Mauro César Santiago Chaves*
O CPPI (Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos) aprovou, na reunião do dia 10 de junho 2020, as duas primeiras relicitações do setor aeroportuário, relativas aos contratos de concessão dos aeroportos internacionais de Viracopos, em Campinas (SP), e o de São Gonçalo do Amarante (ASGA), que atende a região de Natal (RN). Sendo essas as primeiras relicitações do setor aeroportuário, convém fazer uma breve reflexão sobre o instituto da relicitação no setor aéreo, seu enquadramento na PNAC (Política Nacional de Aviação Civil) e as expectativas quanto ao futuro de tais empreendimentos.
O instituto da relicitação corresponde a uma nova forma de extinção amigável do contrato de parceria, com a celebração de um ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com contratados distintos, por meio de procedimento licitatório promovido especificamente para esse fim. No Brasil, o instituto teve origem com a edição da Medida Provisória 752, de 24 de novembro de 2016, posteriormente convertida na Lei 13.448, de 5 de junho de 2017.
O objetivo da relicitação é garantir a continuidade do serviço público já concedido, nos casos de descumprimento contratual ou em face a concessionários que não demonstrem capacidade de adimplir as obrigações contratuais ou financeiras assumidas originalmente. O procedimento corresponde, assim, a um mecanismo de devolução coordenada e negociada da concessão, com o intuito de evitar o processo de caducidade, geralmente caracterizado por disputas judiciais e grande morosidade que acabam por prejudicar a prestação do serviço público e, consequentemente, a qualidade do atendimento aos usuários.
O instituto foi regulamentado pelo Decreto 9.957, de 6 de agosto de 2019, e se inicia com o requerimento de relicitação formulado pelo concessionário em dificuldade ou já inadimplente, o qual deve comprometer-se a garantir a continuidade na prestação dos serviços essenciais, até a conclusão do processo de relicitação e assinatura do novo contrato de parceria. Nesse ínterim, o poder concedente reavaliará as condições originalmente pactuadas no contrato de concessão, bem como promoverá a seleção de um novo parceiro apto à execução do objeto. No procedimento licitatório para a relicitação a entidade originalmente contratada e seus acionistas relevantes não poderão participar, de forma a evitar que o contratado se beneficie da própria inadimplência contratual.
Nas relicitações aeroportuárias qualificadas na última reunião do Conselho do PPI, o procedimento iniciou-se com o protocolo dos requerimentos de relicitação junto à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). A agência, após analisar os requerimentos, manifestou-se sobre a viabilidade técnica e jurídica de cada um dos empreendimentos. Em seguida, os processos foram remetidos ao Ministério da Infraestrutura, que analisou a compatibilidade dos requerimentos com o escopo da política pública do setor de aviação civil.
Sabe-se que a orientação contida no arcabouço normativo e regulatório da aviação civil nacional estimula o investimento privado no desenvolvimento, exploração e operação dos aeródromos públicos. Tanto a Constituição Federal, em seu artigo 21, inciso XII, alínea “c”, como o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86), em seu artigo 36, inciso IV, preveem a possibilidade de concessão da infraestrutura aeroportuária de aeródromos públicos. No mesmo sentido, a PNAC, instituída pelo Decreto 6.780/2009, também prevê a participação da iniciativa privada na construção, operação e exploração de aeroportos. Já o Decreto 7.624/2011 dispõe especificamente sobre as condições de exploração pela iniciativa privada da infraestrutura aeroportuária, por meio de concessão.
Segundo informações fornecidas pela ANAC, desde o início do programa federal de concessões aeroportuárias foram investidos mais de R$ 16 bilhões na melhoria da infraestrutura aeroportuária nacional. Tais investimentos superam os valores investidos em infraestrutura aeroportuária nacional nos 15 anos anteriores (1995 a 2010), além das contrapartidas financeiras recolhidas pelos operadores privados pelo direito de exploração da infraestrutura aeroportuária. Esse modelo de exploração e investimento permite ao Estado aumentar a capacidade instalada, bem como arrecadar recursos para o financiamento de suas próprias atividades, por meio das outorgas pagas pelos contratados.
