Análise: atrito entre presidente da Petrobras e ministro cria dúvida sobre estratégia da empresa em gás e renováveis

Roberto Rockmann*

As divergências públicas entre o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, criam indefinições sobre o futuro da estatal e a abertura do mercado de gás natural, e poderão exigir arbitragem do presidente da República, segundo executivos do setor de óleo e gás.

Hoje o Conselho de Administração da Petrobras tem três secretários do ministério. Pietro Mendes, presidente do Conselho, é secretário de Óleo, Gás e Biocombustíveis; Efrain Cruz, secretário-executivo, e Vitor Saback, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, também compõem o colegiado.

“Como ficará a estratégia da empresa? Conselho e diretoria executiva irão se alinhar ou esse choque vai provocar mudanças no governo ou na estatal?”, questiona um empresário. As dúvidas se referem tanto a investimentos em óleo e gás quanto em renováveis.

As eólicas offshore são uma das apostas da Petrobras rumo à transição energética, uma ideia que não agrada apenas a estatal, mas tem adeptos em governadores do Sudeste e Nordeste, no BNDES e nos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, já que as eólicas offshore são vistas como uma oportunidade de reindustrialização verde e de estimular o mercado de hidrogênio verde.

Já o ministro Alexandre Silveira indicou que a estatal deveria se focar em investimentos em refinarias e deixar de lado esse segmento em estágio de criação do marco regulatório. “A posição do ministro sobre a Petrobras em eólicas offshore será cumprida pela estatal? Está alinhada aos outros ministérios?”, questiona um empresário.

Aumento de oferta entre 2024 e 2027
Na área de gás natural, a divergência não envolveria apenas sobra de gás e redução de volumes reinjetados, mas precisaria ser observada sob um contexto mais amplo, por ocorrer em um momento em que o poder de mercado da estatal está em xeque e em que a estatal se prepara para um forte aumento de produção de gás.

Entre 2024 e 2027, a empresa deverá aumentar sua oferta em mais de 50 milhões de metros cúbicos por dia com novos projetos de gás e biometano entrando em operação. “É um gás para não depender de importação e eu vou baixar os preços, se precisar, e se isso render reclamação no órgão de concorrência eu vou me defender e dizer que estou praticando o preço porque eu posso”, disse Prates em evento público em março no Rio de Janeiro.

Segundo Silveira, “há distorções inexplicáveis” na atuação da companhia, “inclusive do ponto de vista ético e moral”. Isso foi interpretado por empresários de que haveria divergências sobre a participação da estatal no mercado de gás e sobre a criação do programa Gas Release (leilões de gás que a estatal teria de fazer para liberar o insumo ao mercado).

Aumento da presença no Nordeste
A participação da Petrobras, no governo Bolsonaro, nas chamadas públicas de distribuidoras de gás do Nordeste tinha sido limitada. Ao reduzir sua presença no mercado do Nordeste, o índice de cálculo de concentração do setor de gás na região está em 2.393 pontos, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

No Sudeste, quase chega a dez mil pontos. Dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos indicam que setores com pontuação acima de 2.500 mostram alta concentração. As chamadas públicas na região Nordeste ainda contribuíram para a redução de preço de 18% no gás, segundo a ANP.
No governo Lula, a presença da estatal é outra. Nesta semana, a PBGás recebeu propostas comerciais de cinco empresas diferentes, na chamada pública aberta pela distribuidora paraibana para aquisição de gás natural para 2024-2027. A Petrobras foi uma das participantes.

Além da indefinição sobre a participação nas chamadas públicas, haveria outra divergência: a criação de um programa de gas release que liberasse volumes da Petrobras, um ponto defendido pela indústria consumidora do insumo. Seriam pelo menos dez milhões de metros cúbicos de gás que poderiam ser usados nesse programa, que é defendido também pelo poder regulador.

A ANP, em recente reunião, apontou que esse é um ponto importante a ser desenvolvido e que a desconcentração de mercado exigirá medidas adicionais, como o Gas Release, já que o índice de concentração no setor no Brasil está em cerca de sete mil pontos.

CNPE reformulado poderá ser árbitro
A ANP enviará uma nota técnica sobre o tema para o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética). Cabe destacar que o órgão passou por uma recente reformulação. Publicado em fevereiro, o Decreto 11.418 ampliou o CNPE com seis novos ministérios na composição do órgão: Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; dos Povos Indígenas; do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; de Planejamento e Orçamento; de Portos e Aeroportos; e das Cidades.

A ampliação da esfera coincide com a transversalidade crescente do setor de energia e com a importância acentuada das mudanças climáticas.

O CNPE poderá ser a esfera de arbitragem sobre o papel e o poder da Petrobras, segundo um empresário, por definir as diretrizes do setor energético e reunir os principais ministérios e o presidente da República.

Divergências entre Petrobras, União, ministros e agência reguladora não são novidade. Desde 1999, quando o Gasbol (Gasoduto Brasil Bolívia) foi inaugurado e o gás começou a ingressar na matriz energética, conflitos são visíveis. A diferença atual é que desde 2019 o mercado começou a passar por uma desverticalização, com a Petrobras reduzindo sua presença na área de transporte, comercialização e distribuição.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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