Roberto Rockmann*
A crise atual traz preocupações no fluxo de caixa de distribuidoras e geradoras ao longo dos próximos meses, assunto que já tem sido discutido em conselhos de administração das elétricas e deverá chegar em breve ao Ministério de Minas e Energia.
Ainda não se definiram os pleitos por três incertezas: 1) em relação às medidas que o governo federal adotará como o programa de redução voluntária da indústria e o impacto sobre a economia e o consumo de energia no país; 2) o reflexo que o aumento do custo das bandeiras vermelhas terá sobre a redução do consumo no mercado cativo; 3) como ficam os grupos que hoje têm negócios que envolvem distribuição, geração e GD solar.
Para as distribuidoras, nos próximos 15 a 30 dias, deve ficar mais clara a redução no mercado cativo com o aumento das bandeiras vermelhas e a mídia falando mais intensamente sobre a crise hídrica. Isso poderá atingir o caixa das distribuidoras em um momento em que o consumo estava em recuperação.
Com o aumento da conta, já se vislumbra alta da inadimplência. Pior: governos estaduais, como o Rio de Janeiro, criam leis que dificultam o corte de clientes inadimplentes. O binômio – inadimplência em alta e consumo em baixa – preocupa. Alguns especialistas já enxergam a possibilidade de pleitos de reequilíbrio econômico-financeiro.
As distribuidoras ainda olham o trâmite da Tomada de Subsídios 010/2021 da ANEEL, que trata da abertura do mercado a partir de 2024, e da MP 1.055, cujos jabutis trouxeram dois assuntos delicados para o segmento: a abertura do mercado para a baixa tensão em 2026 e a expansão da GD solar. O trunfo jurídico das distribuidoras são os contratos legados.
O modelo atual é baseado na contratação de energia pelas distribuidoras em leilões anuais em que os geradores ofertam contratos de longo prazo, de 25 a 35 anos. Existiriam 48 GW contratados no mercado regulado, cerca de 70% do consumo previsto para este ano. Mesmo sem a obrigação, as distribuidoras estariam obrigadas ao pagamento das geradoras pela energia contratada, havendo a garantia de repasse do custo para os consumidores ou o direito de cobrar da União os prejuízos da liberalização.
As geradoras observam o cenário. Se as hidrelétricas geram menos e as térmicas mais, independente de crise hídrica, para as geradoras a novela do GSF ressurge. O risco hidrológico está nas mãos das usinas, mas a criação da Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) e a pior estiagem em 91 anos podem abrir o flanco para questionamentos judiciais.
Distribuidoras, geradoras, comercializadoras e indústria solar se preparam para defender interesses divergentes nestes próximos meses. Ao fundo paira a ameaça de uma megajudicialização (muito mais intensa do que a vista desde a MP 579), em um ambiente muito mais diversificado do que em 2001, quando o mercado livre respondia por 2% da carga.