Mais importante que os valores arrecadados é o aumento na satisfação dos passageiros em relação aos serviços prestados nos aeroportos, conforme pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Aviação Civil1. Assim, além de ampliar a infraestrutura com redução de custos ao contribuinte, o modelo de concessão aeroportuária tem o mérito de ampliar a infraestrutura do setor aéreo, como também a qualidade na prestação do serviço público, o que sinaliza o sucesso da estratégia adotada nos últimos 10 anos.
O aeroporto internacional Aluízio Alves, em São Gonçalo do Amarante (RN) foi originalmente leiloado em 2011 e corresponde, atualmente, ao maior exportador de cargas do Nordeste. Foi considerado o 2º melhor aeroporto do país na categoria que recebe até 5 milhões de passageiros na Pesquisa de Satisfação da Secretaria de Aviação Civil, tendo transportado em 2019 mais de 2,2 milhões de passageiros em voos domésticos e 89 mil em voos internacionais. Com vocação de polo exportador e turístico, o aeroporto dispõe de localização estratégica e privilegiada, devido à proximidade com a Europa, África e Américas.
Já o aeroporto internacional de Viracopos (SBKP) foi leiloado em 2012, sendo atualmente o segundo mais importante do Brasil no setor de cargas (em volume). Em 2019, movimentou mais de 53,4 mil toneladas em voos domésticos e 200,5 mil toneladas em internacionais. Também transportou mais de 9,7 milhões de passageiros em voos domésticos e 966 mil em voos internacionais. É considerado um aeroporto essencial na dinâmica da economia do país, como indutor do desenvolvimento, devido ao apoio logístico ligado às operações industriais que oferece como parte das estratégias de concorrência das grandes empresas instaladas no Brasil, especialmente aquelas que atuam no comércio internacional2.
Como se sabe, já foram publicados os editais de chamamento público de estudos para as relicitações de ambos os aeroportos3 e as expectativas são positivas, especialmente porque o problema dos contratos de concessão desses aeroportos não está relacionado ao investimento na infraestrutura, mas a problemas financeiros das concessionárias que comprometem o pagamento das outorgas. As obras já foram realizadas e as operações são superavitárias, de forma que há receitas suficientes para operação das novas concessionárias.
Assim, apesar dos problemas pontuais existentes nessas duas concessões a serem relicitadas e da atual crise que o setor aéreo enfrenta em razão da pandemia do COVID-19, o processo de concessão de aeroportos tem sido aprimorado gradativamente ao longo dos últimos 10 anos, encontrando-se atualmente na sua 6ª rodada. A experiência até aqui adquirida e a qualidade dos ativos a serem relicitados indicam que, nos próximos anos, os aeroportos de Viracopos e São Gonçalo do Amarante terão novos operadores, com contratos atualizados e compatíveis com as novas demandas existentes no setor aéreo.
*Mauro César Santiago Chaves é procurador federal. Coordenador-geral jurídico de Transportes Aeroviários do Ministério da Infraestrutura. Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Secretário-geral da Comissão de Direito Aeronáutico, Aeroportuário e Espacial da OAB/DF.
1 Maiores detalhes sobre a pesquisa e os resultados podem ser obtidos no link: https://infraestrutura.gov.br/pesquisa-satisfacao.html (Acessado em 11/06/2020).
2 Dados obtidos na página do PPI, no link: https://bit.ly/13ReuniaoCPPI (Acessado em 11/06/2020).
3 Maiores detalhes sobre a PMI de ASGA podem ser obtidos no link: http://infraestrutura.gov.br/component/content/article/2-uncategorised/9901-estudos-e-documentos-aeroporto-internacional-de-s%C3%A3o-gon%C3%A7alo-do-amarante.html (Acessado em 11/06/2020); e maiores detalhes sobre a PMI do Aeroporto de Viracopos podem ser obtidos no link: https://www.infraestrutura.gov.br/estudos-e-documentos/2-uncategorised/8287-evtea-viracopos.html (Acessado em 11/06/2020).