Análise: a dificuldade do governo para fazer três salvamentos em uma operação no setor de aeroportos

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O governo federal tem uma agenda urgente com o segundo estado da federação, o Rio de Janeiro. Trata-se de uma operação que, em princípio, tenta fazer ao mesmo tempo três salvamentos: do Aeroporto do Galeão, o internacional da cidade, da concessionária RIOgaleão, empresa privada que o administra, e da Infraero, estatal federal de aeroportos, que opera o outro aeroporto da cidade, o Santos Dumont.

A urgência se mostrou novamente na última terça-feira (9), com uma nova audiência pública sobre o tema, desta vez na CVT (Comissão de Viação e Transportes) da Câmara, na qual políticos, técnicos e empresários se juntaram para cobrar uma solução por parte do governo, cujos representantes prometeram-na para breve, no entanto sem informar detalhes.

O primeiro salvamento é do aeroporto internacional. Depois da Covid-19, o Galeão não recuperou o volume de passageiros como no resto do país (teve em 2022 1/3 do que tinha) e o diagnóstico é que isso acontece porque as empresas aéreas abandonaram os voos domésticos na unidade, dificultando a formação de voos internacionais.

A Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) apresentou um número de que isso causa um prejuízo anual para o estado, que perde também a possibilidade de transporte de cargas, na faixa dos R$ 4 bilhões. 

Os governos locais se uniram numa proposta única de limitar os voos no outro aeroporto da cidade, o Santos Dumont, a 6,5 milhões de passageiros ao ano, como forma de retomar voos nacionais no Galeão, mas não tiveram uma resposta do governo sobre se será possível fazer isso.

Juliano Noman, secretário nacional de Aviação Civil, disse na audiência da CVT que 90% do acordo está selado e que faltariam poucos detalhes para que o governo pudesse apresentar uma solução. Em entrevista após a audiência pública, Noman explicou que a ideia é convergir entre as propostas.

“Estamos na cara do gol para ter uma proposta única”, disse Noman, lembrando que a ideia é fortalecer as duas unidades.

Mas, segundo ele, ter uma posição da concessionária privada, a RIOgaleão, do grupo Changi, de Cingapura, é essencial para a decisão. Quando fez um encontro com o prefeito e o governador da cidade há duas semanas, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, disse que daria 10 dias para a concessionária dizer se pretende ou não se manter na concessão (ela pediu a devolução amigável no ano passado). 

Havia uma estimativa de que uma reunião acontecesse na semana que vem para tratar do tema, mas o mais provável é que ela seja adiada em mais uma semana, a pedido da concessionária, que avalia o que vai pedir para desistir da devolução.

Trata-se, portanto, do segundo salvamento, que os técnicos dizem não ter relação direta com a operação da unidade internacional. Os técnicos do governo voltaram a deixar claro nas entrelinhas que a concessionária, mesmo sendo considerada uma boa operadora, não tem condições de ficar com o contrato que assumiu, visto que o valor de outorga ofertado no leilão gera um compromisso de pagar R$ 1,3 bilhão por ano ao governo.

Indenização bilionária
Nos melhores anos da concessão, ela não faturou o suficiente para isso, como mostraram os números levados por Noman. O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) indicou que o governo também teria custos para fazer a indenização dos ativos não amortizados da concessionária, que ele estimou em R$ 2 bilhões.

Mas o diretor-geral substituto da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), Tiago Pereira, que levou números indicando que neste ano a previsão é de que a unidade passe de 5 milhões para 8 milhões de passageiros, lembrou que o governo vai voltar a cobrar outorga a partir deste ano. Somente em dois anos, o valor apresentado pelo deputado já seria compensado pelo que a concessionária tem obrigação de pagar.

O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, ex-deputado pelo Rio de Janeiro, deu o tom sobre o que parece ser a tendência mais forte nesse caso, que é por priorizar o salvamento do aeroporto, ampliando as operações para que ele possa voltar a ser um hub internacional relevante, e não da concessionária.

 “Não há voo internacional para o Santos Dumont. Ou se recupera o Galeão, se planeja para ter voo internacional para o Rio de Janeiro, ou não tem voo para o Rio de Janeiro. Se achamos isso importante, tem que recuperar o Galeão. Ponto”, disse Freixo, defendendo um planejamento comum com o Santos Dumont.

Planejamento comum
Esse planejamento comum implica em dificultar um terceiro salvamento que o governo federal quer fazer, que é o da empresa administradora de aeroportos, a Infraero. Até o governo anterior, o plano era reduzir a empresa ao mínimo possível ou até extingui-la. Todos os aeroportos administrados por ela seriam concedidos.

Mas o governo atual quer fortalecer a empresa. O problema é que ela está prestes a perder quase todos os aeroportos que administra, inclusive o de maior receita, o de Congonhas, em São Paulo (o governo federal vem adiando a entrada do novo concessionário nessa unidade. A mais recente ação é a que sobresta a quitação do pagamento pela concessão devido ao uso de precatório, como adiantou a Agência iNFRA nesta terça-feira).

O único aeroporto que a Infraero vai administrar após passar suas unidades concedidas ano passado, o que dificilmente será revertido, seria o Santos Dumont. E a empresa não demonstra querer reduzir seu tamanho lá, o que acarretaria em menos receitas para ela. 

Na audiência desta terça-feira, o representante da estatal, Paulo Cavalcante, voltou a insistir na tese de que pode operar com 15 milhões de passageiros no Santos Dumont, o que levou a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) a criticar veementemente a declaração, exemplificando com um caso pessoal que o embarque remoto na unidade “é uma zona”.

União incomum
Laura, que fez o pedido da audiência pública, indicou que há uma união incomum no estado sobre o tema e que vai cobrar dos responsáveis no ministério uma solução. 

“Aqui a gente sabe o que está fazendo. Ninguém chegou aqui à toa. Temos responsabilidades com a população que nos elegeu e vamos defender isso com unhas e dentes. Ninguém quer acabar com o Santos Dumont. Quer limitar o Santos Dumont”, disse a deputada. “Tenho certeza que o presidente Lula terá a sensibilidade de entender a importância que tem um governador e um prefeito se unindo, com divergências políticas, em torno de um tema”.

Dificilmente será possível fazer os três salvamentos, com as amarras legais e administrativas existentes. A escolha sobre quem será abandonado vai ter que vir do Palácio do Planalto e dificilmente vai deixar de causar ruído político, num governo que não demonstrou força, até o momento, para sustentar decisões que desagradem os outros eleitos.

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