser exportada por um Porto. E novamente será um grande negócio pra Vale, pois ela transportará essa soja de Açailândia até São Luiz pela Ferrovia de Carajás, faturando ao ano (tabela da ANTT) mais R$ 647 milhões.

Ora, é um negócio da China pra Vale. E pro Pará? Infelizmente, o Pará será novamente relegado.

No Eixo Oeste, a Ferrogrão é importantíssima para o Mato Grosso, mas beneficia pouquíssimo o nosso Estado.

Precisamos sim contribuir com o Brasil, mas passou da hora do Brasil também contribuir com o Pará.

O GF ignora tanto nosso Estado que sequer o incluiu nas audiências públicas da Ferrogrão. Agendou só audiências em Brasília e Cuiabá. Depois de muita insistência agendou audiências também em Belém e em municípios da BR-163.

Bom, estudei bastante o EVTEA do projeto da Ferrogrão, que deverá ser licitado, e menciona que esta ferrovia transportará somente cargas do MT e até então não contemplava nenhuma plataforma para embarque da produção paraense da BR-163.

Pior, a Ferrogrão não transportará passageiros. Os paraenses deverão continuar transitando por veículos pela Rodovia BR-163.

O grande interesse do GF pelo Eixo Oeste (ferrovia e rodovia) é somente transportar cargas do MT. Quando a ferrovia estiver pronta, não há nenhuma garantia de que o GF irá manter em condições de tráfego a BR-163 – já que ela não terá mais carga – criando uma dúvida aos paraenses que se deslocam pela estrada.

Há quem diga: mas a Ferrogrão vai gerar empregos nos portos de Itaituba. Ora, grande parte destes empregos já existem, pois a soja já é transportada por caminhões até os portos do Oeste do Pará.

Deve-se atentar que a Ferrogrão também causará algum desemprego para os caminhoneiros, desemprego nos postos de gasolina, restaurantes, borracharias, etc, ao longo da estrada.

Uma outra demonstração de desprezo pelo nosso Estado foi que o GF lutou bastante para a regularização fundiária da área que a Ferrogrão irá passar, mas não moveu nenhuma palha para regularizar as áreas dos produtores rurais às margens da BR-163.

Inclusive no EVTEA estão previstos R$ 300 milhões de reais para investimentos na área ambiental por onde a ferrovia passará, mas nenhum centavo para regularização fundiária das propriedades rurais paraenses que a ferrovia cortará.

A Ferrogrão é importante sim para o Brasil, mas precisa beneficiar muito mais o nosso Estado, muito além do que consta no seu EVTEA. Precisa ir até Santarém (também tem portos), precisa transportar os paraenses, precisa ser um vetor de desenvolvimento da região Oeste do Pará mais consistente.

Sob pena de impor ao nosso Estado a condição somente de ser corredor de passagem!

Reafirmo o que tenho dito nos últimos anos. Só mudaremos essa realidade imposta ao nosso Estado se a classe política se unir, independente de partidos e deixando de lado vaidades; e se isso não for possível, só restará uma alternativa à sociedade paraense, que é a de honrar seu passado, se rebelando e fazendo uma nova cabanagem.

*Adnan Demachki é Advogado. Ex-prefeito de Paragominas (PA) e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado do Pará
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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