Análise: As preocupações com eventuais mudanças na Lei das Estatais

 Roberto Rockmann*

Sancionada em junho de 2016, sob o contexto da Operação Lava Jato, a Lei das Estatais (13.303/2016) foi criada para reduzir a interferência política sobre a gestão dessas companhias, profissionalizar o seu comando e blindá-las de ações eleitoreiras. Além dessa reação ao aparelhamento político, a lei trouxe uma série de flexibilizações havia anos prometidas, como aquelas referentes a licitações, que buscaram aproximar a empresa estatal das condições de contratação da empresa privada.

As recentes indicações de parlamentares e de membros do governo em relação a mudanças sobre a legislação e a elaboração de uma MP (medida provisória) para interferir na gestão da Petrobras trazem diversas preocupações entre empresários, advogados e especialistas. O processo traz diversas incertezas, até pela experiência recente: como o jabuti que passou no projeto que autorizou o Executivo a reduzir sua participação na Eletrobras e embutiu a contratação de 8 GW de térmicas em um leilão que está sendo desenhado pelo governo.

Com o amparo legal da MP, um passo seria modificar o estatuto social da empresa, com o apoio do novo conselho e de uma nova diretoria-executiva já nos cargos. O estatuto social da Petrobras hoje determina que, se a União utilizar a estatal como veículo de política pública, deve ressarcir a empresa por eventuais prejuízos causados.

Dúvidas
A primeira preocupação é a finalidade das mudanças. “Por que se quer fazer isso de fato? É para mudar o critério de nomeação de quem dirige essas empresas? E a Petrobras poderá ser usada de novo com fins políticos? O que isso mudará de fato na política de preços da Petrobras? Isso apenas fragilizará o processo? O que poderá ser incluído nesse pacote? Quem fará com que as empresas de transportes realmente repassem a queda de preços do diesel?”, questiona David Zylbersztajn, primeiro diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

Influência política
“Político em infraestrutura é sempre um tema preocupante em um momento em que tínhamos de fortalecer as agências reguladoras”, diz Donato da Silva Filho, diretor da Volt Robotics. As agências estão em xeque nos últimos meses, sob ataque do Executivo e de parlamentares, desde o reajuste da Enel Ceará em abril.

 “É tal como um saca-rolhas. Tudo que o Centrão quer. Preocupante”, analisa Edvaldo Santana, ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). “Há um receio de autorizar uma influência política mais relevante nas empresas, e isso é exatamente o que criou o problema na Petrobras na Lava Jato e levou à criação da Lei das Estatais”, pondera um advogado.

Concorrência não é plena
Escolhido a dedo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1997 para dirigir a ANP na quebra do monopólio da Petrobras, Zylbersztajn aponta que a política de preços da Petrobras não é monopolista. O problema é que, desde agosto de 1997, quando se abriu a exploração para empresas além da estatal, a concorrência não foi aberta em todos os elos da cadeia. “Vários governos e o Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] não atuaram em consonância para a concorrência, a competição no refino não existe ainda.”

Refinarias
Desde o ano passado, começaram as vendas de refinarias privadas. Em 2021, a primeira refinaria foi vendida e o fundo Mubadala ingressou no setor. As vendas das refinarias Getúlio Vargas (Repar) e Alberto Pasqualini (Refap) ficaram para o segundo semestre, depois das eleições. “Por que não se acelerou isso? Por que não se fala disso? Aliás, se não respeitarem os preços, alguém vai comprar as refinarias?”, observa David.

Contexto mundial
Mudar as regras do jogo e ampliar a interferência sobre a Petrobras também criam uma preocupação em razão do contexto que o país e o mundo vivem, sob a guerra entre Ucrânia e Rússia. Países europeus já começam a desenhar planos de racionamento de energia em razão da redução de envio de gás russo. Queimam-se carvão, diesel, para elevar os estoques de gás. Os preços do derivado de petróleo estão em alta. Há preocupação sobre o abastecimento de diesel no Brasil neste segundo semestre, em especial com as regiões Centro-Oeste e Nordeste. O país importa um quinto dos combustíveis usados, sendo a Petrobras a líder do processo.

Problema da defasagem de preços
“O hemisfério Norte viverá seu inverno e o segundo semestre no Brasil tem grosso da colheita de grãos. Ter defasagem muito grande do diesel poderá criar um problemão”, diz Zylbersztajn, que frisa que empresa, estatal ou privada, não faz política pública. “Quem faz política pública é governo.”

Na Noruega, os lucros da Equinor, estatal de capital misto, são usados em parte em um fundo para garantir pensões aos aposentados. Aqui não se discute a distribuição dos dividendos. Busca-se fumaça em outros locais.

O artigo 8 da Lei das Estatais diz que, para uma empresa de economia mista, que explore atividade econômica, quaisquer obrigações assumidas em condições distintas de outra empresa do setor deverão estar previstas em contrato/convênio e ser amplamente divulgadas. Significa que, no caso de prejuízo à empresa, o valor deverá ser ressarcido pela União. 

Consequências 
Cabe frisar de novo que o contexto internacional do setor de energia mudou com a guerra entre Ucrânia e Rússia, seja na curva de oferta e demanda de energéticos, seja com o choque de preços em commodities e impacto sobre as economias dos Estados Unidos e da Europa, com prováveis recessões em algumas das maiores locomotivas mundiais. Mudanças abruptas e mal feitas no Brasil poderão ter grandes impactos.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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